Defesa quer adiamento; juiz de Guarulhos decide se acusados irão a júri.
Está programada para a manhã desta segunda-feira (18) a primeira audiência do caso Mércia Nakashima no Fórum Central de Guarulhos, na Grande São Paulo. O G1 teve acesso com exclusividade à sala do juiz Leandro Bittencourt Cano. A reportagem ainda obteve autorização para fotografar o local que fica no primeiro andar e será palco desta etapa do processo, conhecida como instrução ou pronúncia e que antecede um eventual julgamento. Segundo a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de São Paulo, os trabalhos poderão durar até três dias.
Ao final, o juiz Leandro Jorge Bittencourt Cano deverá divulgar a sentença. Se pronunciá-los, os acusados de matar a advogada de 28 anos em 23 de maio numa represa em Nazaré Paulista, no interior do estado de São Paulo, deverão ser levados a júri popular. Se optar pela impronúncia, o caso será arquivado e não haverá julgamento.
O ex-namorado e ex-sócio da vítima, o advogado e policial militar reformado Mizael Bispo de Souza, de 40 anos, e o vigia Evandro Bezerra Silva, de 39 anos, são apontados como “executor” e “partícipe” do assassinato, respectivamente. Para o Ministério Público, Mizael matou a ex-namorada e ex-sócia por ciúmes. Evandro é acusado pelo promotor Rodrigo Merli Antunes de auxiliar Mizael na fuga da cena do crime. O ex responde por homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, meio cruel e dificultar a defesa da vítima). O vigilante também foi acusado pelo assassinato, mas com duas qualificadoras (meio cruel e dificultar a defesa da vítima).
O crime ocorreu em 23 de maio, quando Mércia desapareceu após sair de carro da casa dos avós em Guarulhos. Após denúncia feita por um pescador, o Honda Fit foi localizado submerso na represa em 10 de junho. No dia seguinte, o corpo da advogada foi achado. Segundo o Instituto Médico-Legal (IML), ela foi baleada dentro do automóvel, desmaiou e morreu afogada. A vítima não sabia nadar. A testemunha contou à polícia que viu um homem não identificado deixar o veículo. Falou ainda ter escutado gritos de mulher.
Contra os acusados, a Promotoria e a Polícia Civil afirmam ter provas de que os réus participaram do crime. São elas: as ligações telefônicas feitas entre os réus no dia 23 de maio, o rastreamento do carro de Mizael e uma alga que só existe na represa e que foi encontrada no sapato do advogado. Além disso, Evandro chegou a dizer que Mizael matou Mércia por ciúmes. Também tinha contado que ajudou na fuga do assassino. Depois mudou a versão, negou tudo, e disse que a havia dado sob tortura policial.
Mizael sempre negou o crime. Evandro também passou a alegar inocência. Ambos respondem ao processo em liberdade provisória, mas são obrigados a comparecer a audiência. Existe ainda a possibilidade de, numa eventual pronúncia, de o juiz decretar a prisão preventiva dos réus ao dar a sentença, caso haja algum fato novo que justifique isso
Dentro da sala de audiência
Dentro da sala de audiência estarão o juiz, o escrevente, o promotor e o assistente da acusação, o advogado Alexandre de Sá Domingues (contratado pelos parentes de Mércia para defender os interesses da família Nakashima), os advogados de defesa dos réus, e cada testemunha que entrar. Ainda estarão presentes no auditório, que possui 84 assentos, familiares da vítima e dos réus, membros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), convidados, pessoas da sociedade que queiram assistir a fase de instrução, e a imprensa. Os jornalistas terão autorização para filmar e fotografar apenas alguns momentos da audiência durante cinco minutos.
Segundo o TJ, haverá reforço na segurança externa e interna do fórum. O efetivo da Polícia Militar não foi informado. A previsão é que a audiência comece por volta das 9h.
Para formar sua convicção, o juiz Bittencourt Cano deverá ouvir 31 pessoas (incluindo os advogados de defesa e a acusação), segundo o TJ. Vinte e cinco testemunhas foram arroladas no total. Uma delas foi sugerida tanto pela acusação quanto pela defesa de Evandro: a testemunha protegida “Ômega”, considerada a mais importante pela investigação policial. Ela na verdade é o pescador que viu o carro de Mércia afundar na represa e será ouvida apenas uma vez. Como não poderá ter seu nome ou identidade divulgada, ele poderá entrar com uma máscara durante seu depoimento ou pedir para os réus serem retirados da sala. Pela lei, qualquer testemunha que se sentir incomodada com a presença dos acusados poderá solicitar a saída deles.
A ordem de entrada das testemunhas ainda não foi definida. Inicialmente serão ouvidos os depoimentos das testemunhas da acusação, depois das de defesas e por último as do juízo – que são aquelas que o juiz tem interesse em ouvir. Em seguida, os réus vão ser interrogados.
Em relação às testemunhas, o juiz começa perguntando aos depoentes e depois abrirá para indagações de quem os indicou, concluindo os questionamentos com a outra parte, seja ela acusação ou defesa. No caso dos réus, o juiz irá perguntar primeiro, depois passará a vez ao Ministério Público e ao assistente da acusação. Quem perguntará por último serão os advogados dos acusados.
Em seguida, ocorrerá a sustentação oral por 30 minutos da acusação: 20 minutos para a Promotoria e dez minutos para o assistente da acusação. Os defensores dos acusados também terão direito a falar em defesa de seus clientes por 30 minutos. Os advogados Samir Haddad Júnior e Ivon Ribeiro defendem Mizael. José Carlos da Silva é o advogado de Evandro.
Perfil das testemunhas
Ainda sobre as testemunhas, todas têm de chegar antes do início da audiência na segunda e ficar em sala à espera da sua vez de entrar. Se isso não ocorrer, elas voltam para casa e terão de retornar no dia seguinte.
Oito testemunhas foram indicadas pela acusação. Outras 16 são das defesas: oito de Mizael e oito de Evandro (sendo uma delas em comum com a acusação). O juízo ainda pediu para ouvir duas testemunhas sugeridas pelo ex-namorado de Mércia.
A estratégia da acusação será a de ouvir parentes e amigos de Mércia para obter informações que demonstrem que Mizael era violento durante o namoro com a vítima. Para isso, foram arrolados os irmãos dela: Cláudia e Márcio Nakashima.
Os defensores de Mizael vão querer desqualificar a acusação ouvindo pessoas que dirão que o ex não era agressivo com Mércia. Já o defensor de Evandro tentará mostrar por meio do relato de colegas do vigia que ele estava trabalhando e com a namorada no dia em que a advogada desapareceu e foi morta.
Sentença do juiz
Ao término desses procedimentos mencionados acima, o juiz poderá dar a sentença. A previsão do TJ é que isso ocorra até quarta-feira (20).
Quatro decisões são possíveis:
a) Pronúncia – entende que há elementos e indícios de autoria do crime para remeter os réus ao julgamento do júri popular e marcará uma data para o julgamento. Sete jurados escolhidos da sociedade poderão decidir o futuro dos acusados: se eles serão absolvidos ou condenados;
b) Impronúncia – ao analisar as provas, entende que não há indícios suficientes de autoria. Em seguida, pede o arquivamento do processo. O caso, no entanto, poderá ser reaberto mediante algum fato novo;
c) Absolvição sumária – entende que os acusados agiram em legítima defesa, no estrito cumprimento do dever legal;
d) Desclassificação – entende que o crime contra a vítima não foi doloso contra a vida.
Diante do caso Mércia, o mais provável é que o juiz se decida somente entre a pronúncia e a impronúncia. Ainda há a possibilidade de, numa eventual decisão em mandar os réus a júri, Bittencourt Cano decretar a prisão dos acusados. Para isso, ele precisa estar convicto que há um fato novo que demonstre que Mizael e ou Evandro tentaram fraudar provas ou ameaçar testemunhas.
Em outras palavras, é preciso que haja outros fundamentos e não aqueles que estão sendo objeto de análise atualmente no processo. A fraude processual é um dos requisitos clássicos para se pedir a prisão preventiva de suspeitos de um crime. Outros são risco de fuga, coagir testemunhas ou atrapalhar o andamento do processo.
No mês passado, o Ministério Público havia informado ao G1 que Mizael tinha aceitado uma proposta de uma mulher para que ela fingisse ser seu álibi. Desde o início das investigações da Polícia Civil, o suspeito sempre alegou que havia estado com uma garota de programa no dia do crime. Além disso, o promotor Merli Antunes também afirmou que o acusado tentou obter um laudo falso de que o rastreador de seu carro estava quebrado. O GPS do veículo dele havia indicado que Mizael esteve perto da represa em Nazaré Paulista, onde ela foi morta.
Indagado pela reportagem, o promotor não confirmou se irá pedir ao juiz a prisão dos réus. “A prisão ainda é objeto de análise do Ministério Público. Eu pedirei a pronúncia para que os acusados do crime sejam submetidos a julgamento popular”, afirmou Merli Antunes nesta semana.
Prisão e adiamento
Apesar de estarem cientes da possibilidade de seus clientes serem presos ao final da audiência no Fórum em Guarulhos, os advogados dos réus preferem não acreditar nessa hipótese. “Não vislumbro isso”, disse Carlos da Silva, defensor de Evandro.
“Pela teoria, o juiz pode decretar uma nova prisão. Se Mizael estiver lá, ele vai preso. Meu cliente está ciente disso. Mesmo assim, irá comparecer todos os dias da audiência. Depois, caso haja uma prisão, vou entrar com um recurso para ser julgado no Tribunal de Justiça", afirmou Haddad Júnior, defensor de Mizael.
Além disso, Haddad Júnior afirmou que irá entrar com uma petição momentos antes do início da audiência para que ela seja adiada. O advogado disse que "o laudo da reconstituição do caso foi juntado na sexta [15]". "É um laudo importantíssimo. Vamos pedir adiamento da audiência diretamente ao juiz porque não tive acesso ao documento. Tentaram levar o documento ao escritório do doutor Ivon [Ribeiro, outro advogado de Mizael], mas ele não quis receber porque a lei diz que é preciso receber o documento com 20 dias de antecedência da audiência. Para lermos, estudarmos, fazermos perguntas em cima do laudo. O juiz terá de analisar a petição e despachar. Se ele negar meu pedido de adiamento, vai continuar a audiência. Mas ao fim dela, vou entrar com um recurso para anular a audiência."
Habeas corpus
O juiz Bittencourt Cano deverá divulgar a sentença somente após os julgamentos dos méritos de dois habeas corpus pelos desembargadores do TJ, na capital paulista. Um pede a transferência do juízo de Guarulhos para Nazaré Paulista, com a alegação de que o crime tem de ser apurado na cidade onde Mércia morreu. O outro quer a manutenção da liberdade de Mizael e Evandro para que respondam ao crime em liberdade.
O mérito das duas liminares deverá ser julgado pelo TJ na manhã de quarta. Em relação a que trata da incompetência de juízo, caso haja modificação para Nazaré, a decretação de uma eventual prisão seria nula, ficando sujeita à ratificação ou não pelo juiz daquela cidade. Em 24 de setembro, a relatora Angélica de Almeida negou o pedido da defesa de Mizael para transferir o juízo. Restam os votos de mais dois desembargadores para saber se o caso continua ou não em Guarulhos.
No que diz respeito à liminar que revogou o decreto da prisão preventiva do ex e do vigia, o mérito do habeas corpus ainda precisa ser avaliado pelos mesmos dois desembargadores que restam. Angélica já votou favorável pela soltura em 29 de setembro. Ela entende que não há pré-requisitos para prendê-los. A decisão poderá ser pela manutenção da liberdade dos réus ou pela prisão deles. Neste último caso, Mizael e Evandro poderiam ser presos dentro da sala de audiência.
Mas mesmo que o TJ mantenha os réus soltos, nada impede o juiz decrete a prisão horas depois, bastando para tanto que se utilize de novos fundamentos e não aqueles afastados pelo tribunal.
Questionado pelo G1 sobre se irá proferir a sentença tão logo acabe a audiência, o juiz Bittencourt Cano informou por meio da assessoria do TJ que “teremos que aguardar o julgamento do “writ” alhures mencionado. Fixada a competência em Guarulhos, e encerrados os debates, a tendência será uma resposta judicial imediata, salvo se houver a necessidade de ordenar diligências necessárias para sanar nulidade ou suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade”.
Em outras palavras, o juiz também poderá dar a sentença após o julgamento dos dois habeas corpus. Bittencourt Cano também poderá encerrar a audiência sem decisão alguma e chamar os autos conclusos para decisão em até 10 dias, tempo este facultado pela lei e suficiente para os julgamentos no tribunal.
O juiz Bittencourt Cano havia decretado a prisão preventiva de Mizael e Evandro em 3 de agosto, quando aceitou a denúncia feita pela Promotoria. Naquela ocasião, o promotor e o delegado Antônio de Olim, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da capital paulista, pediram a prisão do ex e do vigia por entender que eles atrapalharam a investigação e poderiam fugir.
Mizael chegou a ficar foragido, mas teve a prisão revogada no dia 5 de agosto pela desembargadora Angélica. Ela deu parecer favorável ao pedido de liberdade para o réu impetrado pelos advogados dele, Samir Haddad Júnior e Ivon Ribeiro. Eles alegaram que não havia elementos para se decretar a prisão.
O mesmo embasamento para conseguir o habeas corpus de Mizael foi também utilizado pelo advogado José Carlos da Silva para soltar o vigia. Evandro, que ficou um mês preso entre a prisão temporária e a preventiva, ganhou a liberdade no dia 9 de agosto após decisão da desembargadora.
G1
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