sábado, 18 de julho de 2009

Sociológo diz que nada justifica toque de recolher em MS


O sociólogo Gonçalo Santa Cruz de Souza surge como uma das principais vozes hoje no Estado contra o toque de recolher que se propaga pelo interior de Mato Grosso do Sul e de outros 7 estados brasileiros.

Doutor em História Social pela USP (Universidade de São Paulo), e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, ele alerta para o prejuízo que pode representar a medida para uma geração formada sob normas de exceção.
A lógica de juízes que decidiram sobre o horário máximo de permanência nas ruas é equivocada, na opinião de Gonçalo, sobretudo por trancar em casa crianças e adolescentes em cidades onde o lazer já e considerado muito restrito por todos.
Outro grande perigo, pontua o sociólogo, é o fato do Judiciário usar do poder de suspender direitos individuais.
Ele lembra que o toque de recolher é um mecanismo legal que tem aplicações restritas e específicas, justificado apenas em casos de grande perturbação da ordem pública.
Os atuais índices de violência no Estado não são, avalia o sociólogo, nem de longe suficientes para que sejam suspensas as liberdades individuais.
Segundo ele, nada na história comprovou a eficiência da supressão de direitos como estratégia para reduzir a carga de violência social.
“Os organismos policiais estão agindo para simplesmente tirarem das ruas os indivíduos que nela podem, se quiserem, permanecer”, entre eles os menores que não cometeram nenhum ato infracional, salienta.
A determinação sacrifica milhares de adolescentes pelos crimes cometidos por alguns, reforça.
Para ele, o que a Justiça consegue é dar “um tiro no pé”, facilitando a vida de quem é realmente criminoso.
“Os drogados, os aliciadores de menores, os pedófilos, os traficantes e até mesmo os menores infratores e suas famílias negligentes que deveriam ser a principal preocupação desses organismos de fiscalização terão sua vida de irregularidades facilitada, uma vez que boa parte do efetivo policial coator estará em busca de menores que estão fora do toque de recolher”.
Para o sociólogo, as inversões de valores e de funções ficam evidentes com o toque de recolher. “É de se perguntar: temos policias suficientes em todo o estado para que os transformemos em inspetores de escola?”, questiona.
Nada justifica – “Os índices de violência apregoados na nossa imprensa parecem se dever mais a um desmantelamento dos órgãos de repressão do Estado, do que propriamente a um aumento percentual de indivíduos violentos”, argumenta o professor sobre o que considera descabido.
Para ele, o peso do toque de recolher é excessivo, principalmente, “quando entendemos que nos municípios onde elas já estão sendo aplicadas, os resultados ainda não são animadores como tem sido alardeado”.
Veja o restante da entrevista de Gonçalo Santa Cruz ao Campo Grande do Sul.

A expressão “toque de proteger”, adotada pela Justiça para definir a medida, é bem empregada nesse caso?
É um eufemismo que pretende disfarçar o sentido verdadeiro de um toque de recolher.

Quais os efeitos para uma geração que cresce sob toque de recolher?
O primeiro dos efeitos é a animosidade que se cria contra autoridade policial. Ela passa de um servidor que protege a todos para um adversário que se impõem sem base justa, mesmo que legal. O segundo efeito é a alienação dos jovens para com seus direitos. Se o direito existe, mas é atropelado pela necessidade de redução da violência neste momento, em momentos futuros qualquer alienação de direitos encarada como natural e necessária á sociedade.

O senhor acha que alguma questão cultural faz com que no Estado a idéia tenha atingido em tão pouco tempo 4 cidades, o número mais expressivo de adesões dentre os 8 estados que já adotam a medida?
Não há muitos dados estatísticos para avaliar a forma rápida com que a idéia se alastrou pelo interior do Estado. Mas penso que existe um imediatismo na condução do problema de combate a violência que poderá nos levar aos impasses futuros.

As posições favoráveis aos pais em relação ao toque de recolher, surpreendem?
Não. Se fizermos, em qualquer área de conflito uma pesquisa para ver se a pena de morte deve ou não ser adotada (Rio de Janeiro, por exemplo), os resultados será sempre favoráveis às medidas mais imediatistas.

A criminalidade nessa faixa etária é uma resposta ao que?
Muitas coisas influem nessa resposta jovem e na opção pelo crime, mas a principal delas é sem dúvida a falta de perspectiva de mobilidade social.

Qual o caminho defendido pelo senhor, em curto prazo, para reduzir o envolvimento de crianças e adolescentes em crimes?
Educação e respeito às normas de direitos. Aparelhamento e treinamento dos organismos repressores, passando inclusive pela remuneração do agente da lei.

O toque de recolher é uma forma de “tirar” do Estado a responsabilidade da segurança pública?
Uma forma imediatista de resolver um problema que não se consegue resolver sem efetivo empenho político de toda a sociedade.

Assumir a fiscalização sobre a permanência de menores nas ruas é uma forma da Polícia “abraçar” o problema?
Uma maneira de tirar o sofá da sala.

A adolescência mudou, em era de informação em ritmo frenético. A legislação também precisa se adaptar?
E ela está se adaptando. Mas é preciso cuidado para não confundir nessa hora de mudança de legislação, os direitos individuais fundamentais e o direito que o Estado tem de aliená-los.

Hoje a lei fixa pena máxima para adolescentes de 3 anos, o senhor acha que esse teto deveria mudar?
É necessário um estudo mais profundo dessas normas que de resto vigoram de uma ou outra forma em todos os países. O menor infrator no Brasil, teoricamente, deveria receber a reeducação que, na prática sempre inexistiu. Daí, temos sempre a impressão que o tempo de retenção do infrator irá acrescentar uma solução ao problema. É um equívoco.

Alguma iniciativa no Brasil tem apresentado resultados efetivos e dignos de serem copiados para reduzir a criminalidade nessa faixa etária?
Não, nossas estruturas sociais estão ainda engatinhando nos estudos relativos à violência social, entre jovens ou não. Nossos principais centros de pesquisa nesse tema não têm mais do que duas décadas de existência.

(Núcleo de Estudos da Violência da USP).

Ângela Kempfer


Campo Grande News

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