domingo, 19 de setembro de 2010

Mulheres com dificuldades financeiras se dispõem a comercializar o ventre


No início dos anos 1990, o tema inspirou uma telenovela. Na trama, um casal impossibilitado de ter filhos paga uma jovem para que ela empreste seu útero. A gravidez transcorre sem problemas, mas a gestante, tomada pelo sentimento de maternidade, se nega a entregar a criança após o parto. Começa uma batalha judicial que se estende até o último capítulo. A ficção reproduziu a história de milhares de mulheres no Brasil que não podem realizar o sonho de dar à luz uma criança. No Distrito Federal não é diferente. É cada vez mais comum encontrar alguém disposta a alugar o ventre, — por meio da técnica de fertilização in vitro —, em troca de dinheiro.
Durante uma simples busca em sites de classificados, o Correio identificou 65 anúncios de mulheres que cobram entre R$ 50 mil e R$ 400 mil para passar nove meses carregando um bebê e depois entregá-lo a outra pessoa. A prática é até aceita no Brasil, mas com uma série de restrições. A Resolução nº 1.358/92 (ver Para saber mais), do Conselho Federal de Medicina (CFM), prevê que a gravidez de substituição seja feita apenas entre pessoas com parentesco até segundo grau, desde que não envolva dinheiro. Quem estiver fora desse perfil pode responder criminalmente. O artigo 242, do Código Penal Brasileiro (CPB), prevê punição de até seis anos de reclusão para aquela que “dar parto alheio como próprio ou registrar como seu filho de outrem”.
No entanto, o medo de ir parar atrás das grades parece não assustar aquelas que mantém anúncios na rede mundial. A servidora pública Anita (nome fictício), 33 anos, há um ano, decidiu que compraria sua casa própria com o dinheiro de uma barriga de aluguel. Para chamar a atenção dos interessados, ela elencou seus atributos no anúncio: “Sou alta, branca, sem vícios e 100% saudável. Deixo acompanhar o pré-natal. Garanto sigilo absoluto”, diz o texto, acompanhado de um pseudônimo e o número de um telefone celular.
Ela revelou que cobra R$ 190 mil e sabe que está praticando uma infração. “Sei que posso até ser presa por isso, mas estou decidida a fazer. Não estou me importando com o que os outros pensam, nem tenho medo de me apegar à criança porque desde o primeiro momento vou tratar a gravidez como um negócio”, afirmou a servidora.
Anita diz já ter recebido quatro ligações de casais, mas nenhum fechou o negócio. “Acho que eles têm medo. A última vez, uma mulher me ligou e começou a chorar. Disse que queria muito um filho que todos pensassem que fosse dela, mas tinha medo de ir adiante”, contou.
Já a costureira Adriana (nome fictício), 37 anos, aposta na barriga de aluguel para sanar uma dívida de R$ 40 mil que teve ao entrar num negócio malsucedido. “Estou desesperada. Quero que apareça logo alguém que pague o que estou pedindo (R$ 100 mil). Quero quitar minha dívida e dar uma vida melhor aos meus dois filhos. Essa é a forma mais fácil que encontrei de levantar todo esse dinheiro todo. Só com o salário do trabalho, não dá”, explicou.

Falta legislação
Para o titular da Promotoria de Defesa dos Usuários de Serviços de Saúde (Provida), Diaulas Ribeiro, a falta de uma legislação específica sobre o assunto dificulta uma fiscalização mais rigorosa. Atualmente, está parado na Câmara Federal o Projeto de Lei nº 90, de 1999, que cria regras para os procedimentos de reprodução assistida no Brasil. Um dos parágrafos regulamenta a gestação de substituição, em que uma mulher se submeta a uma inseminação artificial com o objetivo de gerar uma criança para outra mulher que comprovadamente não possa ter filhos. “Esse projeto está parado há muito tempo e já precisa ser reformulado. O que tem regido esta matéria é uma resolução do CFM, mas ela é apenas para controle dos médicos. A falta de uma lei específica leva as pessoas para dois caminhos: a Justiça ou crime. A maioria escolhe a segunda opção”, afirmou Diaulas Ribeiro.
A professora de bioética da Universidade de Brasília (UnB) Déborah Diniz considera o assunto delicado. Segundo ela, a maternidade ocupa um lugar central na vida das mulheres e não é difícil explicar quando alguém resolve adotar a prática da barriga de aluguel. “A mercantilização do corpo é um tema delicado do ponto de vista ético. De um lado, há um mercado perverso, em que quem geralmente vende são mulheres pobres ou vulneráveis à exploração e, de outro, quem compra são mulheres desesperadas por um filho e, regra geral, com problemas de infertilidade involuntária”, ressaltou.
A docente reconhece que não é possível definir qual será o comportamento da mulher que se submete a essa prática. “Pode haver diferentes experiências nesse caso. Mulheres que tratam como um simples negócio. Outras que se arrependem. E as que sofrem. Não há, como em outras práticas e relações sociais, um padrão de comportamento afetivo, social ou psicológico.

Bebês de proveta
A inglesa Louise Brown, foi o primeiro bebê de proveta do mundo e despertou o mercado de fertilização in vitro, que é a técnica em que o óvulo é fecundado em laboratório. Há 30 anos, a chance de uma gravidez dessa natureza vingar era de 5%. Hoje, esse percentual é quase dez vezes maior.

Norma veda o comércio
A Resolução do CFM nº 1.358/92 determina que as técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes. Elas podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente. A doação nunca terá caráter lucrativa ou comercial.

Saulo Araújo


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