segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Vítimas esperam que a volta de Abdelmassih à prisão ocorra logo

No início da tarde de terça-feira, a aposentada Teresa Cordioli (foto), de 60 anos, viajava da cidade de Americana para sua casa, em Sumaré, no interior de São Paulo, quando recebeu um telefonema de sua advogada. A notícia a fez gritar de alegria. “Era o grito da vitória”, afirma Teresa. Ela ligou para a dona de casa Helena Leardini (foto), 41 anos, que estava em sua casa no Campo Belo, Zona de São Paulo:

-- E aí, está feliz?

-- Por quê?

-- Liga a TV.

O noticiário anunciava que o médico Roger Abdelmassih, de 67 anos, especialista em reprodução assistida e acusado de 56 crimes sexuais contra 39 mulheres, acaba de ser condenado a 278 anos de prisão. Enquanto Teresa e Helena conversavam ao telefone, Vanuzia Leite Lopes (foto), uma estudante de direito de 50 anos, interrompia os estudos na sala de sua casa na Vila Mariana, em São Paulo, para atender telefonemas de mulheres que, como ela, acusam Abdelmassih de abusos sexuais. Teresa, Helena e Vanuzia choraram.

Abdelmassih também. “Ele me abraçou e chorou, inconformado com a decisão”, diz o advogado José Luís Oliveira Lima, que defende o médico. Um dos trechos da sentença de 195 páginas da juíza Kenarik Boujikian Felippe afirma que os relatos das vítimas “formam um conjunto estarrecedor sobre a conduta do acusado. Uma avalanche de fatos absolutamente repulsivos”, diz um trecho. “Nossa vitória ainda não foi completa”, diz Teresa, uma das vítimas. “Mas já foi o suficiente para deixá-lo de ‘cabeça quente’”.
Mesmo condenado, Abdelmassih continua fora da prisão. Um habeas corpus concedido no ano passado por Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), pôs fim ao período de quatro meses que o médico ficou detido. A decisão do STF garante que ele continue aguardando em liberdade o julgamento dos recursos que cabem no processo. “Esperamos que ele seja preso”, diz Teresa. Vanuzia é mais incisiva: “Ele deve ser encarcerado por ser estuprador. Não é justo com as vítimas nem com os criminosos como ele que estão presos”.
Nesta terça-feira, o STF julgará o habeas corpus que favorece o médico. Para o advogado de Abdelmassih, não há motivos para privar seu cliente de liberdade. “Não há nenhum fato ou postura dele que possam indicar o risco de ele não cumprir uma eventual sanção penal.” Não há risco, segundo o advogado, de Abdelmassih fugir do país ou prejudicar o andamento do processo.
Segundo Oliveira Lima, o médico cumpre uma espécie de prisão domiciliar voluntária. Abdelmassih passar o dia em casa. De manhã e à noite, conversa com o advogado sobre as estratégias de defesa. Só sai para rezar, numa igreja próxima a sua casa, nos Jardins, bairro nobre da capital paulista. “Ele e sua família estão abalados. Sua vida foi desgraçada por esse processo”, afirma o advogado.
Desde junho, Roger Abdelmassih está impedido de clinicar. Seu diploma foi cassado pelo Conselho Regional de Medicina. Oficialmente, sua clínica foi comprada pelo médico de origem coreana San Choon Cha. Doutor e livre-docente pela Faculdade de Medicina da USP, ele presidente a Sociedade Brasileira de Ultrassonografia e Medicina Fetal.
Cha contratou toda a equipe da clínica, incluindo os dois filhos de Abdelmassih, os médicos Vicente e Soraya. Há rumores de que a venda da clínica tenha sido um negócio de fachada.
À reportagem de Época, doutor Cha nega essa versão. Ela firma que comprou a clínica com o conhecimento de Abdelmassih e de sua equipe. “Tive sorte de poder contar com profissionais com 20 anos de experiência”, afirma. “Apesar do problema, era a clínica de maior sucesso na érea de reprodução assistida”.
Segundo o Conselho Regional de Medicina e juíza que condenou Abdelmassih, não há impedimentos legais para que ele seja dono ou sócio de uma clínica, desde que não clinique.
Enquanto esperam que o médico cumpra a pena a que foi condenado, suas vítimas tentam esquecer o que viveram. “Duas ou três vezes por dia, ele vinha, deitava em cima de mim, me bolinava, me beijava, me lambia”, diz Teresa. “Por que eu não fazia nada? Tentava me defender. Cheguei a morder o lábio dele até sangrar. Mas eu tinha medo de gritar”, afirma. Até o dia em que soube das acusações contra o médico. “Vi que não era a única e contei minha história ao meu marido e a meus filhos.”
Para Oliveira Lima, por mais revoltantes que sejam as histórias como a de Teresa, a decisão da Justiça é “desprovida de amparo jurídico, materialidade e representação”. Sua estratégia de defesa tem sido apelar para a falta de provas. São acusações de 39 mulheres contra a palavra do médico que se tornou um dos mais famosos do país.
No julgamento, sua defensa apresentou testemunhos favoráveis de 170 pacientes agradecidos por terem realizado o sonho da maternidade e paternidade – algo tão forte a ponto de manter em Helena, que diz ter sido assediada no consultório, uma gratidão eterna. “Graças a ele, tenho minhas duas meninas”, diz Helena, referindo-se às gêmeas de 6 anos. “É um sentimento estranho. Poxa vida, precisava ser assim? Uma pessoa que me deu uma das coisas mais importantes da minha vida tinha de fazer algo tão nojento?”

Humberto Maia Junior, da Época


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