Toda história tem dois lados. E é difícil, se não impossível, para quem está de fora, julgar qual deles é o certo e qual, o errado. Talvez porque não exista, mesmo, uma única verdade. Quando se trata do fim de um relacionamento, toda essa confusão, mágoas, lembranças, fatos distorcidos ou mal-interpretados tornam-se ainda mais evidentes. Dois casais contam (em quatro versões) o que pôs fim à relação
Para ele, o casamento acabou pela pressão dela por filhos. já ela acha que ele só pensava em trabalho e que o amor virou amizade
Aline, 31 anos, socióloga, e Rodrigo, 34 anos, diretor de fotografia. Casados por nove anos
O lado dele... “Conheci Aline* quando estudava cinema na USP, no final de 2001, por meio de amigos em comum. Ela era alegre e extrovertida. Sou meio tímido, na minha, bem diferente dela. Talvez por isso tenha me sentido tão atraído. Nos cruzávamos pela faculdade, mas nada acontecia. Um dia, ela ligou em minha casa para convidar o cara que morava comigo para ir ao teatro. Eu disse: ‘Olha, ele não está. Mas eu estou. Posso ir com você.’ A peça, Mil e uma noites, em inglês, era chatíssima — o que tornou nosso encontro mais engraçado. Ficamos nesse dia e logo virou namoro. A companhia dela era sempre agradável.
Em 2003, meu companheiro de apê se casou e a Aline acelerou essa coisa de irmos morar juntos. Para mim, essa transição foi um pouco rápida demais. Acho que não consegui verbalizar isso na época. E ela estava apressada, até escolheu o apartamento que comprei. Tivemos momentos bacanas quando nos mudamos. Depois, durante um tempo, brigamos porque ela insistia em casar de verdade, no papel, e eu nunca quis. Ela também tinha ciúme dos meus programas com amigos. Aline achava que eu me comportava como solteiro e a gente deveria ter uma rotina de casados. Mas era estranho porque eu não me sentia um marido. Com o tempo acabei sossegando e passamos a fazer mais programas com outros casais.
Havia também os problemas da convivência. Por exemplo, ela era ligada demais a organização e decoração. Para mim, tudo bem se a louça ficar suja na pia de um dia para o outro, sabe? Mas para ela isso era um grande problema. E queria sempre comprar um sofá novo, mudar a estante, reformar o quarto, pintar isso e aquilo. Foi nessa época que Aline achou que devíamos mudar para um apartamento maior — o nosso tinha só dois cômodos. Ela dizia que precisávamos de mais espaço porque eu trabalho em casa e não tinha mais onde colocar minhas câmeras e equipamentos. Alguns chegaram a ficar espalhados pela sala, confesso. Mas eu pedia para termos mais calma. Ela tem um temperamento difícil, opiniões fortes — nunca consegui convencê-la a mudar de ideia. Então vendi o apê e comprei outro. Só que continuei acumulando coisas, dominei um cômodo com meus equipamentos e as brigas não pararam. Aline é mulher de hábitos, eu curto uma vida sem rotinas. Viajo sempre para gravar documentários, chego a ficar dois meses fora. Toda vez que eu voltava, com saudade, parecia que estava devendo alguma coisa para ela.
Carente, Aline tinha muitas demandas. A maior delas era ter um filho. Falava nisso direto, me cobrava. Mas eu achava que ela deveria estar mais estabilizada em termos profissionais e financeiros antes de darmos esse passo. Ela trabalha com projetos que são temporários e não muito bem remunerados, então eu teria de bancar sozinho não só a casa como um filho. Acho que ela teve dificuldade de enxergar esse lado prático. Enfim, acabamos nos separando em fevereiro. Não dá para citar um único motivo para o fim, mas acabou acontecendo principalmente porque ela queria ser mãe e me cobrava demais isso, só que eu achava que não era o momento.”
...e o dela “O Rodrigo tem o biotipo de homem que gosto: baixo, troncudinho, nariz grande. É um cara de poucas palavras e reservado, mas inteligente e interessante. A gente gostava das mesmas baladas alternativas, curtíamos drogas e rock’n’roll, o sexo era o máximo.
Decidimos morar juntos dois anos depois porque queríamos ficar mais tempo um com o outro. Rodrigo ama o trabalho dele: é uma espécie de vocação com devoção. Nunca o vi reclamar da profissão nem dizer que estava cansado. Eu admirava isso até concluir que não podia ser normal (e essa viria a ser uma das causas da nossa separação). Várias vezes eu ia para o apartamento dele e, quando Rodrigo chegava, tarde, eu já estava dormindo. Um dia eu disse que não dava mais para namorar com o colchão. Ele falou que compraria um apartamento e me convidou para morarmos juntos, foi uma decisão muito mais prática do que romântica, mas topei. Nunca foi meu desejo casar do jeito tradicional, de véu, grinalda e flor de laranjeira. Mas, apesar de dispensar o ritual, eu queria ter um pouco da vidinha pequeno-burguesa: alguém que amasse, um lugar nosso e um filho. Quando nos mudamos para o apartamento, conseguimos realmente namorar mais do que antes, passar mais tempo juntos. Eu me revelei uma dona de casa supercuidadosa, queria montar a decoração do nosso ‘castelo’ — algo que ele parecia curtir também. Mas enquanto eu me preocupava em manter tudo sempre arrumadinho, o Rodrigo fazia mais o estilo ‘cueca no chão do banheiro é o menor dos nossos problemas, relaxa’. Impliquei no começo, mas aprendemos a negociar. Tenho uma necessidade louca de verbalizar e o Rodrigo acha que as pessoas se entendem no olhar, nem tudo precisa ser dito. Às vezes, eu queria discutir uma questão mais profunda e acabava buscando uma coisa concreta para puxar conversa. E, nessas horas, a cueca no chão do banheiro é bem concreto. Mas ele minimizava tudo. Por exemplo, eu me matava de ciúme de uma ex-namorada dele. Quando tocava no assunto, ele simplesmente falava ‘isso não importa’. É de um egocentrismo tão grande você dizer para o outro que aquilo que ele considera relevante não merece um único comentário!
Há algum tempo, eu disse que queria ser mãe. Rodrigo achava que eu não tinha condições financeiras para isso. Para um casal ter um filho cada um precisa ganhar 20 mil reais por mês? Para mim esse argumento não fazia sentido, acho que, no fundo, ele não me amava o bastante. A nossa vida sexual era boa, mas o romantismo foi acabando, o que contaminou meu desejo por ele. E o dele por mim. Nos últimos dois anos, não estava mais feliz. Meu amor por ele se transformou num sentimento que se tem por um amigo, não pelo marido. Então tomei a iniciativa de pedir a separação. Não foi fácil abrir mão de tantas coisas legais que construímos juntos, mas não daria certo. Brinco que somos suecos, de tão civilizada que é nossa relação hoje. Agora, no próximo relacionamento, é pré-requisito que o cara goste de uma D.R. [discussão de relação]. Será que acho alguém?”
Para ele, o namoro acabou por problemas de convivência. Ela diz que a causa foi o alcoolismo dele
Lorena, 27 anos, jornalista, e Galeno, 33 anos, advogado. Namoraram por um ano e meio
O lado dele... “A Lorena era minha amiga desde sempre. De repente, passei a olhá-la como mulher. Notei que o interesse era mútuo. Em algumas festas, nos beijávamos por desafio e pela fantasia. A coisa foi ficando séria quando, numa dessas festas, aproveitei a ausência do namorado dela para perguntar, sinceramente: ‘Por que você não o troca por mim?’E assim começamos a namorar.
Tínhamos desejo de conhecer um ao outro, tudo era novidade e descoberta. E tudo era muito legal. Pouco tempo bastou para estarmos ‘grudados’. Parceria de paixão. Mas, aos três meses de namoro, quando decidimos morar juntos, tudo começou a desandar. Eu avisei que tinha manias, o apartamento era pequeno e, mesmo assim, ela fez questão de trazer alguns móveis. De repente, aquele não era mais meu espaço. Mas também não era o espaço dela. Era uma bagunça promovida por uma molecagem.
Tentamos por muitos meses fazer aquilo dar certo, a gente se amava muito, mas não suportamos mais de um ano e meio. Os gostos e hábitos diversos (programas de TV, músicas e até comidas) começaram a minar nossa relação. Coisas do cotidiano passaram a incomodar bastante. Com o tempo, vi que Lorena não era a mulher que eu queria nem eu, o homem que ela desejava. Ela nunca ‘pegou no pé’, mas eu sempre tinha a sensação de não estar dando tudo o que ela queria. E a Lorena, para se encaixar na minha vida, precisava ser menos perfeita.
Não acho que exista uma única razão para nossa separação, é aquela velha história do ‘conjunto de fatores’. Mas posso lembrar de algo pontual: ela era incrivelmente batalhadora, não está aqui a passeio. Almejava uma colocação à sua altura na carreira. E, como nessa época tinha pouco tempo de formada, poderia tentar começar como trainee de uma grande empresa. Foi convocada para uma seleção em uma importante multinacional, em São Paulo. Nós morávamos em Porto Alegre e, quando ela me contou da viagem — e o motivo —, falei simplesmente: ‘Boa sorte, mas se você tiver de morar em São Paulo, estamos acabados’. Não acredito em amor a distância. Ela foi assim mesmo, ficou entre os melhores, mas não pegou a vaga. É claro que, depois disso, nunca mais foi como antes. Ela estava ao meu lado simplesmente por não ter sido aprovada na seleção. Aí pensei: ‘Acabou’. Apesar disso, continuamos juntos por um bom tempo ainda.
O triste da história é que nos amávamos muito. O.K., eu não andava tão bem como hoje, gostava de noite, cerveja. Ela se incomodou bem mais tarde, quando reconheceu (para si mesma e para mim) que tinha esperanças de me mudar. Como assim? Ela me conheceu daquele jeito, porque, então, queria me transformar em outra pessoa? Vendo que isso não aconteceria, ela, então, terminou tudo.
Insisti numa reconciliação, mandei e-mails, fui a festas para encontrá-la, paguei os maiores micos. Mesmo com nossos problemas, achava que ficaríamos juntos. O pior disso tudo é que perdi a mulher e a amiga. Ela também perdeu definitivamente um amigo e um homem que amava. Se um dia tivermos o desprazer de nos cruzar na rua e ela me perguntar ‘tudo bem?’, sem hesitar responderei: ‘Nossa, não nos vemos há três anos. Interessa mesmo a você se estou bem?’.”
...e o dela. “Nossos primeiros beijos foram de brincadeira, sempre depois de algumas cervejas. O Galeno não me atraía fisicamente. Ele era meu amigo, tínhamos a mesma turma e uma afinidade absurda, mas, para mim, não havia atração. Até que um dia, me apaixonei. A gente se divertia demais. De uma hora para a outra, estávamos o tempo todo juntos e, em poucos meses, passamos a dividir o mesmo teto. Ríamos de qualquer bobagem e ele me chamava de ‘boboca’, uma palavra infantil que não combina com ele, um cara culto. Mas era esse tom brincalhão que dava leveza à sua personalidade profunda. A cerveja estava sempre lá e, no início, parecia apenas um acompanhamento, um dado a mais na cena. Mas, com o passar do tempo, vi que não era só isso.
Quando penso no porquê do rompimento posso resumir os motivos em dois: eu não soube lidar com o alcoolismo do Galeno e isso fez a minha admiração por ele ir por água abaixo. No final, mais ou menos um ano e meio depois de termos começado o namoro, eu me vi cuidando dele. Era a única posição que conseguia assumir naquele momento em que, tinha certeza, ele estava doente, precisava de ajuda. O Galeno me cobrou — já depois de duas passagens por uma clínica de reabilitação — que eu estava sendo uma enfermeira e não a mulher dele. Respondi que era só o que podia fazer e que ele também não estava sendo um homem para mim. Ele disse que, se fosse assim, não queria mais. Sabia na hora que falava da boca para fora, mas me agarrei àquilo para poder terminar.
Os últimos seis meses do nosso relacionamento foram um tormento. O trem começou a descarrilar quando larguei um emprego que me deixava longas horas longe dele. Passei a trabalhar em casa e a ver coisas que não via antes, como ele beber cerveja logo de manhã. Percebi que ele precisava de ajuda. Conversei com a família dele e, juntos, tentamos mudar a rotina em que o Galeno vivia. Eu achava que era o melhor naquela hora.
Antes disso, nossos problemas de convivência eram normais. O Galeno gostava de sair e tinha uma turma do bar que estava sempre lá, mas não topava todos os programas que eu sugeria, como ir à casa dos meus pais ou jantar com casais de amigos. Tinha preguiça. Na minha opinião, ele também não se esforçava para ter uma carreira. Mas quem não tem esses contratempos? Até aí, o desafio não era maior do que eu já havia vivido em outros namoros. A meu ver, isso não nos separaria porque a gente se gostava demais.
Quando terminamos, já não estávamos morando juntos havia seis meses. Nosso antigo apartamento estava alugado, ele morando com a avó e eu com meus pais. Foi uma época difícil, fiquei deprimida, cheguei a tomar remédios e, em momentos de desespero, os misturei com álcool. Houve noites em que anulei meu ego e fui bater na porta dele de madrugada. Mas, depois de algumas recaídas covardes, das quais me envergonho, me afastei de vez do Galeno. Hoje, faz mais de um ano que não tenho uma só notícia dele e, confesso, quando me imagino encontrando-o por acaso na rua, o primeiro sentimento que aflora é um medo irracional, sem explicação.”
* Os nomes são fictícios
Nathalia Ziemkiewicz e Letícia González
Marie Claire
Para ele, o casamento acabou pela pressão dela por filhos. já ela acha que ele só pensava em trabalho e que o amor virou amizade
Aline, 31 anos, socióloga, e Rodrigo, 34 anos, diretor de fotografia. Casados por nove anos
O lado dele... “Conheci Aline* quando estudava cinema na USP, no final de 2001, por meio de amigos em comum. Ela era alegre e extrovertida. Sou meio tímido, na minha, bem diferente dela. Talvez por isso tenha me sentido tão atraído. Nos cruzávamos pela faculdade, mas nada acontecia. Um dia, ela ligou em minha casa para convidar o cara que morava comigo para ir ao teatro. Eu disse: ‘Olha, ele não está. Mas eu estou. Posso ir com você.’ A peça, Mil e uma noites, em inglês, era chatíssima — o que tornou nosso encontro mais engraçado. Ficamos nesse dia e logo virou namoro. A companhia dela era sempre agradável.
Em 2003, meu companheiro de apê se casou e a Aline acelerou essa coisa de irmos morar juntos. Para mim, essa transição foi um pouco rápida demais. Acho que não consegui verbalizar isso na época. E ela estava apressada, até escolheu o apartamento que comprei. Tivemos momentos bacanas quando nos mudamos. Depois, durante um tempo, brigamos porque ela insistia em casar de verdade, no papel, e eu nunca quis. Ela também tinha ciúme dos meus programas com amigos. Aline achava que eu me comportava como solteiro e a gente deveria ter uma rotina de casados. Mas era estranho porque eu não me sentia um marido. Com o tempo acabei sossegando e passamos a fazer mais programas com outros casais.
Havia também os problemas da convivência. Por exemplo, ela era ligada demais a organização e decoração. Para mim, tudo bem se a louça ficar suja na pia de um dia para o outro, sabe? Mas para ela isso era um grande problema. E queria sempre comprar um sofá novo, mudar a estante, reformar o quarto, pintar isso e aquilo. Foi nessa época que Aline achou que devíamos mudar para um apartamento maior — o nosso tinha só dois cômodos. Ela dizia que precisávamos de mais espaço porque eu trabalho em casa e não tinha mais onde colocar minhas câmeras e equipamentos. Alguns chegaram a ficar espalhados pela sala, confesso. Mas eu pedia para termos mais calma. Ela tem um temperamento difícil, opiniões fortes — nunca consegui convencê-la a mudar de ideia. Então vendi o apê e comprei outro. Só que continuei acumulando coisas, dominei um cômodo com meus equipamentos e as brigas não pararam. Aline é mulher de hábitos, eu curto uma vida sem rotinas. Viajo sempre para gravar documentários, chego a ficar dois meses fora. Toda vez que eu voltava, com saudade, parecia que estava devendo alguma coisa para ela.
Carente, Aline tinha muitas demandas. A maior delas era ter um filho. Falava nisso direto, me cobrava. Mas eu achava que ela deveria estar mais estabilizada em termos profissionais e financeiros antes de darmos esse passo. Ela trabalha com projetos que são temporários e não muito bem remunerados, então eu teria de bancar sozinho não só a casa como um filho. Acho que ela teve dificuldade de enxergar esse lado prático. Enfim, acabamos nos separando em fevereiro. Não dá para citar um único motivo para o fim, mas acabou acontecendo principalmente porque ela queria ser mãe e me cobrava demais isso, só que eu achava que não era o momento.”
...e o dela “O Rodrigo tem o biotipo de homem que gosto: baixo, troncudinho, nariz grande. É um cara de poucas palavras e reservado, mas inteligente e interessante. A gente gostava das mesmas baladas alternativas, curtíamos drogas e rock’n’roll, o sexo era o máximo.
Decidimos morar juntos dois anos depois porque queríamos ficar mais tempo um com o outro. Rodrigo ama o trabalho dele: é uma espécie de vocação com devoção. Nunca o vi reclamar da profissão nem dizer que estava cansado. Eu admirava isso até concluir que não podia ser normal (e essa viria a ser uma das causas da nossa separação). Várias vezes eu ia para o apartamento dele e, quando Rodrigo chegava, tarde, eu já estava dormindo. Um dia eu disse que não dava mais para namorar com o colchão. Ele falou que compraria um apartamento e me convidou para morarmos juntos, foi uma decisão muito mais prática do que romântica, mas topei. Nunca foi meu desejo casar do jeito tradicional, de véu, grinalda e flor de laranjeira. Mas, apesar de dispensar o ritual, eu queria ter um pouco da vidinha pequeno-burguesa: alguém que amasse, um lugar nosso e um filho. Quando nos mudamos para o apartamento, conseguimos realmente namorar mais do que antes, passar mais tempo juntos. Eu me revelei uma dona de casa supercuidadosa, queria montar a decoração do nosso ‘castelo’ — algo que ele parecia curtir também. Mas enquanto eu me preocupava em manter tudo sempre arrumadinho, o Rodrigo fazia mais o estilo ‘cueca no chão do banheiro é o menor dos nossos problemas, relaxa’. Impliquei no começo, mas aprendemos a negociar. Tenho uma necessidade louca de verbalizar e o Rodrigo acha que as pessoas se entendem no olhar, nem tudo precisa ser dito. Às vezes, eu queria discutir uma questão mais profunda e acabava buscando uma coisa concreta para puxar conversa. E, nessas horas, a cueca no chão do banheiro é bem concreto. Mas ele minimizava tudo. Por exemplo, eu me matava de ciúme de uma ex-namorada dele. Quando tocava no assunto, ele simplesmente falava ‘isso não importa’. É de um egocentrismo tão grande você dizer para o outro que aquilo que ele considera relevante não merece um único comentário!
Há algum tempo, eu disse que queria ser mãe. Rodrigo achava que eu não tinha condições financeiras para isso. Para um casal ter um filho cada um precisa ganhar 20 mil reais por mês? Para mim esse argumento não fazia sentido, acho que, no fundo, ele não me amava o bastante. A nossa vida sexual era boa, mas o romantismo foi acabando, o que contaminou meu desejo por ele. E o dele por mim. Nos últimos dois anos, não estava mais feliz. Meu amor por ele se transformou num sentimento que se tem por um amigo, não pelo marido. Então tomei a iniciativa de pedir a separação. Não foi fácil abrir mão de tantas coisas legais que construímos juntos, mas não daria certo. Brinco que somos suecos, de tão civilizada que é nossa relação hoje. Agora, no próximo relacionamento, é pré-requisito que o cara goste de uma D.R. [discussão de relação]. Será que acho alguém?”
Para ele, o namoro acabou por problemas de convivência. Ela diz que a causa foi o alcoolismo dele
Lorena, 27 anos, jornalista, e Galeno, 33 anos, advogado. Namoraram por um ano e meio
O lado dele... “A Lorena era minha amiga desde sempre. De repente, passei a olhá-la como mulher. Notei que o interesse era mútuo. Em algumas festas, nos beijávamos por desafio e pela fantasia. A coisa foi ficando séria quando, numa dessas festas, aproveitei a ausência do namorado dela para perguntar, sinceramente: ‘Por que você não o troca por mim?’E assim começamos a namorar.
Tínhamos desejo de conhecer um ao outro, tudo era novidade e descoberta. E tudo era muito legal. Pouco tempo bastou para estarmos ‘grudados’. Parceria de paixão. Mas, aos três meses de namoro, quando decidimos morar juntos, tudo começou a desandar. Eu avisei que tinha manias, o apartamento era pequeno e, mesmo assim, ela fez questão de trazer alguns móveis. De repente, aquele não era mais meu espaço. Mas também não era o espaço dela. Era uma bagunça promovida por uma molecagem.
Tentamos por muitos meses fazer aquilo dar certo, a gente se amava muito, mas não suportamos mais de um ano e meio. Os gostos e hábitos diversos (programas de TV, músicas e até comidas) começaram a minar nossa relação. Coisas do cotidiano passaram a incomodar bastante. Com o tempo, vi que Lorena não era a mulher que eu queria nem eu, o homem que ela desejava. Ela nunca ‘pegou no pé’, mas eu sempre tinha a sensação de não estar dando tudo o que ela queria. E a Lorena, para se encaixar na minha vida, precisava ser menos perfeita.
Não acho que exista uma única razão para nossa separação, é aquela velha história do ‘conjunto de fatores’. Mas posso lembrar de algo pontual: ela era incrivelmente batalhadora, não está aqui a passeio. Almejava uma colocação à sua altura na carreira. E, como nessa época tinha pouco tempo de formada, poderia tentar começar como trainee de uma grande empresa. Foi convocada para uma seleção em uma importante multinacional, em São Paulo. Nós morávamos em Porto Alegre e, quando ela me contou da viagem — e o motivo —, falei simplesmente: ‘Boa sorte, mas se você tiver de morar em São Paulo, estamos acabados’. Não acredito em amor a distância. Ela foi assim mesmo, ficou entre os melhores, mas não pegou a vaga. É claro que, depois disso, nunca mais foi como antes. Ela estava ao meu lado simplesmente por não ter sido aprovada na seleção. Aí pensei: ‘Acabou’. Apesar disso, continuamos juntos por um bom tempo ainda.
O triste da história é que nos amávamos muito. O.K., eu não andava tão bem como hoje, gostava de noite, cerveja. Ela se incomodou bem mais tarde, quando reconheceu (para si mesma e para mim) que tinha esperanças de me mudar. Como assim? Ela me conheceu daquele jeito, porque, então, queria me transformar em outra pessoa? Vendo que isso não aconteceria, ela, então, terminou tudo.
Insisti numa reconciliação, mandei e-mails, fui a festas para encontrá-la, paguei os maiores micos. Mesmo com nossos problemas, achava que ficaríamos juntos. O pior disso tudo é que perdi a mulher e a amiga. Ela também perdeu definitivamente um amigo e um homem que amava. Se um dia tivermos o desprazer de nos cruzar na rua e ela me perguntar ‘tudo bem?’, sem hesitar responderei: ‘Nossa, não nos vemos há três anos. Interessa mesmo a você se estou bem?’.”
...e o dela. “Nossos primeiros beijos foram de brincadeira, sempre depois de algumas cervejas. O Galeno não me atraía fisicamente. Ele era meu amigo, tínhamos a mesma turma e uma afinidade absurda, mas, para mim, não havia atração. Até que um dia, me apaixonei. A gente se divertia demais. De uma hora para a outra, estávamos o tempo todo juntos e, em poucos meses, passamos a dividir o mesmo teto. Ríamos de qualquer bobagem e ele me chamava de ‘boboca’, uma palavra infantil que não combina com ele, um cara culto. Mas era esse tom brincalhão que dava leveza à sua personalidade profunda. A cerveja estava sempre lá e, no início, parecia apenas um acompanhamento, um dado a mais na cena. Mas, com o passar do tempo, vi que não era só isso.
Quando penso no porquê do rompimento posso resumir os motivos em dois: eu não soube lidar com o alcoolismo do Galeno e isso fez a minha admiração por ele ir por água abaixo. No final, mais ou menos um ano e meio depois de termos começado o namoro, eu me vi cuidando dele. Era a única posição que conseguia assumir naquele momento em que, tinha certeza, ele estava doente, precisava de ajuda. O Galeno me cobrou — já depois de duas passagens por uma clínica de reabilitação — que eu estava sendo uma enfermeira e não a mulher dele. Respondi que era só o que podia fazer e que ele também não estava sendo um homem para mim. Ele disse que, se fosse assim, não queria mais. Sabia na hora que falava da boca para fora, mas me agarrei àquilo para poder terminar.
Os últimos seis meses do nosso relacionamento foram um tormento. O trem começou a descarrilar quando larguei um emprego que me deixava longas horas longe dele. Passei a trabalhar em casa e a ver coisas que não via antes, como ele beber cerveja logo de manhã. Percebi que ele precisava de ajuda. Conversei com a família dele e, juntos, tentamos mudar a rotina em que o Galeno vivia. Eu achava que era o melhor naquela hora.
Antes disso, nossos problemas de convivência eram normais. O Galeno gostava de sair e tinha uma turma do bar que estava sempre lá, mas não topava todos os programas que eu sugeria, como ir à casa dos meus pais ou jantar com casais de amigos. Tinha preguiça. Na minha opinião, ele também não se esforçava para ter uma carreira. Mas quem não tem esses contratempos? Até aí, o desafio não era maior do que eu já havia vivido em outros namoros. A meu ver, isso não nos separaria porque a gente se gostava demais.
Quando terminamos, já não estávamos morando juntos havia seis meses. Nosso antigo apartamento estava alugado, ele morando com a avó e eu com meus pais. Foi uma época difícil, fiquei deprimida, cheguei a tomar remédios e, em momentos de desespero, os misturei com álcool. Houve noites em que anulei meu ego e fui bater na porta dele de madrugada. Mas, depois de algumas recaídas covardes, das quais me envergonho, me afastei de vez do Galeno. Hoje, faz mais de um ano que não tenho uma só notícia dele e, confesso, quando me imagino encontrando-o por acaso na rua, o primeiro sentimento que aflora é um medo irracional, sem explicação.”
* Os nomes são fictícios
Nathalia Ziemkiewicz e Letícia González
Marie Claire
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