Ela prefere não se identificar. Mas conta que o filho começou a ter comportamento agressivo desde os primeiros anos. Os períodos de mudança na economia do país acompanharam a sua busca de ajuda para o filho – ela pagou tratamentos em dólar, otn´s, btn´s, cruzeiro, em reais. O filho hoje tem 31 anos, e ela classifica a convivência como um inferno. "Palavrões, ele não tem o mínimo de respeito, não existe essa palavra no dicionário dele. São palavrões horríveis, e isso pronunciado pra mãe e pro pai. Agressão, fora essas subtrações que vão tendo e você não tem domínio. Você pode trancar a casa inteira e sair. Ele entra e tira a porta. Então é uma coisa sem controle. Não trabalha, não estuda, não faz nada de nada." Depois de décadas de tratamentos diversos, a mãe recebeu um novo diagnóstico: o de que o filho era um psicopata. "Eu assumo que meu filho é psicopata, eu assumo que ele é. É uma indiferença, é uma coisa assim. Vamos supor, você tem uma jóia que você ame, que você deu o sangue pra comprar. Ele vai pegar aquilo ali e vai sumir, pouco se importando. É ele, ele, sempre ele. Você compra comida pra todo mundo, ele come, come, come. Não interessa se tem mais gente pra comer, se vai chegar o irmão mais tarde. Não interessa, ele comeu e pronto." O neurologista Ricardo de Oliveira é autor de um estudo de mapeamento de emoções no cérebro. A pesquisa mostra que pessoas apontadas como psicopatas tem defeitos de processamento de emoções no cérebro. O estudo desse tema fez com que o médico cunhasse uma expressão: a psicopatia comunitária, aquela em que a pessoa nem sempre é criminosa, mas sempre causa muito sofrimento para quem está próximo. "É exatamente aquele sujeito que ele não tem um ficha criminal. Ele é um parasita, ele está sempre na manga dos outros. Ele é mentiroso, é incapaz de ser independente, de ter autonomia e gerar recurso. Não fica no emprego, é o sujeito que está sempre dando azar na vida, os outros fizeram alguma contra ele. Mentiroso, muito mentiroso." Se essas pessoas tem um defeito no cérebro elas podem ser responsabilizadas pelas maldades que fazem? O neurologista Ricardo de Oliveira diz que essa é uma pergunta ainda sem resposta. Ele diz também que espera-se o desenvolvimento de remédios que possam atuar nesses casos, mas aí também entra um debate sobre a ética de se alterar a personalidade das pessoas. A pergunta de porque a maldade existe intriga filósofos há milênios, mas a única constatação que se pode fazer é simples: algumas pessoas são mais perversas que outras. "Todo mundo tem seu dia de capeta. Essas pessoas, para elas todos os dias são dias maus. O que distingue isso de uma pessoa normal é que uma pessoa normal é ocasionalmente má, mas a característica dessas pessoas é que elas têm uma história de vida que se a coisa não satisfizer o interesse imediato delas, elas são egoístas e não se incomodam em perpetrar a maldade."O especialista em neurofisiologia do comportamento, Renato Sabbatini, destaca que a sociopatia pode ser encontrada em qualquer ambiente, inclusive entre autoridades e políticos. "Infelizmente, muitos políticos são sociopatas, porque o sociopata sobe rapidamente na escala social devido ao fato dele ser mau caráter, abusar das pessoas, roubar e mentir muito bem. Nunca foi feito um estudo como nisso, mas pode ser que a sociopatia seja maior entre os líderes. Pelo menos em alguns casos, como nos casos do Hitler e do Stalin. Muitos torturadores, inclusive aqui no Brasil no passado, os torturadores ou que trabalham na polícia, eles escolhem a polícia, eles escolhem as forças armadas porque lá eles podem exercer legalmente a sociopatia deles." Os especialistas apontam que os traços de psicopatia fazem parte da constituição da pessoa. Ou seja, há um componente genético envolvido e algum fator externo que faz o comportamento individualista aparecer. Não se sabe ainda o que desencadeia esse comportamento. No entanto, a doutora em psiquiatria forense, Hilda Morana, aponta que uma sociedade que adota a impunidade é um terreno fértil para que psicopatas vivenciem seus impulsos. "Então, o que acontece com os psicopatas do Canadá, da Suécia, Suíça? Eles vêm pro Brasil, porque no Brasil você tem uma tal de impunidade penal. Em vez de sequestrar filha de empresário no Canadá, vamos sequestrar no Brasil, que a chance de ser preso é muito pequena. Existem muitos casos de estrangeiros que vem para o Brasil? Muito. Só em São Paulo a gente tem duas cadeias só pra estrangeiro, com mil homens."Hilda Morana defende que os psicopatas condenados por crimes sejam presos separados dos outros. Ela destaca que o psicopata se impõe na cadeia, o que faz com que condenados com chances de recuperação adotem comportamentos mais violentos apenas para não serem vítimas da violência doentia dos psicopatas. Para ela, o sistema carcerário teria muitos benefícios com esse tipo de triagem. Hilda destaca que não existe cura, mas que é possível melhorar o comportamento de quem apresenta psicopatia. "Você entra com o tratamento a qualquer momento. Quanto mais cedo, melhor você vai ter o desenvolvimento. É um problema cerebral, é um defeito cerebral, então você não tem cura. Mas você tem como atenuar a manifestação desse comportamento, melhorar o funcionamento desse cérebro, tem uma medicação que é melhor do que as outras pra atenuar esse comportamento. Você não vai mudar o caráter dele, mas você vai fazer esse cérebro funcionar um pouquinho melhor."Hilda Morana destaca que o ideal seria que as escolas capacitassem os professores a reconhecer e encaminhar alunos com transtorno de personalidade para um tratamento precoce. Se a abordagem com adultos é mais difícil, já que o comportamento está mais consolidado, entre crianças e jovens a possibilidade de mudança é muito maior. E é justamente esse o tema da nossa reportagem de amanhã.
Fonte: Rádio Câmara
Foto: Jor Manuri
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