quinta-feira, 29 de abril de 2010

Refletindo sobre a Lei da Adoção - Por Sanny Lemos*


A Adoção não é um conto de fadas, pois não se trata de dar uma criança para um casal, mas de encontrar pais para uma criança. Os profissionais envolvidos com a avaliação de candidatos à adoção, devem, acima de tudo, se preocuparem com as duas noções e sua permanente relação.
O desejo de paternar/maternar não é uma garantia da capacidade e desempenho das funções parentais, exigindo assim um rigoroso e cuidadoso estudo da situação e seus vários aspectos: social, jurídico, médico e psicológico.
Os candidatos a adoção devem acima de tudo ter um perfil adulto, capaz de amar e se dedicar com lucidez e generosidade, construindo uma casa aberta, se comprometendo com o mundo em nome desse amor, onde nele, a voz do sangue não existe, um amor chamado filho!
A adoção como alternativa excepcional conforme art. 92 inciso II do Eca, só se dará quando esgotadas todas as possibilidades e recursos de manutenção em familia de origem, e conforme art.24 a falta de recursos materiais não constitui motivos para a a perda do poder familiar.
Por isso é preciso consciência, sensibilidade e respeito pela mães andarilhas ou fracassadas que perambulam pelas ruas porque não lhe foi dada oportunidade de viver diferente. Não devemos tratá-las com arrogância ou violência. Agindo assim estamos ferindo também as crianças que de um jeito ou de outro, tem amor por essa mãe cheia de erros e acerto e que precisa, tão somente, de orientação e ajuda. Mães que por força do destino se veêm obrigadas a entregarem seus filhos para adoção. É preciso dar à essas mães condições de maternar, de manter suas proles consigo evitando a institucionalização ou as ruas como meio de sobrevivência.
O Estado, representado pelos seus governantes devem assegurar esse direito às mães e filhos através de políticas públicas eficientes e corajosas e uma delas é o planejamento familiar. É preciso, antes de mais nada, consciência e responsabilidade nessa luta que é de toda sociedade civil, principalmente dos homens a quem entregamos os destinos de um país e da maioria de um povo que ainda não aprendeu a escolher seus governantes. Em nome da fome vende seu voto por um prato de comida ou por telhas para cobrir um barraco onde sobrevivem em condições subhumanas.
A responsabilidade é deles, mas também é nossa que ainda temos voz para exigir e assegurar às nossas crianças a convivência familiar e comunitária. É preciso também consciência de que muitas das nossas crianças e adolescentes estão esquecidas dentro das instituições, seja pela inexistência de estrutura das familias de origem ou pelo perfil ainda seletivo da maioria dos candidatos a uma adoção.
De nada irá adiantar os avanços na Lei da adoção se muitos profissionais que lidam com a causa, mantiverem suas mentes e corações fechados, trabalhando automaticamente cumprindo os ritos de entrevistas, relatórios e decisões. De nada irá adiantar se esses profissionais continuarem se julgando sabedores de todo conhecimento e não procurar avançar no aperfeiçoamento, bem como, trabalhar suas próprias limitações ou entraves, quando não, seus preconceitos.
De nada adianta técnicos detentores de sabedoria individual e onipotente, acreditando saber tudo de uma criança, se não souberem a dura realidade de uma familia fracassada, enjaulada e de filhos com mãos estendidas à espera de um gesto de amor.
É certo de que os caminhos para a adoção no pais vêm sendo construídos dentro de um movimento evolutivo, social, corajoso e solidário. A nova Lei da Adoção contempla com louvor as crianças e adolescentes institucionalizados, porém, muito me assusta ao pensar de que forma será contemplada uma criança negra, em idade não mais desejada pelos adotantes exigentes, que teimam em escolher um filho como se escolhe bicho de pelúcia em uma vitrine. A realidade dessas crianças me incomoda pois vejo nos abrigos o risco de ter que cumprir a Lei devolvendo essas crianças ou adolescentes às suas familias de origem, sem nenhuma estrutura emocional, reiniciando novo circulo de violências e riscos.
É preciso estarmos atentos à realidade dos abrigos, desenvolvendo atitudes de compreensão, parcerias, ao invés de julgamentos, procurando espaços para o diálogo e a cooperação. Não somos donos da verdade absoluta pois a realidade é muito complexa e dolorosa, tanto quanto a da criança deixada e esquecida na instituição. É preciso também pensar na familia de forma mais abrangente, não apenas dando-lhe esmolas através do assistencialismo indecente e insuficiente, mas proporcionando-lhe condições de buscar sua própria sobrevivência digna através do trabalho, da educação, da saúde e principalmente, do planejamento familiar responsável.
É preciso caminhar a passos largos e, acima de tudo, consciência de que depende de cada um de nós, como pais, como profissionais e como cidadãos que sonham e desejam urgentemente, encontrar uma saída para o sofrimento e o abandono das nossas crianças.

E como define Fernando Freire: "Continuemos juntos, existem muitas crianças que silenciosamente esperam por nós, que confiam em nós. Cada uma das nossas atitudes pode mudar a vida dessas crianças, cada uma das nossas ações pode fazer de um fracasso, uma esperança".

* Sanny Lemos é Assistente de Prevenção Social, atuando na Vara da Infância e Juventude de Feira de Santana
Texto extraído das "Comunidades Virtuais de Aprendizagem"- Fio Cruz

Foto: Maria Laisa
Olhares.com

8 comentários:

  1. Po, legal esse blog. Voltarei mais vezes.

    Abraço, Anjo.

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  2. É isso ai mesmo,consciencia nos adultos que tem capacidade emocioal e financeira para dar um lar e amor a tantas crianças precisando de um pouco de amor, uma cama sua, carinho e atenção,gente c/ sentimentos que não vá ferir ainda mais essa criança carente e indefesa,
    Que Deus guarde nossas crianças.
    bjosss

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  3. Adoção não é conto de fadas mesmo.
    Você cria como se fosse seu próprio filho, ama incondicionalmente, e com o crescimento começa a perceber que aquele ser não ama os pais como vocês o amam, e ao contrário, passam a odiá-los por ter sido um dia abandonado.
    Não há psicólogo que de jeito.
    O que sobra então?
    Sobra uma tristeza imensa por um dia ter tido a esperança de fazer com que aquela criança se transformasse num ser humano legal, responsável, de bem com a vida, com a família e pricipalmente feliz.
    Não tendo conseguido sentimo-nos fracassados em nossa missão.

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  4. Acompanho a Sanny Lemos já algum tempo e tudo que ela escreve parece ser arrancado de dentro das entranhas, tamanho é sentimento das suas palavras. Já estava com saudades...

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  5. Uma mãe que ama, nunca deve se sentir fracassada, pois essa é sua missão, amar sem esperar recompensa e chorar sempre que precisar.Filhos do coração são iguais aos filhos de sangue, dão o mesmo trabalho, as mesmas tristezas e as mesmas emoções, temos que estar preparados para isso e amar incondicionalmente independente do que nos espera.

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  6. Lidando com o tema de adoção a mais de 35 anos, sendo testemunha viva de seu processo no Brasil, sua evolução e seus retrocessos, poderia adotar e assinar as reflexões extraordinarias da autora,que com uma visão humana e profissional aborda o assunto.
    O diagnostico esta feito, o problema é como criar imediatamente, na pratica, um mecanismo para dar inicio, para alavancar, esta modificação cultural e estrutural, que faça com que os adotantes, os assistentes sociais, psicologos,membros de Conselhos Tutelares, promotores, juizes e certos burocratas que nasceram em berço de ouro e nunca adotaram uma criança,mas que escrevem livros e ditam palestras, entendam que vivem no Brasil, carente de politicas publicas e de um orçamento com recursos voltados para o social, que faça com que estes profissionais deixem seu comportamento onipotente, sejam realistas, sejam mais humanos e se comportem como tal.
    Felicito a autora por sua clareza e honestidade intelectual
    Toda caminhada começa com o primeiro passo. Agora é buscar os parceiros para transformar anseiosd em realidade.

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    1. Grata Hugo pelas suas palavras, elas me fortalecem e me fazem ver que os caminhos são difíceis mas não impossíveis se quisermos mudar os onipotentes de lugar. Um grande abraço, meu e-mail é : sannylemos@hotmail.com

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  7. Encontraram agora mais uma forma para dificultar a adoção no país, que é o curso para adotantes. Será mesmo que é possivel ensinar alguém a amar? são tantas as dificuldades e burocracias que envolvem um processo de adoção que acaba dificultando tudo. Quem tem amor de verdade para receber uma criança como filho, não precisa fazer curso e receber certificado de aptidão como se estivesse em auto escola, em curso de culinária ou outra coisa qualquer. Filho não precisa se adquirir na base do certificado de conclusão, pois quem é pai e mãe já traz nas entranhas os sentimentos necessários para receber um filho. Parabéns Sanny pela lucidez com que trata um assunto tão sério.

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