sábado, 8 de maio de 2010

Sem lei específica, bancos decidem regras de acesso de cliente a agência


Advogados dizem que não existe lei sobre funcionamento de porta giratória.
Código de Defesa do Consumidor e Constituição tocam no tema 'por cima'.

O Código de Defesa do Consumidor e a Constituição Federal são as únicas defesas dos clientes de bancos barrados em portas giratórias, de acordo com especialistas ouvidos pelo G1. Na falta de legislação específica sobre o tema, ele é tratado em comunicados internos dos bancos, em recomendações da Federação dos Bancos (Febraban) para os associados e em portarias do Banco Central e da Polícia Federal, baseados em três leis federais. A principal delas editada em 1983, ainda no governo militar.
Incidentes como o ocorrido nesta quinta-feira (6) na Zona Leste de São Paulo, quando o aposentado Domingos Conceição dos Santos, de 47 anos, foi baleado por um vigilante após ser barrado por usar um marca-passo, são tratados como casos isolados.
A Febraban lamentou o incidente desta semana na agência do Bradesco de São Miguel Paulista e informou que orienta os clientes que usam marca-passo a procurar um funcionário do banco, que, mediante a apresentação dos documentos, deve liberar a entrada por outro local. "O caso registrado na última quinta-feira constitui uma ocorrência lamentável, porém isolada", disse a Febraban, em nota enviada ao G1.
"O Supremo Tribunal Federal (STF) entende que o banco em si é um estabelecimento fornecedor e está sob as regras gerais do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que diz, por exemplo, que o cliente deve ser tratado sem discriminação e com proteção contra riscos de produtos e serviços", diz o ex-promotor público de São Paulo e advogado especialista em direito do consumidor Rodrigo Mesquita Pereira.
"Legalmente falando, o que não pode ocorrer é um tratamento vexatório, um constrangimento, qualquer tipo de discriminação na entrada do banco. O consumidor tem o direito de reclamar disso diante da Justiça e até de reclamar de danos morais, embora seja de difícil reconhecimento no Judiciário brasileiro", afirma Mariana Ferraz, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.
"Isso é respaldado pela Constituição Federal e pelo próprio CDC", complementa. "Também existe o princípio da boa fé objetiva do consumidor, que deve ser visto como honesto. Não pode se partir do pressuposto de que o consumidor é um ladrão", afirma.
A Febraban informou em nota enviada ao G1 que a lei federal 7.102/83, assinada pelo ex-presidente João Figueiredo, estabelece os dispositivos que devem compor o sistema de segurança das agências bancárias. O Banco Central, no comunicado 11.224, de 2003, também se apóia nesta lei para permitir o funcionamento das agências bancárias. A autorização de funcionamento é sempre vinculada à apresentaçao de um plano de segurança aprovado e fiscalizado pela Polícia Federal.
Consultada pelo G1, a Fundação Procon-SP informou que o Código de Defesa do Consumidor determina que todos os serviços devem ser prestados ao consumidor de forma eficiente, adequada e segura.
"Com referência às portas giratórias dispostas à entrada das instituições bancárias, o Procon-SP entende que os bancos devem capacitar os seus funcionários para que o dispositivo atenda à função de garantir a segurança dos consumidores. O dispositivo jamais deve ser utilizado como forma de discriminar, constranger ou provocar danos físicos."
Segundo o Procon, os consumidores que forem impedidos, em função da porta giratória, de entrar na instituição e que, em decorrência deste fato, tiverem danos materiais, como, por exemplo, deixar de efetuar pagamentos, contas ou qualquer outra transação bancária, podem denunciar o fato à fundação. Em casos de dano moral, o consumidor deve procurar o Poder Judiciário.
Com relação ao caso ocorrido na agência bancária em São Miguel Paulista, o Procon-SP instaurou averiguação preliminar a fim de apurar os fatos.
A portaria 387 da Polícia Federal, que disciplina as atividades de segurança privada desenvolvidas pelas empresas especializadas dentro dos bancos, define os direitos e deveres do vigilante. Entre os direitos, além do porte de arma, está o acesso a treinamento regular e prisão especial por ato decorrente do exercício da atividade. Entre os deveres está exercer as suas atividades com urbanidade e probidade.
No manual do vigilante disponível no site da Polícia Federal, a corporação orienta os treinandos a sempre que for necessário usar a força, mas que ela seja usada de forma moderada e proporcional à resposta do suspeito, nas seguintes escalas: presença ostensiva do vigilante, verbalização, controle de contato, técnicas de submissão, táticas defensivas não letais e só então força letal.

Precedentes
A informação dos especialistas de que a Justiça não costuma reconhecer danos morais a quem fica preso na porta giratória pode ser comprovada em pelo menos dois casos que o G1 acompanha.
Em março do ano passado, a empregada doméstica Doralice Muniz Barreto teve de tirar a blusa para passar pela porta giratória de uma agência em Jundiaí, cidade localizada a 58 km de São Paulo. Ela estava com duas marmitas de plástico na bolsa, de acordo com sua advogada, Gabriela Zara de Barros, que a representa em uma ação reivindicando R$ 70 mil por danos morais. O juiz já tomou a decisão a respeito do caso, ainda não publicada oficialmente, mas a advogada é cética quanto à possibilidade de obter uma sentença favorável. "Fomos chamadas apenas uma vez. Não teremos boas notícias", disse a advogada.
Com dificuldade de locomoção sem cadeiras de rodas, Maria Lúcia de Oliveira Soares Terra afirma que foi impedida, em agosto de 2008, de entrar pela porta giratória de uma agência bancária. A Justiça julgou o pedido improcedente.
"A vida é composta por prazeres e desprazeres. Indenizável é o dano moral sério. Não é possível franquear a entrada de muletas através da porta giratória sem risco de comprometer a segurança da agência", disse a juíza Lucila Toledo Pedroso Barros.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Verbratec© Desktop.