sábado, 27 de novembro de 2010

Depoimento sem dano, uma forma humana de poupar crianças vítimas de abuso sexual

O método de Depoimento sem Dano vem sendo utilizado com sucesso, desde 2003, no Rio Grande do Sul . Já implantado em São Paulo, prevê 4 projetos pilotos em 2011, nas comarcas de São Caetano do Sul, Atibaia, Campinas e Guarulhos.

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Crianças que sofrem abuso sexual no Brasil precisam reviver seus sofrimentos, em diversas instâncias, enquanto ouvidas pelas autoridades. Primeiro no Conselho Tutelar, depois na delegacia especializada, no Instituto Médico Legal, no posto de saúde, no Ministério Público e por último, na vara especializada ou, quando esta não existe, na vara criminal onde tem que comparecer mais de uma vez. Uma tortura!
Pode ser implantado nacionalmente o depoimento sem dano, já utilizado em alguns tribunais de Justiça do país. A criança depõe uma única vez e sua fala é gravada. A ideia é evitar o que os especialistas chamam de revitimização da criança.
Na nova sistemática a criança fala a um psicólogo ou a outro profissional designado. O procedimento é feito em duas salas localizadas nos tribunais de justiça. Em uma fica o juiz, o advogado de defesa, o promotor e o acusado com uma televisão, por onde é transmitido o depoimento da vítima e na outra fica a criança e o psicólogo.
O psicólogo utiliza um ponto no ouvido para escutar as perguntas que o juiz e os demais inquiridores fazem, e transmite as perguntas à criança com uma linguagem adequada, utilizando brinquedos e bonecos. De acordo com levantamento feito pela organização não governamental Childhood Brasil, o método é adotado em mais de 28 países e em alguns está incorporado à legislação.
No Brasil, o método começou a ser praticado em 2003, no Rio Grande do Sul, servindo de modelo para os demais estados. No Senado Federal um projeto de lei que incorpora o depoimento sem dano à legislação, foi aprovado no último dia 17 de março na Comissão de Constituição e Justiça.
O juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre, Dr. José Antônio Daltoé Cezar, disse que o trabalho baseia-se na Convenção Internacional sobre os direitos das crianças que assegura a elas o direito de ser ouvida em processos judiciais.
O juiz revelou que em sete anos de implantação do depoimento sem dano mais de 2 mil crianças foram ouvidas. “Nossa preocupação maior é com a proteção da criança, mas hoje conseguimos condenar mais também. Em 2009 76% das ações geraram condenações”, disse.
O Tribunal de Justiça de Rio Branco, no Acre, também adota o depoimento sem dano, desde novembro de 2009. Segundo o juiz da 1ª Vara da Infância e da Juventude, Romário Divino, este procedimento permite a humanização do atendimento da criança e do adolescente. “Este tipo de depoimento é menos invasivo e traumático. Ela já está traumatizada e não quer reviver aquele momento várias vezes na frente de vários inquiridores”, afirmou.
Segundo Divino, em abril será criada uma vara especializada em julgar crimes contra a dignidade pessoal de crianças e adolescentes. Hoje muitos processos caem na vala comum das varas criminais. O juiz afirmou ainda que um dos casos que mais evidenciaram a importância do método foi o de uma menina de 5 anos que sofria abuso por parte do padrasto. “Ele tocava em suas partes íntimas. Tentamos primeiro o método antigo, mas a menina ficou bloqueada e não falou. Com o depoimento sem dano a criança conseguiu se expressar”.
Apesar de ser adotado em várias comarcas do país, o depoimento sem dano não é uma unanimidade. A psicóloga e professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Sandra Amorim, considera importante a humanização dos depoimentos, mas salienta que existem equívocos no formato utilizado no país. “Todo depoimento é traumático e falta um acompanhamento depois da audiência. Será ético induzir crianças a constituir provas?”, indagou.
Ela discorda também da escolha de um psicólogo para ouvir a vítima. “O psicólogo não é um inquiridor, para isso poderia ser preparado outro profissional. O conselho Federal de Psicologia é contra a atuação do profissional nestes termos”, afirmou.
O juiz de direito da 4ª Vara Criminal de Florianópolis, Alexandre Moraes da Rosa, faz críticas mais enfáticas ao depoimento sem dano. Para ele, o próprio nome esta errado. “O nome de depoimento sem dano é uma fraude. Não existe depoimento que não cause dano. Estão confundindo o direito das crianças de serem ouvidas com a obrigação de falarem”, destacou.
Da Rosa crítica também a designação de uma psicóloga para fazer a inquirição. “Estão terceirizando o trabalho sujo. Quem deveria fazer este papel são os juízes, mas são incompetentes não sabem inquirir. Falta capacitação”, afirmou.

Por Jackson Rubem para "O Brasileirinho"
Publicada em 28-03-2010
Foto: Octavio Campos Salles - Olhares.com

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