Não são apenas adultos frustrados que se entregam ao crack. Um dos moradores dos bueiros da QNN 3 é um menino de apenas 11 anos. A aparência do rosto, porém, esconde a pouca experiência. A face do pequeno Luís* está completamente destruída pela droga. Os olhos fundos, com olheiras marcadas e a pele queimada pelo sol, fazem-no parecer mais velho. O uso da droga estagnou seu crescimento. Pela estatura, ele pode ser confundido com uma criança de 7 anos. O garoto é o morador mais arredio do grupo e também o mais envolvido com as pedras. Quem visita o lugar, revela que é difícil vê-lo “limpo”. “Ele está o tempo todo drogado, não pode ver nada que rouba”, diz um frequentador da região. O pequeno Luís é também um dos mais famintos. Ele come três potes de sopa em minutos. Pega a comida e corre de volta para o bueiro. Franzino, nem precisa utilizar a entrada principal, consegue passar pelas frestas próximas ao asfalto.
Luís é de poucas palavras. Tem respiração difícil. É conhecido por cometer pequenos furtos na região. Para comprar a droga, tenta vender o que rouba. O pequeno é observado de perto por outro frequentador da região, João, 21 anos, também viciado. O jovem, porém, não mora no lugar. Vai apenas quando quer fumar crack. Consciente, ele sabe que precisa deixar o vício e sofre por se ver em meio aos usuários. “Tudo começou quando eu perdi o emprego. Vim para cá e gastei quase R$ 1 mil com as drogas que comprei. Caí nesse mundo”, revela. Influenciado por namoradas, rapidamente João se viu viciado. “Esses dias, deitado no sofá da sala, vi que a minha mãe me olhava e chorava. Não quero fazê-la sofrer, preciso de palavras, de alguém que me mande sair daqui”, diz.
Sem sonhos
A cada sexta-feira, 600 copos de sopa, de 250 mililitros cada, são distribuídos na Cracolândia de Ceilândia por um grupo de voluntários. Tratam-se dos integrantes do Idde, um grupo de trabalho do Ministério Batista Elim. A distribuição é comandada pelo pastor Luciano Gonzaga, um policial militar licenciado. O alimento chega a ser a base de sobrevivência de muitos moradores da região, que guardam parte do alimento doado para comer durante a semana. O trabalho é desenvolvido há dois anos, mas há oito o pastor trabalha na tentativa de resgatar viciados em drogas. Ele contabiliza já ter retirado 500 deles da rua. Desses, apenas 30 se mantiveram longe do vício, os demais retornaram para a marginalidade. “São pessoas que não têm mais sonhos. Não faltam para eles apenas objetivos de vida, é mais que isso, eles estão impossibilitados de sonhar”, considera.
A intenção do grupo é aumentar o trabalho para as cracolândias de Taguatinga, Samambaia e Plano Piloto.
Quando consegue resgatar alguém do vício, o grupo encaminha o usuário para clínicas de reabilitação em Brasília. “Mas temos o problema das crianças. Se elas me disserem que querem deixar aquele local vou ter que levá-las para a minha casa, porque no DF não há nenhum lugar para reabilitação infantil”, pondera. Todo o trabalho desenvolvido pelo grupo é feito com base em doações. Ao todo, 18 pessoas trabalham no projeto, que engloba a preparação e a distribuição das sopas .“Vamos até esses lugares para tentar conquistar a confiança das pessoas e tirá-las do vício. Mas para isso elas precisam querer”, conclui Luciano. (NO)
Violência assusta moradores
Além da falta de estrutura e de ventilação, os moradores do local também estão sujeitos a outro problema: a violência. Há duas semanas, um caminhão passou por cima da tampa de um dos bueiros que fica na ponta da rua. Com o peso do veículo, a estrutura de concreto se esfarelou. Um homem, que acabava de sair do lugar, por pouco não foi atropelado. A parte destruída serve agora de porta de entrada para o vão das residências, sem que os moradores precisem utilizar as entradas ao longo do meio fio.
Há uma semana, durante a madrugada, os moradores quase morreram queimados. Após uma briga com a companheira, um homem ateou fogo no lugar. As chamas deixaram o asfalto marcado, mas ninguém se feriu. A mulher envolvida na confusão, Adriana*, 24 anos, é usuária de crack e também mora no bueiro. Grávida de dois meses, ela ficou com os braços queimados após a confusão e conta, no entanto, outra versão para o ocorrido. Segundo ela, o fogo teria começado após um acidente quando mexia com Tinner. “Eu estava muito louca e coloquei fogo sem ver”, conta, revelando os efeitos do consumo do crack.
Magra, Adriana deixa o buraco por uma das aberturas no meio fio para tomar um pouco de sopa. Sob o efeito da droga, em um primeiro momento, ela não fala muito. Se contenta em pegar a comida e voltar para o seu esconderijo. Logo retorna e come mais uma vez. É difícil notar a barriga da gravidez. Já consciente, ela fala com alegria sobre o fato de ser mãe pela segunda vez. “Já tenho uma filha, de dois anos. Ela morava comigo, mas depois que vim para cá ela ficou com a minha mãe, no Paranoá”, revela. Antes de se tornar uma viciada, Adriana trabalhava como cabeleireira e manicure na cidade onde vivia com a mãe. “Eu tenho é muita cliente, você é que não sabe”, diz.
Agora, Adriana só vê a filha quando resolve visitar a família. “Quando a saudade aperta, eu vou. Também pego o cartão da minha mãe e compro carne de sol. Aí trago pra cá e peço para alguém do comércio fazer para mim. Eu mesma não tenho dinheiro”, conta. O corpo e as roupas são completamente tomados pela fuligem dos carros, que passam próximos ao bueiro em que vive, o último do lado direito da via. Uma aliança na mão direita revela um compromisso amoroso conflituoso. “Pastor, reza aqui pela gente, para pararmos de brigar. Nós nos separamos toda semana”, pede a usuária ao coordenador da distribuição de sopas, pastor Luciano Gonzaga. O companheiro de Adriana também é viciado em crack e se mantém pouco tempo consciente, até reaparecer drogado ainda naquela mesma noite.
Minutos após o Correio deixar os bueiros, tiros foram ouvidos na região. As brigas e discussões por causa da droga são constantes. Aos berros, os moradores improvisados tentam acertar dívidas ou desentendimentos. Para sustentar o vício, muitos dos que ali vivem partem para a marginalidade. Mulheres se prostituem, crianças pedem esmolas e jovens vivem para servir ao tráfico. Outros, no entanto, não são usuários e simplesmente escolheram viver ali. “Me sinto seguro na rua”, afirma um senhor que mora nos bueiros, mas não compartilha com os colegas o vício pela pedra.(NO)
Crimes ligados ao vício
Estimativa da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSPDF) revelou que 27% dos crimes registrados nas delegacias, no primeiro trimestre de 2010, estão associados ao tráfico de drogas, principalmente ao crack
Drogas no Castelo de Grayskull
Perto dos bueiros habitados, na QNN 13, outro grupo de usuários de crack encontrou um lugar para se abrigar do frio e da polícia. Eles vivem em um ginásio de esportes abandonado. O local foi apelidado de Castelo de Grayskull, em alusão ao desenho animado He-Man, que animava as manhãs das crianças brasileiras nos anos 1980. A estrutura faz parte do Centro Cultural inacabado da Ceilândia. A obra, iniciada em 1986, até hoje não foi concluída. Atualmente, o lugar é um dos mais temidos da Ceilândia, devido ao grande número de ocorrências registradas na região.
No ginásio, os bancos foram transformados em estruturas ocas, que abrigam viciados e moradores de rua em seu interior. A moradia coletiva é comandada por uma mulher conhecida como “mãe negona”. As salas do lugar, pequenos cômodos que serviriam como almoxarifados, foram transformados em quartos. Em cada um, dormem aproximadamente cinco pessoas. O ambiente é composto por colchões encardidos e resquícios de droga. “Estou morando aqui desde que saí da cadeia, há um ano, antes, morava com a minha mãe aqui em Ceilândia mesmo”, conta o jovem de 21 anos, Thiago. Com saudades, ele liga para a mãe praticamente toda semana, mas não tem coragem de visitá-la. “Um dia sairei daqui”, promete.
Thiago divide o quarto com um ex-motorista de 45 anos. Carlos, o companheiro, quer se internar para deixar o crack. Ele, a ex-mulher e o filho dela são viciados. Mas a companheira se nega a aceitar tratamento. “Ela queria que eu comprasse um barraco para ela, mas é claro que eu não vou fazer isso, para depois eu me recuperar e ela ter gastado o dinheiro todo com droga”, considera. No fim da noite, o homem revela um pedido especial ao pastor que leva sopa ao local. “Faz uma faixa para gente colocar aqui na entrada. Nela, eu quero que o senhor escreva: ‘Existe um chance’.” (NO)
* Nomes fictícios para preservar a identidade dos usuários
Ajude
Quem quiser contribuir com doações para o trabalho desenvolvido pelo Ministério Batista Elim, na Cracolândia, pode mandar um e-mail para prlucianogonzaga@gmail.com
Luís é de poucas palavras. Tem respiração difícil. É conhecido por cometer pequenos furtos na região. Para comprar a droga, tenta vender o que rouba. O pequeno é observado de perto por outro frequentador da região, João, 21 anos, também viciado. O jovem, porém, não mora no lugar. Vai apenas quando quer fumar crack. Consciente, ele sabe que precisa deixar o vício e sofre por se ver em meio aos usuários. “Tudo começou quando eu perdi o emprego. Vim para cá e gastei quase R$ 1 mil com as drogas que comprei. Caí nesse mundo”, revela. Influenciado por namoradas, rapidamente João se viu viciado. “Esses dias, deitado no sofá da sala, vi que a minha mãe me olhava e chorava. Não quero fazê-la sofrer, preciso de palavras, de alguém que me mande sair daqui”, diz.
Sem sonhos
A cada sexta-feira, 600 copos de sopa, de 250 mililitros cada, são distribuídos na Cracolândia de Ceilândia por um grupo de voluntários. Tratam-se dos integrantes do Idde, um grupo de trabalho do Ministério Batista Elim. A distribuição é comandada pelo pastor Luciano Gonzaga, um policial militar licenciado. O alimento chega a ser a base de sobrevivência de muitos moradores da região, que guardam parte do alimento doado para comer durante a semana. O trabalho é desenvolvido há dois anos, mas há oito o pastor trabalha na tentativa de resgatar viciados em drogas. Ele contabiliza já ter retirado 500 deles da rua. Desses, apenas 30 se mantiveram longe do vício, os demais retornaram para a marginalidade. “São pessoas que não têm mais sonhos. Não faltam para eles apenas objetivos de vida, é mais que isso, eles estão impossibilitados de sonhar”, considera.
A intenção do grupo é aumentar o trabalho para as cracolândias de Taguatinga, Samambaia e Plano Piloto.
Quando consegue resgatar alguém do vício, o grupo encaminha o usuário para clínicas de reabilitação em Brasília. “Mas temos o problema das crianças. Se elas me disserem que querem deixar aquele local vou ter que levá-las para a minha casa, porque no DF não há nenhum lugar para reabilitação infantil”, pondera. Todo o trabalho desenvolvido pelo grupo é feito com base em doações. Ao todo, 18 pessoas trabalham no projeto, que engloba a preparação e a distribuição das sopas .“Vamos até esses lugares para tentar conquistar a confiança das pessoas e tirá-las do vício. Mas para isso elas precisam querer”, conclui Luciano. (NO)
Violência assusta moradores
Além da falta de estrutura e de ventilação, os moradores do local também estão sujeitos a outro problema: a violência. Há duas semanas, um caminhão passou por cima da tampa de um dos bueiros que fica na ponta da rua. Com o peso do veículo, a estrutura de concreto se esfarelou. Um homem, que acabava de sair do lugar, por pouco não foi atropelado. A parte destruída serve agora de porta de entrada para o vão das residências, sem que os moradores precisem utilizar as entradas ao longo do meio fio.
Há uma semana, durante a madrugada, os moradores quase morreram queimados. Após uma briga com a companheira, um homem ateou fogo no lugar. As chamas deixaram o asfalto marcado, mas ninguém se feriu. A mulher envolvida na confusão, Adriana*, 24 anos, é usuária de crack e também mora no bueiro. Grávida de dois meses, ela ficou com os braços queimados após a confusão e conta, no entanto, outra versão para o ocorrido. Segundo ela, o fogo teria começado após um acidente quando mexia com Tinner. “Eu estava muito louca e coloquei fogo sem ver”, conta, revelando os efeitos do consumo do crack.
Magra, Adriana deixa o buraco por uma das aberturas no meio fio para tomar um pouco de sopa. Sob o efeito da droga, em um primeiro momento, ela não fala muito. Se contenta em pegar a comida e voltar para o seu esconderijo. Logo retorna e come mais uma vez. É difícil notar a barriga da gravidez. Já consciente, ela fala com alegria sobre o fato de ser mãe pela segunda vez. “Já tenho uma filha, de dois anos. Ela morava comigo, mas depois que vim para cá ela ficou com a minha mãe, no Paranoá”, revela. Antes de se tornar uma viciada, Adriana trabalhava como cabeleireira e manicure na cidade onde vivia com a mãe. “Eu tenho é muita cliente, você é que não sabe”, diz.
Agora, Adriana só vê a filha quando resolve visitar a família. “Quando a saudade aperta, eu vou. Também pego o cartão da minha mãe e compro carne de sol. Aí trago pra cá e peço para alguém do comércio fazer para mim. Eu mesma não tenho dinheiro”, conta. O corpo e as roupas são completamente tomados pela fuligem dos carros, que passam próximos ao bueiro em que vive, o último do lado direito da via. Uma aliança na mão direita revela um compromisso amoroso conflituoso. “Pastor, reza aqui pela gente, para pararmos de brigar. Nós nos separamos toda semana”, pede a usuária ao coordenador da distribuição de sopas, pastor Luciano Gonzaga. O companheiro de Adriana também é viciado em crack e se mantém pouco tempo consciente, até reaparecer drogado ainda naquela mesma noite.
Minutos após o Correio deixar os bueiros, tiros foram ouvidos na região. As brigas e discussões por causa da droga são constantes. Aos berros, os moradores improvisados tentam acertar dívidas ou desentendimentos. Para sustentar o vício, muitos dos que ali vivem partem para a marginalidade. Mulheres se prostituem, crianças pedem esmolas e jovens vivem para servir ao tráfico. Outros, no entanto, não são usuários e simplesmente escolheram viver ali. “Me sinto seguro na rua”, afirma um senhor que mora nos bueiros, mas não compartilha com os colegas o vício pela pedra.(NO)
Crimes ligados ao vício
Estimativa da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSPDF) revelou que 27% dos crimes registrados nas delegacias, no primeiro trimestre de 2010, estão associados ao tráfico de drogas, principalmente ao crack
Drogas no Castelo de Grayskull
Perto dos bueiros habitados, na QNN 13, outro grupo de usuários de crack encontrou um lugar para se abrigar do frio e da polícia. Eles vivem em um ginásio de esportes abandonado. O local foi apelidado de Castelo de Grayskull, em alusão ao desenho animado He-Man, que animava as manhãs das crianças brasileiras nos anos 1980. A estrutura faz parte do Centro Cultural inacabado da Ceilândia. A obra, iniciada em 1986, até hoje não foi concluída. Atualmente, o lugar é um dos mais temidos da Ceilândia, devido ao grande número de ocorrências registradas na região.
No ginásio, os bancos foram transformados em estruturas ocas, que abrigam viciados e moradores de rua em seu interior. A moradia coletiva é comandada por uma mulher conhecida como “mãe negona”. As salas do lugar, pequenos cômodos que serviriam como almoxarifados, foram transformados em quartos. Em cada um, dormem aproximadamente cinco pessoas. O ambiente é composto por colchões encardidos e resquícios de droga. “Estou morando aqui desde que saí da cadeia, há um ano, antes, morava com a minha mãe aqui em Ceilândia mesmo”, conta o jovem de 21 anos, Thiago. Com saudades, ele liga para a mãe praticamente toda semana, mas não tem coragem de visitá-la. “Um dia sairei daqui”, promete.
Thiago divide o quarto com um ex-motorista de 45 anos. Carlos, o companheiro, quer se internar para deixar o crack. Ele, a ex-mulher e o filho dela são viciados. Mas a companheira se nega a aceitar tratamento. “Ela queria que eu comprasse um barraco para ela, mas é claro que eu não vou fazer isso, para depois eu me recuperar e ela ter gastado o dinheiro todo com droga”, considera. No fim da noite, o homem revela um pedido especial ao pastor que leva sopa ao local. “Faz uma faixa para gente colocar aqui na entrada. Nela, eu quero que o senhor escreva: ‘Existe um chance’.” (NO)
* Nomes fictícios para preservar a identidade dos usuários
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