domingo, 13 de junho de 2010

Avós buscam cada vez mais a ajuda da Justiça para garantir o convívio com os netos

A engenheira civil Cláudia De Cesare Kennedy ganhou o direito provisório de visitar o neto duas vezes por semana - Adriana Franciosi

Brigas familiares muitas vezes impedem os parentes de visitarem as crianças

Anelise Zanoni anelise.zanoni@zerohora.com.br

Desavenças conjugais, brigas entre sogros, genros e noras motivos há de sobra para que seja crescente o número de avós privados pelos filhos da convivência com os netos. O ressentimento de ambas as partes, porém, vem dando lugar a ações práticas, que prometem cada vez mais o auxílio da Justiça. De autoria da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados um projeto de lei que deve ser votado em breve para garantir o direito dos avós de visitar os netos. Caso seja aprovado e sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a possibilidade de acompanhar as fases da vida da criança e de dividir datas importantes será um procedimento tão natural quanto a visita de um dos pais em casos de divórcio e separação.
– Os avós são figuras importantes nas relações com as crianças, e o vínculo com eles é fundamental. Além disso, é importante conhecer a história da própria vida para que os relacionamentos futuros não sejam tão fugazes – alerta a advogada Sáloa Neme da Silva, especializada em família e sucessões.
Na casa da advogada Ângela Fagundes da Silva, um pátio com alguns brinquedos e uma porta fechada separam fisicamente a realização do desejo de segurar o neto no colo e de ouvir dele a palavra "avó". Vivendo em um terreno em comum, mas em casas separadas, os dois trocam olhares na clandestinidade. Às vezes pela porta, às vezes pela janela. Estão proibidos de ter contato.
Único neto, o menino de um ano e cinco meses é resultado de uma gravidez inesperada, originada em um relacionamento do filho de Ângela. Das discórdias, brotou a proibição do encontro e a privação da construção do afeto.
A avó não pôde acompanhar o nascimento da criança – ficou sabendo do fato dois meses depois – e perdeu comemorações na companhia do bebê. Não viu de perto o surgimento dos dentinhos ou os primeiros passos e as descobertas do aniversário de um ano do bebê.
Para assegurar a chance de conviver com o neto no futuro, o caso foi levado à Justiça, em uma ação de regulamentação e visita para avós paternos. Por enquanto, a família aguarda a decisão. Ângela tem em casa peças de roupas para ele, brinquedos e fotos. No aparelho de som, um CD reserva músicas temáticas para as poucas vezes em que o pequeno é levado à casa pelo pai. E, nas horas vagas, Ângela segue espiando a casa dos fundos para ver se enxerga de longe a criança.
– É uma pressão muito grande sobre meu neto. Raramente consigo vê-lo. Eu amo ele e acho triste saber que se transforma em um cheque em branco nesta briga. É usado como moeda em meio aos desentendimentos – lamenta a avó.
Os constantes conflitos devido ao sem-número de separações de famílias foram um dos motivadores do projeto de lei (PLS 692/07) da senadora Kátia Abreu. Aprovada por unanimidade pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, no ano passado, a proposta exigirá que os avós entrem na Justiça quando não houver acordo com os pais da criança e deverá alterar dispositivos do Código Civil e do Código de Processo Civil. Na prática, a visita dos avós é agendada com dia e horário definidos, adequando a rotina da criança e o convívio do pequeno com pai e mãe.
– Se os avós são obrigados a prestar auxílio material ao neto, o auxílio emocional deve estar incluído no convívio familiar também – justifica a senadora.
A ideia de dar um passo à frente nas relações familiares, há algum tempo, é destaque no Estado, que em alguns casos já concede direitos aos avós. As sentenças, de acordo com Jamil Bannura, professor de Direito de Família da UFRGS, levam em conta o afeto e a preservação do ambiente familiar.
– Os avós, em muitos casos, têm relações mais estreitas com os netos do que com os próprios filhos. Por isso, o tribunal gaúcho já vem tomando decisões corajosas e se transformou em referência no quesito família – explica.
Depois de passar seis meses sem ver o neto, a engenheira civil Cláudia De Cesare Kennedy se sente uma avó plena. Desde o ano passado, parte das tardes de sábados e das manhãs de quartas-feiras estão reservadas para o neto. Com horário agendado, ela tem o direito provisório de ficar algumas horas com o pequeno de dois anos. A conquista veio de um parecer, emitido pelo Ministério Público.
– Começamos a pagar a pensão dele, mas a família queria apenas que tivéssemos uma obrigação financeira, e não emocional. Queríamos ser avós completos, ver nosso netinho e participar da vida dele – explica Cláudia.
Nas poucas horas na casa da família paterna, o bebê tem um programa especial. Música, dança e brincadeiras no pátio são atividades que ajudam a fortalecer os laços afetivos entre a criança e os avós paternos. A aproximação, dia a dia, alimenta o desejo de Cláudia de ter uma relação plena em família.
– Os pais se separaram assim que ele nasceu. Mas o bebê tem o direito de ter duas famílias – afirma a avó.
Cada vez mais comuns entre casais devido à insatisfação e à falta de paciência para lidar com problemas, as separações – que, de acordo com o IBGE, em 2008, atingiram mais de 290 mil casamentos – trazem consigo consequências que, se não forem bem administradas, podem fazer da criança uma refém. Com pais separados fisicamente, avós também são afastados da criança ou se distanciam porque trabalham mais, estão mais ativos e prontos para outros relacionamentos ou novas famílias.
– O projeto é muito saudável e poderá ensinar que aqueles pais que saíram com sequelas da separação não precisam levar consigo a inconformidade e a raiva por terem terminado a relação. A maior responsabilidade dos pais é fazer os filhos felizes – diz a advogada Sáloa.

Refém dos adultos
– Preservar a saúde mental dos filhos é fundamental. A falta de contato com os parentes, especialmente com os avós, é um empobrecimento. O filho passa a representar o ressentimento dos pais e fica prisioneiro dos adultos – explica a presidente da Sociedade Psicologia do Rio Grande do Sul, Iara Camarata Anton, psicoterapeuta individual, de casais e de família.
No cabo de guerra entre ex-marido e ex-mulher, é comum criar sentimentos negativos sobre o pai ou a mãe. Excluir o genitor da vida dos filhos, não comunicar sobre fatos relevantes, interferir nas visitas e controlar em excesso o tempo de encontro dos familiares contribuem para a chamada síndrome da alienação parental.
– Surge a culpa quando os pais fazem exigências e o filho não pode ir contra. É preciso oferecer a oportunidade da boa convivência, trabalhar o respeito em família e reconhecer a importância dos vínculos – alerta a psicóloga.
A separação, se trabalhada com naturalidade, não se torna um trauma, já que o rompimento da relação é dos adultos, e não um pré-requisito para o distanciamento das crianças.

donna


Zero Hora

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