A australiana Jacqueline Pascarl, 47 anos, tem uma vida que certamente daria um filme. Em 1980, aos 17 anos, a jovem bailarina se apaixonou pelo príncipe malaio Raja Datuk Bahrin Shah, quando ele fazia arquitetura em Melbourne, na Austrália. Um ano depois eles se casaram e foram morar em Terengganu, na Malásia, onde o príncipe Bahrin fazia parte do sultanato. Eles tiveram dois filhos, a menina Shahirah – conhecida como Shah e o menino Mohammed Baharuddin, conhecido como Iddin. Depois do nascimento de Iddin, o príncipe casou-se novamente, de acordo com a lei islâmica malaia. Jacqueline resolveu, então, visitar seus pais na Austrália e levou as crianças com o consentimento do marido. Jacqueline disse ao blog que nesta época sofria muito com a violência do marido que batia nela com frequência. Ela afirma que foi quando resolveu pedir o divórcio. O príncipe Bahrin aceitou e em 1986, eles se divorciaram.
Quando a filha Shah tinha nove anos e Iddin, sete anos, o príncipe veio visitar os filhos. Levou-os para um hotel e eles nunca mais voltaram. De acordo com um criminoso australiano que participou do sequestro e muitos anos depois foi preso, o príncipe planejou o rapto das crianças durante um ano.
Jacqueline já havia contado parte de sua história no livro Era uma vez uma princesa (ed. BestSeller). Agora é publicado no Brasil Depois de ser princesa em que ela relata de forma dramática como viveu 14 anos sem ver os filhos e o emocionante reencontro. Nesse tempo em que esteve longe de Shah e Iddin, Jacqueline mergulhou nas vidas das famílias que tiveram seus filhos seqüestrado e produziu o documentário Empty Arms, Broken Hearts( Braços Vazios, Corações Partidos), ganhador de vários prêmios. O sucesso do filme levou Jacqueline aos campos de guerra. Ela foi convidada a trabalhar como embaixatriz da ONG CARE na Bósnia e Kosovo, onde ela se deparou com a dor de mães que perderam seus filhos nos conflitos. Em uma das passagens mais marcantes desse último livro, Jacqueline conta como reconheceu uma delas apenas pelo grito da “dor que vem do útero”. Era uma refugiada que acabava de perder sua criança. Jacqueline também trabalhou no Quênia e na África do Sul com um projeto educacional para crianças. Depois do príncipe Bahrin, ela se casou duas vezes. Com seu último marido, Bill Crocaris, Jacqueline teve dois filhos, a menina Verity hoje com nove anos e o menino Lysander, com sete anos.
Quatorze anos depois do desaparecimento de seus filhos, ela conseguiu ter notícias de Shah pelo e-mail. A filha a localizou por conta de seus trabalhos humanitários e finalmente, ela teve a permissão para ver a mãe. Iddi também veio e a família toda se reuniu na Austrália. A princesa Shah se casou no ano passado e irá morar na França. Iddi deverá voltar para a Austrália.
A seguir trechos da entrevista com Jacqueline Pascarl:
- No livro você diz que a abdução está ligada ao poder e vingança. Como esses sentimentos estão relacionados com seu caso?
- O meu ex-marido, o príncipe Bahrin, usou a adbudção como uma vingança contra mim. Eu fui a única mulher na família real a ficar com suas crianças e a pedir divórcio. Ele achou que eu arranhei sua reputação, que fui contra as leis do Islã. Como religioso, ele se tornou um fundamentalista, mas na vida pessoal ele era um playboy. Na época do seqüestro, ele estava se refazendo politicamente e usou as crianças para estabelecer sua plataforma política.
Como foi o sequestro?
Eu permiti que o meu ex-marido viesse ver as crianças. Eu deixei a Malásia porque ele estava me batendo e ainda tinha outra esposa. Ele era muito violento e cometia abusos. Muitos anos se passaram e ele queria entrar na política. E para isso teria que refazer a sua imagem pública. Por isso veio ã Austrália. As crianças foram dormir com ele no hotel. Foi a noite em que elas foram sequestradas. Ele contratou um criminoso da Austrália e outro de Cingapura e colocou meus filhos em carros separados, deixando para trás as roupas e os brinquedos deles. Ele dirigiu toda a costa até Weipa, no norte da Austrália. As crianças viajaram sedadas numa picape.Depois, eles as colocou num barco e partiu para a Indonésia. Como a malásia não é signatária da Convenção de Haia, ele conseguiu a guarda dos meus filhos lá. E eu fui proibida de entrar no país.
Você nunca tentou entrar na Malásia para tentar ver seus filhos?
Claro que eu queria isso. Mas tive que fazer uma escolha porque o risco que eu corria de entrar lá era proporcional aos maus tratos que meus filhos poderiam sofrer. Meus filhos eram vigiados constantemente com soldados armados e sofriam ameaças. Nem pergurtar por mim eles podiam. Se minha filha assim fizesse era obrigada a ir dormir à noite no cemitério. Eles testemunharam muita violência. Até hoje meus filhos sofrem com os traumas.
Que tipos de traumas eles tiveram?
Eu preferiria não falar muito sobre isso, mas filha teve que freqüentar um psicólogo durante muitos anos. Aos poucos eles estão superando. Em setembro, do ano passado, eu estava bem ruim de um câncer no ovário. Tive três tumores e os médicos achavam que eu não passaria o Natal viva. Eles vieram e cuidaram de mim por oito semanas. Eles me diziam: você não pode morrer agora, porque seus filhos vão sofrer como nós. Eles não podem ficar sem a mãe. Mas aqui estou.
Eu li num jornal malásio que o príncipe Bahrin a convidou para o casamento de Shah na Malásia. Houve reconciliação?
Issso é uma grande bobagem. Minha filha teve duas festas de casamento. Uma na Malásia e outra aqui na Austrália. Eu e meus filhos rimos dessa história. Até hoje ele não me autoriza entrar na Malásia. O casamento da Malásia foi em um hotel dele. Foram três mil convidados, centenas de jornalistas, sendo que a milha filha não conhecia a maioria das pessoas. O casamento aqui na Austrália foi em um parque com apenas 35 convidados. Todos os amigos dela vieram. Eu acordei quatro da manhã para fazer o bolo do casamento. O único presente que ela pediu foram receitas, porque ela nunca aprendeu a cozinhar no palácio. Cada convidado trouxe um prato de comida e ela usou o vestido que ela mesma modelou – ela fez moda na escola e deverá ir morar na França.
Por que decidiu fazer um documentário sobre crianças sequestradas?
Preferi enfrentar o medo do que me sentar confinada num quarto escuro. Para mim, foi um grande aprendizado conversar com psicólogos especialistas em crianças traumatizadas pela violência, porque era uma maneira de entender o que os meus filhos estavam sofrendo. Eu queria aprender a ser delicada e sensível com essas famílias que tiveram seus filhos sequestrados. Foi tudo muito intenso. Era como se eu tivesse olhando para um espelho. Ao mesmo tempo em que eu estava numa uma missão em prol das minhas crianças, era traumático ter que lidar com outras histórias de sequestros. Chorar era um luxo para mim, porque na maioria das vezes eu não me permitia cair. Mesmo quando estava nos campos de refugiados. Eu sempre tive o sentimento que precisava continuar.
Qual foi a situação que mais a impressionou?
Quando eu estava no Timor Leste, eu vi uma mulher que tinha o horror da guerra em seus olhos. Eu decidi que iria conseguir dar a ela e suas crianças abrigo, comida e água. Depois ela partiu. Na manhã em que eu estava deixando o Timor, ela apareceu para me dar um presente. Tinha caminhado durante três horas e me entregou um pertence de sua mãe, que havia sido assassinada pelos indonésios. Era tudo o que havia sobrado da mãe e ela estava oferecendo a mim. Aprendi que os traumas de guerra trazem experiências muito particulares e mesmo assim, a dor é universal. E se eu consigo entender essa dor, sou capaz de fazer uma conexão única com aquela pessoa.
O problema das crianças sequestradas só tende a aumentar com o fluxo de pessoas que se conhecem pelo mundo. Particpei de uma capa na revista ÈPOCA sobre o caso Sean e escrevi sobre isso. Se puder, leiam a matéria sobre os filhos da globalização.
Katia Mello
Mulher 7 por 7
Quando a filha Shah tinha nove anos e Iddin, sete anos, o príncipe veio visitar os filhos. Levou-os para um hotel e eles nunca mais voltaram. De acordo com um criminoso australiano que participou do sequestro e muitos anos depois foi preso, o príncipe planejou o rapto das crianças durante um ano.
Jacqueline já havia contado parte de sua história no livro Era uma vez uma princesa (ed. BestSeller). Agora é publicado no Brasil Depois de ser princesa em que ela relata de forma dramática como viveu 14 anos sem ver os filhos e o emocionante reencontro. Nesse tempo em que esteve longe de Shah e Iddin, Jacqueline mergulhou nas vidas das famílias que tiveram seus filhos seqüestrado e produziu o documentário Empty Arms, Broken Hearts( Braços Vazios, Corações Partidos), ganhador de vários prêmios. O sucesso do filme levou Jacqueline aos campos de guerra. Ela foi convidada a trabalhar como embaixatriz da ONG CARE na Bósnia e Kosovo, onde ela se deparou com a dor de mães que perderam seus filhos nos conflitos. Em uma das passagens mais marcantes desse último livro, Jacqueline conta como reconheceu uma delas apenas pelo grito da “dor que vem do útero”. Era uma refugiada que acabava de perder sua criança. Jacqueline também trabalhou no Quênia e na África do Sul com um projeto educacional para crianças. Depois do príncipe Bahrin, ela se casou duas vezes. Com seu último marido, Bill Crocaris, Jacqueline teve dois filhos, a menina Verity hoje com nove anos e o menino Lysander, com sete anos.
Quatorze anos depois do desaparecimento de seus filhos, ela conseguiu ter notícias de Shah pelo e-mail. A filha a localizou por conta de seus trabalhos humanitários e finalmente, ela teve a permissão para ver a mãe. Iddi também veio e a família toda se reuniu na Austrália. A princesa Shah se casou no ano passado e irá morar na França. Iddi deverá voltar para a Austrália.
A seguir trechos da entrevista com Jacqueline Pascarl:
- No livro você diz que a abdução está ligada ao poder e vingança. Como esses sentimentos estão relacionados com seu caso?
- O meu ex-marido, o príncipe Bahrin, usou a adbudção como uma vingança contra mim. Eu fui a única mulher na família real a ficar com suas crianças e a pedir divórcio. Ele achou que eu arranhei sua reputação, que fui contra as leis do Islã. Como religioso, ele se tornou um fundamentalista, mas na vida pessoal ele era um playboy. Na época do seqüestro, ele estava se refazendo politicamente e usou as crianças para estabelecer sua plataforma política.
Como foi o sequestro?
Eu permiti que o meu ex-marido viesse ver as crianças. Eu deixei a Malásia porque ele estava me batendo e ainda tinha outra esposa. Ele era muito violento e cometia abusos. Muitos anos se passaram e ele queria entrar na política. E para isso teria que refazer a sua imagem pública. Por isso veio ã Austrália. As crianças foram dormir com ele no hotel. Foi a noite em que elas foram sequestradas. Ele contratou um criminoso da Austrália e outro de Cingapura e colocou meus filhos em carros separados, deixando para trás as roupas e os brinquedos deles. Ele dirigiu toda a costa até Weipa, no norte da Austrália. As crianças viajaram sedadas numa picape.Depois, eles as colocou num barco e partiu para a Indonésia. Como a malásia não é signatária da Convenção de Haia, ele conseguiu a guarda dos meus filhos lá. E eu fui proibida de entrar no país.
Você nunca tentou entrar na Malásia para tentar ver seus filhos?
Claro que eu queria isso. Mas tive que fazer uma escolha porque o risco que eu corria de entrar lá era proporcional aos maus tratos que meus filhos poderiam sofrer. Meus filhos eram vigiados constantemente com soldados armados e sofriam ameaças. Nem pergurtar por mim eles podiam. Se minha filha assim fizesse era obrigada a ir dormir à noite no cemitério. Eles testemunharam muita violência. Até hoje meus filhos sofrem com os traumas.
Que tipos de traumas eles tiveram?
Eu preferiria não falar muito sobre isso, mas filha teve que freqüentar um psicólogo durante muitos anos. Aos poucos eles estão superando. Em setembro, do ano passado, eu estava bem ruim de um câncer no ovário. Tive três tumores e os médicos achavam que eu não passaria o Natal viva. Eles vieram e cuidaram de mim por oito semanas. Eles me diziam: você não pode morrer agora, porque seus filhos vão sofrer como nós. Eles não podem ficar sem a mãe. Mas aqui estou.
Eu li num jornal malásio que o príncipe Bahrin a convidou para o casamento de Shah na Malásia. Houve reconciliação?
Issso é uma grande bobagem. Minha filha teve duas festas de casamento. Uma na Malásia e outra aqui na Austrália. Eu e meus filhos rimos dessa história. Até hoje ele não me autoriza entrar na Malásia. O casamento da Malásia foi em um hotel dele. Foram três mil convidados, centenas de jornalistas, sendo que a milha filha não conhecia a maioria das pessoas. O casamento aqui na Austrália foi em um parque com apenas 35 convidados. Todos os amigos dela vieram. Eu acordei quatro da manhã para fazer o bolo do casamento. O único presente que ela pediu foram receitas, porque ela nunca aprendeu a cozinhar no palácio. Cada convidado trouxe um prato de comida e ela usou o vestido que ela mesma modelou – ela fez moda na escola e deverá ir morar na França.
Por que decidiu fazer um documentário sobre crianças sequestradas?
Preferi enfrentar o medo do que me sentar confinada num quarto escuro. Para mim, foi um grande aprendizado conversar com psicólogos especialistas em crianças traumatizadas pela violência, porque era uma maneira de entender o que os meus filhos estavam sofrendo. Eu queria aprender a ser delicada e sensível com essas famílias que tiveram seus filhos sequestrados. Foi tudo muito intenso. Era como se eu tivesse olhando para um espelho. Ao mesmo tempo em que eu estava numa uma missão em prol das minhas crianças, era traumático ter que lidar com outras histórias de sequestros. Chorar era um luxo para mim, porque na maioria das vezes eu não me permitia cair. Mesmo quando estava nos campos de refugiados. Eu sempre tive o sentimento que precisava continuar.
Qual foi a situação que mais a impressionou?
Quando eu estava no Timor Leste, eu vi uma mulher que tinha o horror da guerra em seus olhos. Eu decidi que iria conseguir dar a ela e suas crianças abrigo, comida e água. Depois ela partiu. Na manhã em que eu estava deixando o Timor, ela apareceu para me dar um presente. Tinha caminhado durante três horas e me entregou um pertence de sua mãe, que havia sido assassinada pelos indonésios. Era tudo o que havia sobrado da mãe e ela estava oferecendo a mim. Aprendi que os traumas de guerra trazem experiências muito particulares e mesmo assim, a dor é universal. E se eu consigo entender essa dor, sou capaz de fazer uma conexão única com aquela pessoa.
O problema das crianças sequestradas só tende a aumentar com o fluxo de pessoas que se conhecem pelo mundo. Particpei de uma capa na revista ÈPOCA sobre o caso Sean e escrevi sobre isso. Se puder, leiam a matéria sobre os filhos da globalização.
Katia Mello
Mulher 7 por 7
Legal que a JAcqueline tenha reencontrado seus filhos... eu acabei de ler o livro dela e estou muito feliz!!! Como ela dizia em seu livro, sempre tem que haver esperança!!!
ResponderExcluirOlá, muito bom o seu texto com a entrevista.
ResponderExcluirEu tenho um blog e o primeiro post foi uma homenagem e recomendação do "Era uma vez uma princesa". Fique à vontade para checar lá!
http://superdicasdapam.blogspot.com/
Beijos!
Pam.