domingo, 30 de maio de 2010

Ninguém mata na 1ª agressão, diz pediatra.


Entrevista publicada no jornal Folha de São Paulo, em 28 de abril de 2008. Por Antônio Gois, da Sucursal do Rio.

Para o médico Lauro Monteiro, se o casal Nardoni matou Isabella, como diz a polícia, a menina já teria sido vítima de agressão em outras ocasiões. Profissionais de educação, de saúde ou vizinhos devem estar atentos a hematomas ou queimaduras no corpo da criança, diz Monteiro Filho.
Para o pediatra Lauro Monteiro Filho, fundador da Abrapia (Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência) e hoje editor do Observatório da Infância, a sociedade brasileira ainda passa pela fase da negação da realidade de que os pais podem, sim, ser os principais agressores dos próprios filhos. Foi a Abrapia que criou o primeiro telefone nacional gratuito de denúncia anônima contra casos de abuso sexual infantil.
Monteiro Filho reconhece que há sempre o risco desses telefones serem usados como instrumento de vingança por meio de denúncias falsas, mas esse é um ônus necessário para evitar a morte de crianças pelos pais.
Segundo o pediatra, se a polícia estiver certa e o pai e a madrasta de Isabella Nardoni forem mesmo seus assassinos, eles provavelmente não cometeram o primeiro ato de agressão no dia da morte da menina. "A não ser em caso de surtos psicóticos, ninguém mata o filho numa primeira agressão."
Leia trechos de sua entrevista concedida à Folha em seu consultório, em Copacabana (Rio).

FOLHA - Como foi o processo de criação do disque-denúncia?
LAURO MONTEIRO FILHO - Começou no Rio de Janeiro, quando, em 1988, criamos a Abrapia [que encerrou suas atividades há dois anos] e montamos uma estrutura para atender denúncias por telefone de abuso sexual e violência física no Estado. Em pouco tempo, muito por pressão internacional, surgiu a necessidade de criar um número nacional no Brasil, já que havia a imagem de que o país não estava fazendo nada para coibir a exploração sexual de crianças.
Em 1998, fomos chamados pelo Ministério da Justiça para criar um telefone federal. Inicialmente, trabalhou-se apenas a questão da violência sexual. Em 2003, com a troca de governo, o ministério nos chamou e informou que eles iriam assumir o programa. Eles decidiram ampliar e incluir toda forma de violência contra a criança e o adolescente, não apenas sexual.

FOLHA - A denúncia é eficiente para coibir casos de violência infantil?
MONTEIRO FILHO - A denúncia é fundamental. É preciso convencer a população de que temos, sim, que nos intrometer na família. Pais não são donos dos filhos. Aliás, ninguém é "dono" de uma criança, mas eu diria que um pai que bate no filho é menos dono de alguém que a protege. O problema que enfrentamos no Brasil é que boa parte da população acha que sua denúncia não vai dar em nada. É preciso ter canais para denúncia, mas a população precisa enxergar que isso terá uma conseqüência.

FOLHA - Esses telefones de denúncia, no entanto, são muitas vezes usados como instrumento de vingança. Não há o risco de muitos pais serem denunciados injustamente?
MONTEIRO FILHO - Esse é, sem dúvida, um ônus desses instrumentos. A denúncia infundada leva a graves prejuízos. Tanto que em vários países foram criados associações de vítimas de denúncias infundadas de abuso sexual. Fui perito da vara de família no Rio durante três anos e lidei muito com pais que se separavam e continuavam com o litígio na Justiça. Nesses casos, o risco de falsa denúncia é realmente alto. Mas não podemos deixar de criar mecanismos para prevenir a violência. Quem denuncia tem que ter responsabilidade e pensar nas conseqüências.

FOLHA - Quando vocês administraram o telefone nacional de denúncia houve casos de pais que cometeram atrocidades contra os filhos?
MONTEIRO FILHO - Inicialmente, as denúncias que chegavam eram de exploração sexual, que aconteciam na rua ou em estabelecimentos públicos. Nesse caso, os pais não eram os principais responsáveis. Num segundo momento, começaram a aparecer casos de abuso sexual dentro de casa.
Nesses casos, o abusador já era com freqüência alguém da família: um pai, um padrasto, um irmão mais velho. Admitir que os pais podem ser violentos contra os filhos é uma mudança de comportamento necessária para passar a atuar na prevenção. Estamos ainda numa fase de negação dessa realidade. Precisamos passar pela fase de sofrimento e aceitar que os pais podem ser violentos.

FOLHA - Crianças dificilmente vão falar com estranhos e denunciar os próprios pais. Como perceber que estão sendo vítima de violência?
MONTEIRO FILHO - Há vários sinais que profissionais de educação, de saúde ou vizinhos podem perceber. No caso de professores, é muito comum a criança maltratada aparecer com marcas de beliscão no corpo, queimaduras, marcas de cinto ou hematomas. A professora deve desconfiar se a criança está muito quieta, chorando demais. Ela precisa então passar essa suspeita para a direção da escola, para que alguém tome alguma atitude. O mesmo vale para os profissionais de saúde. Já no caso de vizinhos, é mais difícil perceber essas marcas físicas no corpo, mas é preciso também estar atento. Nesse caso da morte de Isabella Nardoni, se o pai e a madrasta forem mesmo os culpados, como acredita a polícia, a menina provavelmente já gritou "pára, pai" outras vezes. Também já deve ter chegado na casa da mãe com sinais de agressão. Ninguém começa uma agressão já matando o filho, a não ser em caso de surtos psicóticos. Nunca vi nenhum pai ou mãe admitir que maltrataram o filho, mesmo quando havia todas as evidências de que eles eram culpados.

FOLHA - Toda essa preocupação em denunciar a violência contra crianças não pode levar a um nível de exagero que iniba os pais de impor limites aos filhos?
MONTEIRO FILHO - Acho que é consenso que uma das tarefas dos pais é estabelecer limites. Eles têm que mostrar aos filhos que são amados, a criança tem que ser criada com auto-estima elevada, mas educar é uma situação conflituosa. A criança não quer limite, mas tem que ter. É normal a criança querer confrontar os pais, mas sou a favor, por exemplo, de que em vez da palmada, dê-se o castigo.

FOLHA - O que há de errado com a palmada?
MONTEIRO FILHO - É um ato de violência e de covardia. É uma forma também de transmitirmos a mensagem de que os conflitos são resolvidos por meio da violência.

Nota: denuncie 33154808 / 81224995 34ª zona 3315-4809 / 8104-4151 33ª zona


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