domingo, 30 de maio de 2010

Psicanalista defende fim da ótica preconceituosa sobre o adolescente


Historicamente a sociedade brasileira associa a adolescência ao fenômeno da violência, seja ele ou ela enquanto vítima ou autor de ato infracional. Mas essa discriminação não acontece apenas no Brasil. De forma geral, existe uma sensação de mal estar social sobre a figura do adolescente, que o leva a sofrer com o binômio.
As opiniões são da psicanalista Maria de Lourdes Trassi Teixeira, autora do livro Adolescência Violência: desperdício de vidas , fruto de sua tese de doutorado apresentada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). O livro foi editado pela Cortez Editora.

Relação entre adolescência e violência

Tema do livro , que foi fruto da sua tese de doutorado, Maria de Lourdes diz que a questão permeia a obra do início ao fim, mostrando o histórico do adolescente enquanto autor de ato infracional e vítima dos mais diversos tipos de violência. Ela faz uma leitura crítica especialmente entre os anos de 1960 e 2005, indicando como a sociedade, em geral, encara esse jovem.
Segundo a autora, existe uma associação entre juventude e violência que vêm de tempo, por exemplo, quando no século XIX, os meninos que perambulavam ou viviam pelas ruas, praticando crimes ou não, eram imediatamente unificados como um grupo de criminosos. Muitos e muitos anos depois, com a falta de oportunidades para os adolescentes, a "criminalização da pobreza", a banalização do violento, os jovens se tornaram as maiores vítimas da violência, fenômeno que não é exclusivo do Brasil.
Para Maria de Lourdes, com as décadas, especificamente no século XX, as duas guerras mundiais fizeram com que a humanidade aprendesse a conviver com condições
desumanizadoras, pela naturalização da violência. "A banalidade do mal se expressa no sintoma do alheamento em relação ao sofrimento do outro", escreve em seu livro. "A ética das relações se esgarçam".

Porquê da ótica vingativa da sociedade

"Não é exclusividade da sociedade brasileira essa ótica vingativa sobre a juventude", afirma a psicanalista, "é um mal estar social". Na França, por exemplo, a juventude é tida como uma "classe perigosa". Esse é um fenômeno universal, histórico e transversal na sociedade, onde, no Brasil do século XIX, por exemplo, a infância e juventude desamparadas inspiravam dó, enquanto a delinqüente transmitia medo. Porém, segundo ela, quanto menor a desigualdade social, melhor é o tratamento com o jovem. Os países nórdicos são os que possuem as menores taxas de violência e criminalidade desse público.
A evolução histórica mostra que em 1927, com o Código de Menores (conhecido também como Código de Mello Matos), já se começa a pensar leis específicas para a infância e adolescência, por causa da preocupação com as crianças abandonadas e a preocupação crescente com a adolescência infratora. Nesse momento, também, começa a intensificação sobre a criminalização da pobreza, em que meninos e meninas pobres, mesmo não infratores, passam a ser encarados de forma preconceituosa, com a associação imediata. O Código faz com que a Justiça cuide tanto de questões de sua área quanto sociais (que não são de sua alçada), o que distorce ainda mais a realidade e reforça a visão generalizada de delinqüência.
De acordo com Maria de Lourdes, a Ditadura Militar intensificou a criminalização da pobreza e o segundo Código de Menores, de 1964, cria um órgão institucional, a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem), para tratar das crianças e adolescentes, trazendo a concepção dos "menores em situação irregular", colocando no mesmo "pacote" meninos e meninas pobres e os delinqüentes e criando políticas públicas para ambos. "O mal estar social aumentou", diz.
Somente com o artigo 227 da Constituição Federal, em 1988, e, depois, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), houve um marco legal para a mudança da concepção: agora, crianças e adolescentes são pessoas em peculiar fase de desenvolvimento, precisam de proteção integral e tornam-se sujeitos de direitos e deveres. Assim, uma criança em situação de pobreza não está irregular, mas precisa de medidas de proteção para superar o problema. O adolescente autor de ato infracional continua sendo responsabilizado pelos seus atos, mas com o direito a um processo legal, onde possa também se defender.
De forma geral, diz Maria de Lourdes Trassi, a juventude é uma fase de "difícil manejo" para os adultos, que precisam aprender a lidar com pecualiaridades e, ao mesmo tempo, impor limites. Depois do ECA, com o marco legal, começa o processo de mudança de cultura.

Maioridade penal

De acordo com a autora, junto à elevação do mal estar social em relação à adolescência, ao aumento da desigualdade, do consumismo e da criminalização da pobreza e o aumento da espetacularização pelos meios de comunicação dos crimes cometidos por adolescentes, cria-se um ambiente em que a sociedade, sentindo-se acuada, passa a pedir a redução da maioridade penal e a transformação do sistema de internação de adolescentes em sistema prisional. A ótica gerada é a de culpabilização idêntica a de um adulto.
A juventude é uma fase de "difícil manejo" para os adultos, que precisam aprender a lidar com pecualiaridades e, ao mesmo tempo, impor limites
Segundo Maria de Lourdes, em São Paulo, na década de 70, havia 398 adolescentes infratores internados. Mais de 30 anos depois, o número subiu para seis mil. Apesar do grande aumento, o índice os crimes cometidos por adolescentes são baixos em relação aos adultos.
A psicanalista lembra que a Constituição traz a presunção de inocência para qualquer pessoa. No caso do adulto, a não ser que seja preso em flagrante, existe a possibilidade de responder pelo crime em liberdade, até que se prove sua culpa. Para o adolescente, cuja concepção pelo Estatuto vai dos 12 aos 17 anos, desde que comete o crime, ela já entra no fluxograma do sistema de execução da Justiça, ficando internado, privado de liberdade, enquanto o processo ocorre e aguarda um julgamento, ainda que a sentença, no final, seja, suponha-se, para o cumprimento de uma medida em meio aberto, sem precisar ficar preso.

Febem de São Paulo

O sistema da Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (Febem) de São Paulo, da forma como está hoje - com conivência à agressão dos adolescentes e jovens internados, unidades superlotadas, dentre outros problemas - é impossível de continuar, segundo Maria de Lourdes. Para ela, é necessário transformar o modelo arquitetônico da Febem, com a construção de unidades de internação pequenas, como prevê o ECA, acabando com os grandes complexos que propiciam o agravamento da situação do adolescente.
Ela defende que as medidas possíveis sejam municipalizadas, até para trazer a responsabilização pela situação do jovem para a comunidade de sua origem e proporcionar que os outros direitos continuem garantidos e executados, como a convivência familiar e comunitária.
Sobre a formação dos profissionais que atendem nas unidades de internação, a autora afirma que "não vale a pena investir como está hoje", com funcionários, muitas vezes, coniventes com rebeliões ou praticando torturas. Isso ela atribui também ao próprio sistema, que necessita ser mudado. Para transformar, precisa-se de vontade política e da sociedade, segundo ela, que não estariam muito presentes.

Soluções

Para o fim do binômio adolescência e violência, sendo esse jovem tanto autor quanto vítima, a psicanalista propõe algumas soluções, inclusive para tentar quebrar o círculo vicioso do mal estar social em relação aos adolescentes.
Segundo ela, as soluções vêm a curto, médio e longo prazos. A curto, é necessário se tomar medidas para evitar o alto índice de mortes de jovens, como a criação de políticas sociais atraentes a esse público e a prevenção do envolvimento com o tráfico de drogas e a criminalidade.
A médio e longo prazos, Maria de Lourdes afirma que se deva dissociar o binômio adolescência e violência, com a construção de uma sociedade mais amorosa, menos desigual, com igualdade de oportunidades para jovens de todas as classes sociais. Para isso, ela pede que a escola auxilie na formação cidadã do jovem, na participação política e na criação de uma consciência crítica.

21 de novembro de 2006

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