quinta-feira, 22 de abril de 2010

A menina presa numa cela com 20 homens virou testemunha e sumiu


Na primavera de 2007, quando o monumento ao absurdo foi erguido, o policial Wallace ainda não trabalhava na delegacia de Abaetetuba. Mas ele sabe da história da menina que ficou presa durante 26 dias numa cela com mais de 20 homens. “Ela deixou a cidade, acho que está protegida pelo governo”, disse por telefone à jornalista Branca Nunes, que recorreu em seguida ao Conselho Tutelar de Belém. A funcionária Tatiane também conhece o caso, mas ignora o paradeiro da garota que tinha 15 anos, media 1m50 e pesava 38 quilos quando o pesadelo aconteceu. Aconselhada por Tatiane a procurar o Conselho Tutelar de Barcarena, a repórter ali ouviu do funcionário Juarez a recomendação para que tentasse o Conselho Tutelar de Abaetetuba. “Ela entrou no programa de proteção a testemunhas”, enfim ofereceu uma pista o funcionário Francisco. Como ensinam os filmes policiais americanos, quem entra num programa do gênero desaparece sem deixar rastros.
Essa é a única semelhança entre os programas de proteção a testemunhas brasileiros e o que o cinema mostra ─ e efetivamente acontece em países sérios. Não é o caso do Brasil. Se o administrado pelo governo federal é uma caricatura bisonha do modelo adotado nos Estados Unidos, os similares estaduais são uma paródia cruel. O caso da menina que há um ano e meio frequentou o noticiário com as iniciais L.A.B. é dramaticamente exemplar. A Justiça e a polícia do Pará não conseguiram impedir que ficasse quatro semanas submetida à rotina de estupros e torturas. É improvável que consigam garantir-lhe proteção agora. L. decerto entrou na relação de testemunhas para ficar calada: o único crime que testemunhou foi o que fez dela a vítima. E nenhuma autoridade paraense aprecia a idéia de ouvi-la contando, com a própria voz, como foi a temporada no coração das trevas.
O horror começou em 31 de outubro de 2007, quando foi presa por tentativa de furto numa casa de Abaetetuba, cidade com mais de 130 mil habitantes a quase 100 quilômetros da capital. Durante o interrogatório, declarou a idade à delegada de plantão Flávia Verônica Monteiro Teixeira. Por achar o detalhe irrelevante, a doutora determinou que fosse trancafiada na única cela do lugar, ocupada por homens. Já naquela noite, e pelas 25 seguintes, o bando de machos se serviu da fêmea disponível.
As tímidas tentativas de resistência foram dobradas pelo confisco da comida, por queimaduras com cigarros e cinzeiros e por outras brutalidades. As cinco ou seis relações sexuais diárias só foram suspensas nos três domingos reservados a visitas conjugais. Espantados com o que viam, alguns presos alertaram os carcereiros para a presença na cela de uma menor de idade. Os policiais cortaram rente à cabeça os cabelos longos e lisos e gostaram do resultado: como faltavam curvas acentuadas ao corpo mirrado, L. ficara parecida com um menino.
Depois de 10 dias de cativeiro, a garota foi levada à sala da juíza Clarice de Andrade. Também informada de que a prisioneira tinha 15 anos, a segunda doutora da história resolveu devolvê-la à cela. E ali ficaria muito mais tempo se um dos detidos não saísse da cadeia disposto a relatar o que ocorria ao Conselho Tutelar. Confirmada a veracidade da denúncia, uma funcionária da entidade procurou o promotor Lauro Freitas, que foi à delegacia no dia seguinte. Os policiais haviam pressentido o perigo a tempo. A menina não estava mais na cadeia. “Fugiu”, disse ao promotor um delegado.
Quando Freitas a encontrou, os carcereiros providenciaram documentos falsos para transformar a adolescente numa mulher de 20 anos, e obrigaram os pais da vítima a assinar uma certidão de nascimento fraudada. A farsa foi implodida quando a história ultrapassou as divisas do Pará e pousou nos jornais e revistas da parte menos primitiva do país (leia a reportagem de VEJA). E então vieram as providências de praxe. O Ministério Público do Pará denunciou por lesão corporal, ameaça, estupro e tortura cinco delegados, dois investigadores, três carcereiros e dois presos. A denúncia deu em nada. O Tribunal de Justiça do Pará decidiu que o comportamento da juíza Clarice não merecia qualquer reparo. A governadora Ana Júlia Carepa anunciou o afastamento das autoridades diretamente envolvidas. Todas voltaram ao local do emprego quando a poeira baixou. Depois de admitir que outras cadeias do Pará serviam de cenário para o mesmo espetáculo da promiscuidade, Ana Júlia baixou um decreto proibindo que homens e mulheres dividam a mesma cela. Alguém deveria ter-lhe dito que isso é proibido há muito tempo. E sugerido que garantisse o cumprimento dos códigos em vigor no Estado que governa.
Durante um mês, valeu para uma menina de 15 anos apenas lei da selva. As leis destinadas à proteção de crianças e adolescentes só voltaram a valer depois de consumada a violência inverossímil. O corpo foi violado impunemente. A identidade não seria: o Brasil não pôde conhecer-lhe o nome nem o rosto. Só as iniciais : L.A.B. Ninguém soube como se chamava nem que aparência tinha a menina paraense que agora ninguém sabe onde está.

Texto publicado originalmente em 22 de maio de 2009


Veja

2 comentários:

  1. Alguem acredita que ainda vive ???

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  2. se fosse minha filha eu mataria a juiza o delegado venderia tudo e comprava de arma e muniçao e matar esses fdp tudo depois dava 1 tiro na cabeca pra pegar esses fdp tudo la no inferno

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