quarta-feira, 19 de maio de 2010

Pomada de lidocaína vencida pode ser causa de mortes em endoscopia em Santa Catarina


FLORIANÓPOLIS - A morte de duas mulheres submetidas a exame de endoscopia numa clínica médica particular em Joaçaba, em Santa Catarina, pode ter sido consequência da aplicação de um medicamento fora do prazo de validade. Uma pomada de lidocaína usada, vencida em 9 de março, e encontrada no lixo da sala do exame, reforçou a suspeita da polícia. Além de utilizar material inadequado, a Conci Clínica Médica não tinha alvará para procedimentos invasivos (internos ao corpo), o que inclui a endoscopia.
A Secretaria Municipal de Saúde informou que o local, interditado nesta segunda-feira, tinha apenas permissão para realizar consultas. A descoberta ocorreu quando o delegado Maurício Pretto e fiscais da Vigilância Sanitária abriram os envelopes apreendidos na Conci Clínica Médica, na sexta-feira, dia das mortes.
A Polícia Civil acredita que a lidocaína, utilizada como anestésico de via oral, seja a causa mais provável dos efeitos colaterais nos oito pacientes que foram submetidos ao exame. Além das duas mortes, outras seis pessoas foram internadas - somente uma delas permanece no hospital.
Para o delegado, o prazo de validade vencido da pomada, uma superdosagem ou um erro de manipulação do anestésico são as hipóteses mais fortes para as causas da tragédia.
A coordenadora do Centro de Informações sobre Medicamentos da Universidade do Vale do Itajaí, professora Ana Paula Veber, disse que o prazo de validade é determinado para preservar a chamada estabilidade, ou seja, garantir a segurança do paciente e a eficácia do produto.
Em caso de vencimento podem ocorrer três situações: o medicamento não fazer efeito, tornar-se um local propício para a procriação de bactérias e fungos ou degradação, transformado o medicamento em substância tóxica ao organismo. A última possibilidade é a mais provável, de acordo com a professora.
A pomada foi manipulada pela Farmácia Granatta, em Itajaí, no dia 9 de novembro de 2009. A proprietária disse que consultaria um advogado e se manifestaria, o que não ocorreu até a noite de segunda-feira. Apesar da descoberta de medicamentos vencidos, a suspeita dos efeitos colaterais serem causadas pelo sedativo Compaz Diazepan não foi descartada.
A lidocaína e o outros materiais recolhidos do consultório serão encaminhados ao Instituto Geral de Perícias (IGP) na terça-feira. O exame será realizado pelo Instituto de Análises Ambulatoriais, em Florianópolis.
A avaliação de seringas novas e usadas, amostras de água destilada, material de assepsia, lixo hospitalar, ampolas e frascos de diazepan manipulados e de uso comercial pode determinar a causa das mortes. O caso terá prioridade, mas o resultado não ficará pronto em menos de 20 dias.
Na segunda-feira, fiscais da vigilância sanitária interditaram a clínica. De acordo com a fiscal Kátia Valentini, a decisão é uma medida cautelar para evitar que o médico Denis Conci Braga continue atendendo.

Local não tinha equipamento de emergência
Raquel Bittencourt, diretora da Vigilância Sanitária estadual, afirma que vistorias apontaram a falta de alguns equipamentos de emergência. Também não havia sala de repouso nem aparelho de oxigênio, item considerado obrigatório. Até a sexta-feira, a Vigilância Sanitária deve elaborar um relatório com as irregularidades encontradas.
O documento será redigido por quatro técnicos de Florianópolis enviados a Joaçaba para investigar a causa da morte. Eles vão analisar os sintomas apresentados pelos pacientes e uma possível relação com os medicamentos. Outra tarefa é rastrear a origem dos produtos.
A Polícia Civil aguarda os laudos periciais e exames bioquímicos. O delegado Maurício Pretto acredita que os resultados vão explicar as causas da morte da dona de casa Maria Rosa de Almeida dos Santos, 51 anos, de Joaçaba; e da agricultora de Iomerê Santa Pagliarini Sipp, 60 anos.
O médico Denis Conci Braga, que fez a endoscopia nas duas, foi preso em flagrante por homicídio culposo, sem intenção de matar. Ele foi liberado depois de pagar fiança de R$ 2.550.
A clínica onde o procedimento foi realizado existe há quatro anos. O último alvará de funcionamento foi emitido pela prefeitura em abril deste ano, mas permitia apenas consultas. Nem o órgão municipal ou a Vigilância Sanitária estadual receberam pedidos de alvará para realização de endoscopias e outros procedimentos invasivos.
O advogado do médico Denis Conci Braga, Germano Bess, considerou a interdição da clínica do seu cliente, segunda pela manhã, prematura e disse que "quem não deve não teme".
- Enquanto não houver o laudo pericial, interditar é prematuro. Braga tomou todos os procedimentos corretos e penso que o erro esteja em algum medicamento utilizado.
Braga e o advogado não foram localizados à tarde para comentar sobre a pomada com prazo de validade vencido.


O Globo

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