A revolução sexual dos anos 70 não trouxe a liberdade sexual. Ao contrário, hoje somos mais exibicionistas, mais preocupados com nossa aparência e até imitamos os atores do cinema pornográfico, quando estamos na cama com nossos parceiros. Essas são algumas das conclusões do médico psiquiatra paulista Flávio Gikovate, que lança o livro Sexo (MG Editores). Gikovate, há mais de quarenta anos na profissão e autor de mais de 25 livros, entre eles A Libertação Sexual e Ensaios sobre Amor e Solidão, agora se propõe a rever como encaramos a sexualidade. O psiquiatra ainda diz que há ainda muito preconceito entre o feminino e o masculino e que a valorização excessiva da beleza atrapalha os relacionamentos. Para quem quiser conhecê-lo, Gikovate irá fazer um bate- papo com leitores, no sábado 28, na livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo. Segue a entrevista que fiz com ele por telefone:
Em seu livro, você diz que a emancipação sexual não levou à liberdade sexual. Por que?
O que se vê hoje é um momento de exibicionismo feminino, uma rivalidade maior entre as mulheres para saber quem tem maior sucesso entre os homens e uma disputa maior entre os homens para conseguir as mulheres mais atraentes. Além disso, há uma ênfase exagerada na aparência física e uma obsessão pelas coisas superficiais. As pessoas ainda fazem práticas sexuais, de acordo com os filmes pornográficos, que se tornaram referência para as trocas eróticas. O resultado é muito triste e é o oposto do que se pretendia com os movimentos pela emancipação sexual.
Mas não houve um avanço nas conquistas femininas?
O mais relevante foi a emancipação das mulheres e a pílula anticoncepcional que criou uma oportunidade de igualdade entre homens e mulheres. Porém, infelizmente, as mulheres copiaram os padrões masculinos. No movimento hippie, era o contrário: os homens buscavam um jeito mais delicado de ser. Eles usavam bolsas, batas indianas, chinelos de dedo. Nos anos 80, elas começaram a usar o terno e a gravata e passaram a competir mais com os homens. A entrada das mulheres no mercado de trabalho dessa maneira foi ruim, porque atiçou ainda mais a disputa entre todos os lados. É importante dizer que foram elas que ganharam essa disputa. Hoje há mais mulheres nas universidades e, em países como os Estados Unidos, elas já ganham mais que os homens. Só que elas fizeram isso dentro de um padrão masculino.
Por que você diz que os homens ainda não sabem dar prazer às mulheres?
Os homens começaram a oferecer mais prazer às mulheres, mas por conta da indústria pornográfica, eles retrocederam. Nos anos 70, o relatório Hite (Relatório Hite sobre a Sexualidade Feminina, de Shere Hite) explicou que a maioria delas tinha orgasmos com a estimulação clitoriana e não pela penetração vaginal. Para as mulheres, isso foi um grande alívio, porque muitas das que tinham orgasmo clitoriano se sentiram normais. Antes disso, a psicanálise considerava o orgasmo clitoriano como algo infantil, o que era uma bobagem. Então esse relatório liberou as mulheres para terem o orgasmo clitoriano. Só que com o avanço da indústria pornográfica, o orgasmo vaginal voltou a ser valorizado, talvez por ser mais cinematográfico. Então, as mulheres voltaram a se sentirem frustradas e, hoje fingem orgasmos vaginais como nunca, até imitando os filmes, com os barulhos e vozes.
O acesso à pornografia na internet tem algum tipo de influência nos relacionamentos?
Claro que sim. Há 15 anos, as mulheres detestavam o sexo anal. Agora, ele é bom. Quem inventou isso? A indústria pornográfica. Sempre doía, agora não dói mais. Isso parece moda. Quando eu era menino, o sexo anal era mais comum, porque as meninas queriam permanecer virgens. Se elas faziam sexo anal, os meninos achavam o máximo conseguir a relação vaginal. Teve uma época que nem prostituta fazia sexo oral. Hoje qualquer menino de 14 anos faz sexo oral na paquera, antes mesmo de beijar. Curioso isso, não?
Em seu livro, você diz que a emancipação sexual não levou à liberdade sexual. Por que?
O que se vê hoje é um momento de exibicionismo feminino, uma rivalidade maior entre as mulheres para saber quem tem maior sucesso entre os homens e uma disputa maior entre os homens para conseguir as mulheres mais atraentes. Além disso, há uma ênfase exagerada na aparência física e uma obsessão pelas coisas superficiais. As pessoas ainda fazem práticas sexuais, de acordo com os filmes pornográficos, que se tornaram referência para as trocas eróticas. O resultado é muito triste e é o oposto do que se pretendia com os movimentos pela emancipação sexual.
Mas não houve um avanço nas conquistas femininas?
O mais relevante foi a emancipação das mulheres e a pílula anticoncepcional que criou uma oportunidade de igualdade entre homens e mulheres. Porém, infelizmente, as mulheres copiaram os padrões masculinos. No movimento hippie, era o contrário: os homens buscavam um jeito mais delicado de ser. Eles usavam bolsas, batas indianas, chinelos de dedo. Nos anos 80, elas começaram a usar o terno e a gravata e passaram a competir mais com os homens. A entrada das mulheres no mercado de trabalho dessa maneira foi ruim, porque atiçou ainda mais a disputa entre todos os lados. É importante dizer que foram elas que ganharam essa disputa. Hoje há mais mulheres nas universidades e, em países como os Estados Unidos, elas já ganham mais que os homens. Só que elas fizeram isso dentro de um padrão masculino.
Por que você diz que os homens ainda não sabem dar prazer às mulheres?
Os homens começaram a oferecer mais prazer às mulheres, mas por conta da indústria pornográfica, eles retrocederam. Nos anos 70, o relatório Hite (Relatório Hite sobre a Sexualidade Feminina, de Shere Hite) explicou que a maioria delas tinha orgasmos com a estimulação clitoriana e não pela penetração vaginal. Para as mulheres, isso foi um grande alívio, porque muitas das que tinham orgasmo clitoriano se sentiram normais. Antes disso, a psicanálise considerava o orgasmo clitoriano como algo infantil, o que era uma bobagem. Então esse relatório liberou as mulheres para terem o orgasmo clitoriano. Só que com o avanço da indústria pornográfica, o orgasmo vaginal voltou a ser valorizado, talvez por ser mais cinematográfico. Então, as mulheres voltaram a se sentirem frustradas e, hoje fingem orgasmos vaginais como nunca, até imitando os filmes, com os barulhos e vozes.
O acesso à pornografia na internet tem algum tipo de influência nos relacionamentos?
Claro que sim. Há 15 anos, as mulheres detestavam o sexo anal. Agora, ele é bom. Quem inventou isso? A indústria pornográfica. Sempre doía, agora não dói mais. Isso parece moda. Quando eu era menino, o sexo anal era mais comum, porque as meninas queriam permanecer virgens. Se elas faziam sexo anal, os meninos achavam o máximo conseguir a relação vaginal. Teve uma época que nem prostituta fazia sexo oral. Hoje qualquer menino de 14 anos faz sexo oral na paquera, antes mesmo de beijar. Curioso isso, não?
Você diz que é importante distinguir desejo de excitação. Por quê?
O que eu digo é que na criança só existe excitação. Porque sexo e amor são coisas bem distintas. Então, quando você não separa essas duas coisas, parece que a criança sente desejo sexual pela mãe, o que não é verdade. O que ela sente é amor pela mãe e o que ela quer é o colo, um remédio para o seu desassossego, um alívio, um amparo. O amor acontece desde o primeiro momento de vida da criança. Já o sexo aparece quando ela tem dois anos e começa a tocar certas partes de seu corpo e descobrir que há sensações agradáveis, a excitação. Portanto, descobre a excitação por nós mesmos, enquanto que precisamos do outro para saber o que é amor. A excitação segue assim por toda a infância, mesmo quando as crianças brincam de trocar carícias e imitam o que vêem como parte da vida adulta. Na vida adulta, o desejo aparece a partir da puberdade por conta da estimulação visual, principalmente nos homens. Já as mulheres ficam excitadas ao perceberam que são desejadas. Elas desejam serem desejadas. Portanto, isso não é desejo e sim excitação. O desejo é mais ativo, é a vontade de atacar o outro, de agarrar o outro e envolve um objeto externo, como estimulador do sexo. A excitação pode ser feita sem o outro, só pela via táctil.
É possível separar o sexo do poder?
Sexo e poder tem parentescos muito próximos. E eu não gosto desse lado aristocrático do sexo, porque justamente favorece uma pequena maioria e prejudica a grande maioria. E tudo o que se tentou fazer no movimento “faça amor e não faça guerra” não deu certo, porque o sexo está a serviço da guerra. Nos homens, é muito forte a relação entre sexo e agressividade. Quando se libera a sexualidade, a agressividade é liberada. Não existe o “fazer amor”, existe o “sentir amor”.
Por que você diz que existe ainda hoje uma maior disponibilidade feminina do que masculina?
Entre o feminino e masculino existem duas grandes diferenças, uma é a do desejo visual. A outra é que, no homem, existe um período chamado refratário. Depois que ele ejacula tem um período de desinteresse sexual, de quase aversão à sexualidade que pode ir de dois minutos até 24 horas. Dependendo da idade do homem, da parceira. Isso é uma indisponibilidade sexual. A mulher mesmo depois mesmo depois de um ou múltiplos orgasmos, ela tem uma excitação residual. Ela continua disponível sexualmente. Isso faz com que ela possa ter dez relações sexuais numa noite. Nos casais, é sempre melhor que a mulher tenha orgasmo primeiro. Até na indústria de sacanagem, quando o homem ejacula, para o filme.
Por que você diz que dar valor à beleza pode se levar a um complexo de inferioridade?
Porque a grande maioria das pessoas não tem a beleza. Em uma cultura que se valoriza excessivamente a beleza, ela condena à frustração e a um sentimento de inferioridade mais de 90% das mulheres, por conta do desejo masculino estar ligado ao visual. Se você diminui a chance de moços e moças e isso não era absolutamente relevante. A competição entre homens e mulheres não poderia ser maior que a de hoje.
Você afirma que se o mundo fosse mais liberal, teríamos mais bissexuais. Explique.
Seria de se esperar um aumento da bissexualidade, se vivêssemos num mundo mais liberal. Os meninos continuam a não se encostar uns nos outros, porque senão seriam gays para sempre. O preconceito contra a intimidade entre dois homens continua tão forte quanto no passado. O menino mais delicado e menos afeito aos esportes continua sendo mal visto pela família e até pela própria mãe. Com as meninas sempre foi diferente – elas sempre puderam brincar umas com as outras. Na minha adolescência, elas andavam de mãos dadas, algumas até se beijavam e não eram homossexuais.
Como você vê a exposição sexual na internet?
O sexo virtual vai substituir o casual. Isso porque o sexo casual já é virtual. Quando um homem sai com uma prostituta que o chama de bem e não um por nome, isso não é uma relação. A relação a dois implica ter mais intimidade. As feministas detestavam falar que mulher gosta de ser objeto do desejo. Na verdade, elas sempre adoraram isso. Hoje, elas vão à internet para serem desejadas. Uma das fantasias femininas é estar num clube de strip-tease e todos os homens estarem babando. Tirar a roupa na internet é levar essa realidade para o mundo virtual. Isso é parte do exibicionismo feminino.
Explique a seguinte frase de seu livro: “os cafajestes são a referência masculina e os que não são o invejam”.
É verdade, porque no sexo casual, no sexo do desejo, prevalecem os cafajestes. No sexo romântico, prevalece a excitação. Se eu estou casado há 20 anos com a mesma mulher, evidentemente não morro de desejo por ela. O desejo visual vai se desgastando no convívio, mas o prazer e a troca de carícias não se esgotam da mesma maneira. No sexo romântico, predomina a excitação. No amor, o sexo não é protagonista. Nesse mundo da conquista, o sexo é o protagonista. O cafajeste é o que tem mais cara de pau, fala mentiras, promete casamento e, com essa cara de pau, ele mexe com a vaidade feminina. As mulheres se sentem tão estimuladas que acabam cedendo. E os bobões que querem ser sinceros, aqueles que não mentem, se tornam irrelevantes. Mas isso também vai mudar, porque no mundo virtual, os cafajestes não se sobressaem.
O que eu digo é que na criança só existe excitação. Porque sexo e amor são coisas bem distintas. Então, quando você não separa essas duas coisas, parece que a criança sente desejo sexual pela mãe, o que não é verdade. O que ela sente é amor pela mãe e o que ela quer é o colo, um remédio para o seu desassossego, um alívio, um amparo. O amor acontece desde o primeiro momento de vida da criança. Já o sexo aparece quando ela tem dois anos e começa a tocar certas partes de seu corpo e descobrir que há sensações agradáveis, a excitação. Portanto, descobre a excitação por nós mesmos, enquanto que precisamos do outro para saber o que é amor. A excitação segue assim por toda a infância, mesmo quando as crianças brincam de trocar carícias e imitam o que vêem como parte da vida adulta. Na vida adulta, o desejo aparece a partir da puberdade por conta da estimulação visual, principalmente nos homens. Já as mulheres ficam excitadas ao perceberam que são desejadas. Elas desejam serem desejadas. Portanto, isso não é desejo e sim excitação. O desejo é mais ativo, é a vontade de atacar o outro, de agarrar o outro e envolve um objeto externo, como estimulador do sexo. A excitação pode ser feita sem o outro, só pela via táctil.
É possível separar o sexo do poder?
Sexo e poder tem parentescos muito próximos. E eu não gosto desse lado aristocrático do sexo, porque justamente favorece uma pequena maioria e prejudica a grande maioria. E tudo o que se tentou fazer no movimento “faça amor e não faça guerra” não deu certo, porque o sexo está a serviço da guerra. Nos homens, é muito forte a relação entre sexo e agressividade. Quando se libera a sexualidade, a agressividade é liberada. Não existe o “fazer amor”, existe o “sentir amor”.
Por que você diz que existe ainda hoje uma maior disponibilidade feminina do que masculina?
Entre o feminino e masculino existem duas grandes diferenças, uma é a do desejo visual. A outra é que, no homem, existe um período chamado refratário. Depois que ele ejacula tem um período de desinteresse sexual, de quase aversão à sexualidade que pode ir de dois minutos até 24 horas. Dependendo da idade do homem, da parceira. Isso é uma indisponibilidade sexual. A mulher mesmo depois mesmo depois de um ou múltiplos orgasmos, ela tem uma excitação residual. Ela continua disponível sexualmente. Isso faz com que ela possa ter dez relações sexuais numa noite. Nos casais, é sempre melhor que a mulher tenha orgasmo primeiro. Até na indústria de sacanagem, quando o homem ejacula, para o filme.
Por que você diz que dar valor à beleza pode se levar a um complexo de inferioridade?
Porque a grande maioria das pessoas não tem a beleza. Em uma cultura que se valoriza excessivamente a beleza, ela condena à frustração e a um sentimento de inferioridade mais de 90% das mulheres, por conta do desejo masculino estar ligado ao visual. Se você diminui a chance de moços e moças e isso não era absolutamente relevante. A competição entre homens e mulheres não poderia ser maior que a de hoje.
Você afirma que se o mundo fosse mais liberal, teríamos mais bissexuais. Explique.
Seria de se esperar um aumento da bissexualidade, se vivêssemos num mundo mais liberal. Os meninos continuam a não se encostar uns nos outros, porque senão seriam gays para sempre. O preconceito contra a intimidade entre dois homens continua tão forte quanto no passado. O menino mais delicado e menos afeito aos esportes continua sendo mal visto pela família e até pela própria mãe. Com as meninas sempre foi diferente – elas sempre puderam brincar umas com as outras. Na minha adolescência, elas andavam de mãos dadas, algumas até se beijavam e não eram homossexuais.
Como você vê a exposição sexual na internet?
O sexo virtual vai substituir o casual. Isso porque o sexo casual já é virtual. Quando um homem sai com uma prostituta que o chama de bem e não um por nome, isso não é uma relação. A relação a dois implica ter mais intimidade. As feministas detestavam falar que mulher gosta de ser objeto do desejo. Na verdade, elas sempre adoraram isso. Hoje, elas vão à internet para serem desejadas. Uma das fantasias femininas é estar num clube de strip-tease e todos os homens estarem babando. Tirar a roupa na internet é levar essa realidade para o mundo virtual. Isso é parte do exibicionismo feminino.
Explique a seguinte frase de seu livro: “os cafajestes são a referência masculina e os que não são o invejam”.
É verdade, porque no sexo casual, no sexo do desejo, prevalecem os cafajestes. No sexo romântico, prevalece a excitação. Se eu estou casado há 20 anos com a mesma mulher, evidentemente não morro de desejo por ela. O desejo visual vai se desgastando no convívio, mas o prazer e a troca de carícias não se esgotam da mesma maneira. No sexo romântico, predomina a excitação. No amor, o sexo não é protagonista. Nesse mundo da conquista, o sexo é o protagonista. O cafajeste é o que tem mais cara de pau, fala mentiras, promete casamento e, com essa cara de pau, ele mexe com a vaidade feminina. As mulheres se sentem tão estimuladas que acabam cedendo. E os bobões que querem ser sinceros, aqueles que não mentem, se tornam irrelevantes. Mas isso também vai mudar, porque no mundo virtual, os cafajestes não se sobressaem.
Época
Nenhum comentário:
Postar um comentário