quarta-feira, 28 de abril de 2010

Mundo: África do Sul lança um plano ambicioso contra a Aids


Ao lançar, no domingo (25), uma campanha em massa de prevenção e tratamento da infecção pelo HIV, o presidente sul-africano, Jacob Zuma, virou uma das páginas mais sombrias do período pós-apartheid: a da negação da Aids. Seu antecessor, Thabo Mbeki, no poder entre 1999 e 2008, havia se recusado obstinadamente a iniciar uma política de tratamento por medicamentos antirretrovirais, sendo que a África do Sul, com 5,7 milhões de soropositivos, é o país mais contaminado do mundo. Segundo a Unaids, organismo da ONU especializado na luta contra a Aids, 33,4 milhões de pessoas no mundo viviam com o HIV em 2008, dentre as quais 22,4 milhões na África subsaariana.
A campanha pretende, até 2011, realizar testes voluntários de detecção entre 15 milhões de pessoas, contra 2,5 milhões em 2009, e fornecer tratamentos anti-HIV a 1,5 milhão de pessoas, contra cerca de 1 milhão em 2009.
Presente no lançamento dessa iniciativa, o diretor executivo da Unaids, Michel Sidibé, declarou: “A África do Sul pode destruir a trajetória da epidemia causada pelo HIV”. Fazendo referência à comissão que havia permitido uma saída pacífica do regime do apartheid, Sidibé acrescentou: “Essa campanha promete ser o equivalente à ‘Verdade e reconciliação’ para a resposta do país à Aids”.
A Aids é um dos grandes desafios da África do Sul, um país que tem menos de 1% da população mundial, mas representa 17% dos casos de infecções pelo HIV no planeta. O sistema de saúde herdado do apartheid levava a marca da iniquidade: de um lado, infraestruturas equivalentes às dos países ocidentais, destinadas à população branca e aos mais afortunados; de outro, para a população negra, o cuidado da infecção pelo HIV dependente das iniciativas de algumas grandes empresas, preocupadas em proteger sua mão de obra, ou de programas associativos, como o conduzido para a prevenção da transmissão de mãe para filho pelos Médicos Sem Fronteiras em Khayelitsha, no subúrbio da Cidade do Cabo.
Em 2001, a vitória histórica do governo contra os 39 laboratórios que haviam tentado se opor a uma lei que facilitava a entrada de medicamentos genéricos no país não mudou significativamente o acesso aos tratamentos para os portadores do HIV.
Thabo Mbeki escutava educadamente os defensores de uma teoria segundo a qual, contra a evidência científica, o HIV não é a causa da Aids. Auxiliado pela sua ministra da Saúde, Manto Tshabalala-Msimang, ele afirmava que os antirretrovirais eram mais perigosos que a própria doença. As campanhas feitas por associações, como Treatment Action Campaign ou pelos sindicatos não conseguiram fazê-lo mudar de ideia.
A chegada ao poder de Jacob Zuma ofereceu a possibilidade de pôr um fim a uma política que teria custado, ao longo dos últimos anos, 350 mil vidas, segundo pesquisadores da universidade americana de Harvard.
A própria África do Sul financia mais de dois terços do custo da resposta à Aids. Em 2010, as autoridades do país elevaram para mais de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 1,76 bilhão) o orçamento da luta contra o HIV, ou seja, um aumento de 30% em relação ao ano anterior.
Com a campanha que acaba de ser lançada, cada indivíduo testado receberá 100 preservativos. A realização de um teste de HIV também será a ocasião para um exame de saúde mais amplo: medição da pressão arterial, testes para tuberculose, diabetes, bem como para o câncer de colo de útero, entre as mulheres soropositivas.
“Essa abordagem de uma saúde geral, com uma mobilização comunitária, é uma verdadeira revolução”, comenta Michel Sidibé. O diretor executivo da Unaids ressalta que a nova campanha “também abre espaço para a discussão sobre a política de preços dos medicamentos praticada na África do Sul. O custo médio do tratamento contra o HIV para uma pessoa na África do Sul é de US$ 539 (cerca de R$ 950) por ano, ao passo que o preço negociado no mercado internacional chega a US$ 296 (cerca de R$ 522) por ano. Acabar com a política que dá preferência a empresas farmacêuticas sul-africanas permitiria aumentar o número de pessoas sob tratamento”.
De forma mais geral, Sidibé vê na virada que representa a nova orientação da África do Sul “a criação de uma força de mudança em nível continental, que levará a discutir de forma diferente a sexualidade, as discriminações. Isso reforçará a cooperação entre os Estados africanos”.
Além disso, é o papel dos países emergentes, como a África do Sul, a China, a Índia ou o Brasil, na resposta social aos problemas de saúde, que poderá ser transformado.

Fonte: Paul Benkimoun
Le Monde


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