Austin Heap posa com mouses. Ele criou um programa que mascara as informações trocadas na rede
Como um programador da Califórnia está ajudando os ativistas a driblar a censura oficial à internet no Irã
Um dos aspectos que celebrizaram a luta da oposição iraniana contra o governo do presidente Mahmoud Ahmadinejad foi o uso inteligente da internet para se organizar e divulgar a opressão do regime. Para driblar os agentes de segurança do governo do Irã, os ativistas iranianos contam com a ajuda de voluntários, especialistas em segurança da internet. O mais notável é Austin Heap, um americano de 26 anos, programador de São Francisco, na Califórnia. Graças ao programa que ele desenvolveu, os iranianos conseguem burlar o sistema de vigilância governamental e acessam sites da oposição, publicam vídeos no YouTube ou usam o serviço de micromensagens no Twitter.
No auge dos protestos contra a reeleição de Ahmadinejad, em junho do ano passado, Heap era um programador que prestava serviços para empresas de tecnologia da Califórnia. Homossexual, fã de games, também cuidava da tecnologia em uma ONG de defesa de minorias étnicas, quando ouviu certo dia seu namorado falar no uso que a oposição iraniana fazia da internet. Logo após o anúncio dos resultados, o Twitter foi inundado de mensagens que acusavam o governo de fraude eleitoral. Os iranianos passaram também a organizar protestos nas ruas, violentamente reprimidos pelas forças oficiais. Os ativistas usavam serviços de mensagem pelo celular, pelos blogs e pelo Twitter para se organizar e divulgar imagens da repressão. A multiplicação dessas mensagens chamou a atenção de Heap – e ele viu aí uma oportunidade de usar seus conhecimentos técnicos para ajudar os iranianos.
Heap publicou em seu blog um guia que ensinava os ativistas a usar um programa que desvia as informações pela rede por caminhos difíceis de rastrear. Mesmo assim, seu post foi descoberto por agentes iranianos, que conseguiram combater essa técnica. Enquanto buscava uma alternativa, Heap recebeu um chamado para um chat de alguém que se identificava como Quotemstr e dizia ser um dissidente ainda com acesso a informações do regime iraniano. Quotemstr passou a Heap documentos com os procedimentos de vigilância na internet usados pelo governo. Eram 96 páginas de códigos de programação escritas em persa. Heap decifrou os código interpretando os desenhos e desenvolveu um programa mais eficaz, chamado Haystack (palheiro, na tradução do inglês). A grande inovação do Haystack para driblar os sistemas de vigilância está na forma como ele transmite as informações pela internet. Em geral, os programas mais usados por ativistas usam códigos para transmiti-las de modo seguro, sem que elas possam ser decifradas pelos censores. Ainda assim, eles podem derrubar a conexão. Para evitar isso, o Haystack não apenas usa códigos seguros, mas também disfarça os dados de modo que, para um censor, eles parecem tráfego inócuo, como o acesso a sites de compras, lazer ou do próprio governo.
Depois dos 30 dias em que desenvolveu o Haystack, Heap distribuiu convites a ativistas-chave para testá-lo. “Queria privilegiar os ciberativistas, em detrimento a usuários que queriam o programa apenas para poder baixar música pirata”, disse Heap à revista americana Newsweek. Ironicamente, a lei americana proíbe qualquer exportação para o Irã, mesmo de um software usado para promover a liberdade. Ao perceber a importância do Haystack, o Departamento de Estado americano apressou sua liberação.
Heap é expoente de um movimento de hackers ativistas contra tiranias na internet
Com o apoio do governo americano, Heap fundou o Centro de Pesquisas da Censura, uma ONG que desenvolve programas para driblar a repressão em outros países. Ele apoia um movimento que ganhou mais corpo no último ano, conhecido como hackerativismo. Ele é formado por hackers que se unem em grandes fóruns virtuais para criar novas formas de burlar a censura na internet. Eles desenvolvem seus programas a partir de códigos básicos, aperfeiçoados por voluntários de todo o mundo.
Os hackers contam com o apoio de iranianos como Ali Yavari, de 24 anos, que se mudou há 11 meses para a Suécia, onde cursa um mestrado em redes de computadores. Yavari afirma apoiar toda iniciativa para burlar a censura do governo iraniano na internet. Mas diz que não é uma tarefa fácil. “No Irã, todos os provedores precisam comprar conexão de uma empresa iraniana ligada ao governo”, afirma. “Por isso é muito fácil bloquear o acesso a sites.” Yavari também lembra que não são só informações políticas que sofrem com as sanções do governo iraniano. Ele diz que seria impossível a uma empresa iraniana manter comunicações privadas – sem nenhum fim político – com filiais ou matrizes em outros países. “O governo bloqueia todas as redes privadas”, afirma. “O final dessa história vai ser: restrição, mais restrição e mais restrição.”
É difícil acreditar que os ativistas vençam um governo organizado como o iraniano. Em maio, o Irã anunciou a criação do Comando de Defesa Cibernética, o segundo maior exército de repressão na internet do mundo (atrás apenas dos censores chineses). A esperança dos hackers é que, mesmo diante de um governo bem equipado, a criatividade prevaleça. De sua ONG, na democrática Califórnia, Heap enviou um recado aos regimes repressores: “Uma criança travessa vai mostrar a vocês como deve funcionar a internet”.
Bruno Ferrari
Época
Um dos aspectos que celebrizaram a luta da oposição iraniana contra o governo do presidente Mahmoud Ahmadinejad foi o uso inteligente da internet para se organizar e divulgar a opressão do regime. Para driblar os agentes de segurança do governo do Irã, os ativistas iranianos contam com a ajuda de voluntários, especialistas em segurança da internet. O mais notável é Austin Heap, um americano de 26 anos, programador de São Francisco, na Califórnia. Graças ao programa que ele desenvolveu, os iranianos conseguem burlar o sistema de vigilância governamental e acessam sites da oposição, publicam vídeos no YouTube ou usam o serviço de micromensagens no Twitter.
No auge dos protestos contra a reeleição de Ahmadinejad, em junho do ano passado, Heap era um programador que prestava serviços para empresas de tecnologia da Califórnia. Homossexual, fã de games, também cuidava da tecnologia em uma ONG de defesa de minorias étnicas, quando ouviu certo dia seu namorado falar no uso que a oposição iraniana fazia da internet. Logo após o anúncio dos resultados, o Twitter foi inundado de mensagens que acusavam o governo de fraude eleitoral. Os iranianos passaram também a organizar protestos nas ruas, violentamente reprimidos pelas forças oficiais. Os ativistas usavam serviços de mensagem pelo celular, pelos blogs e pelo Twitter para se organizar e divulgar imagens da repressão. A multiplicação dessas mensagens chamou a atenção de Heap – e ele viu aí uma oportunidade de usar seus conhecimentos técnicos para ajudar os iranianos.
Heap publicou em seu blog um guia que ensinava os ativistas a usar um programa que desvia as informações pela rede por caminhos difíceis de rastrear. Mesmo assim, seu post foi descoberto por agentes iranianos, que conseguiram combater essa técnica. Enquanto buscava uma alternativa, Heap recebeu um chamado para um chat de alguém que se identificava como Quotemstr e dizia ser um dissidente ainda com acesso a informações do regime iraniano. Quotemstr passou a Heap documentos com os procedimentos de vigilância na internet usados pelo governo. Eram 96 páginas de códigos de programação escritas em persa. Heap decifrou os código interpretando os desenhos e desenvolveu um programa mais eficaz, chamado Haystack (palheiro, na tradução do inglês). A grande inovação do Haystack para driblar os sistemas de vigilância está na forma como ele transmite as informações pela internet. Em geral, os programas mais usados por ativistas usam códigos para transmiti-las de modo seguro, sem que elas possam ser decifradas pelos censores. Ainda assim, eles podem derrubar a conexão. Para evitar isso, o Haystack não apenas usa códigos seguros, mas também disfarça os dados de modo que, para um censor, eles parecem tráfego inócuo, como o acesso a sites de compras, lazer ou do próprio governo.
Depois dos 30 dias em que desenvolveu o Haystack, Heap distribuiu convites a ativistas-chave para testá-lo. “Queria privilegiar os ciberativistas, em detrimento a usuários que queriam o programa apenas para poder baixar música pirata”, disse Heap à revista americana Newsweek. Ironicamente, a lei americana proíbe qualquer exportação para o Irã, mesmo de um software usado para promover a liberdade. Ao perceber a importância do Haystack, o Departamento de Estado americano apressou sua liberação.
Heap é expoente de um movimento de hackers ativistas contra tiranias na internet
Com o apoio do governo americano, Heap fundou o Centro de Pesquisas da Censura, uma ONG que desenvolve programas para driblar a repressão em outros países. Ele apoia um movimento que ganhou mais corpo no último ano, conhecido como hackerativismo. Ele é formado por hackers que se unem em grandes fóruns virtuais para criar novas formas de burlar a censura na internet. Eles desenvolvem seus programas a partir de códigos básicos, aperfeiçoados por voluntários de todo o mundo.
Os hackers contam com o apoio de iranianos como Ali Yavari, de 24 anos, que se mudou há 11 meses para a Suécia, onde cursa um mestrado em redes de computadores. Yavari afirma apoiar toda iniciativa para burlar a censura do governo iraniano na internet. Mas diz que não é uma tarefa fácil. “No Irã, todos os provedores precisam comprar conexão de uma empresa iraniana ligada ao governo”, afirma. “Por isso é muito fácil bloquear o acesso a sites.” Yavari também lembra que não são só informações políticas que sofrem com as sanções do governo iraniano. Ele diz que seria impossível a uma empresa iraniana manter comunicações privadas – sem nenhum fim político – com filiais ou matrizes em outros países. “O governo bloqueia todas as redes privadas”, afirma. “O final dessa história vai ser: restrição, mais restrição e mais restrição.”
É difícil acreditar que os ativistas vençam um governo organizado como o iraniano. Em maio, o Irã anunciou a criação do Comando de Defesa Cibernética, o segundo maior exército de repressão na internet do mundo (atrás apenas dos censores chineses). A esperança dos hackers é que, mesmo diante de um governo bem equipado, a criatividade prevaleça. De sua ONG, na democrática Califórnia, Heap enviou um recado aos regimes repressores: “Uma criança travessa vai mostrar a vocês como deve funcionar a internet”.
Bruno Ferrari
Época
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