terça-feira, 14 de julho de 2009

São Paulo - Aplicação do ECA no Grande ABC exige políticas regionais


Dezenove anos depois de entrar em vigor, a aplicação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) ainda patina no Grande ABC. As políticas públicas isoladas dos municípios favorecem o deslocamento dos problemas e não dão conta de garantir a proteção prevista no estatuto. A criança que vende bala no semáforo em São Bernardo hoje pode estar amanhã em Diadema ou vice-versa. O cenário atual aponta a necessidade de regionalizar as ações.
"Os trabalhos são muito dispersos, cada município tem um formato e não pensamos campanhas regionais", lembra o coordenador-geral do Projeto Meninos e Meninas de Rua, Marco Antonio da Silva, o Marquinhos. Por meio do movimento Jornada Cidadã, ele vai propor ao Consórcio Intermunicipal a criação de um comitê regional para enfrentamento de três violações de direitos presentes na região: trabalho infantil, exploração sexual e situação de rua.
Coordenador do Grupo Temático Criança Prioridade 1 do Consórcio e conselheiro do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), Ariel de Castro Alves, concorda com a necessidade de integrar as ações. "As cidades não têm fronteiras. Quando fazemos a abordagem, por meio dos educadores, percebemos as crianças que vêm da Capital e estão nas divisas. Precisamos de trabalhos conjuntos para enfrentar a situação de rua e o trabalho infantil." O conselheiro aponta ainda a necessidade de a região investir em clínicas de recuperação de usuários de drogas e na criação de repúblicas que incentivem a autonomia de jovens abrigados prestes a completar 18 anos.

PROTEÇÃO - Mesmo sem as políticas regionais consolidadas, os efeitos do ECA podem ser sentidos. Um exemplo é o caso de Leandro (nome fictício), 16 anos, morador do Lar São Francisco, em Santo André. O pai é alcoólatra e a mãe morreu quando tinha 8 anos. O relacionamento com a tia com quem convivia não era bom, por isso foi abrigado. "Quando precisei não tinha ninguém do meu lado. Tive de aceitar que estava sozinho, sentar e chorar... Me adaptei à vida nos abrigos. Tenho apoio dos educadores. Quero fazer faculdade e ter um filho para dar a ele o que eu não tive: amor."

Redução da idade penal é discutida
Depois do debate sobre a implementação do toque de recolher, uma nova discussão vai gerar polêmica na área da Infância e Juventude: a redução da idade penal de 18 para 16 anos. A mudança é considerada uma ameaça ao ECA (Estatuto dos Direitos da Criança e do Adolescente) por defensores dos direitos humanos de crianças e adolescentes. A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que trata do assunto está pronta para ser votada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Diante deste cenário e não por coincidência no dia do aniversário do estatuto, a ABMP (Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude) promove hoje atos públicos de Luta contra a Redução da Maioridade Penal nas assembleias legislativas de seis Estados brasileiros, entre eles, São Paulo. Na Capital, o evento ocorre das 9h às 12h. As manifestações têm por objetivo fazer com que os senadores assumam o compromisso de rejeitar a proposta.
A ABMP sintetiza em oito tópicos as razões que sustentam sua posição contrária ao rebaixamento da idade penal. A associação enfatiza que a idade penal é uma cláusula pétrea da Constituição Federal e mudá-la representa uma afronta às conquistas democráticas brasileiras.
"Os projetos de lei de cunho repressivo, com previsão de aumento de pena - a exemplo da lei de crimes hediondos - têm demonstrado seguidamente na história brasileira que a mera repressão e encarceramento não garantem segurança nem diminuem índices de criminalidade, provocando, pelo contrário, inchaço e ineficiência do sistema carcerário e incremento do crime organizado", diz nota.
Conselheiro do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) Ariel de Castro Alves reforça que a reincidência de adolescentes em conflito com a lei que cumprem regime de internação na Fundação Casa é de 16%, enquanto o índice do sistema prisional chega a 70%. "Se mandássemos os adolescentes ao sistema prisional os estaríamos condenando a ser bandidos. As medidas socioeducativas aplicadas corretamente têm efeito muito maior na reeducação e ressocialização do que as do sistema prisional que está completamente falido."

FUNDAÇÃO CASA - Caso a redução da maioridade penal seja aprovada, a tendência é que o número de internação de adolescentes em conflito com a lei aumente e a ausência das unidades se torne um problema ainda mais gritante na região. Hoje cerca de 300 jovens da região estão internados em unidades da Fundação Casa da Capital. Mantê-los longe da família fere o artigo 124, inciso 6º do ECA que estabelece que o adolescente deva "permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável."
São Bernardo, Santo André e Diadema protelam a liberação de áreas favoráveis para que o Estado inicie a construção das unidades.
Adolescentes preferem abrigo à família
Moradores do lar São Francisco, em Santo André, há três anos, Felipe, 17 anos, e Amanda (nomes fictícios), 14, foram abrigados por um histórico de conflito familiar. Felipe brigava com os irmãos que costumavam roubar o dinheiro que ele juntava para comprar roupas no Natal, e Amanda era agredida pela mãe. Hoje, ambos preferem o lar à família. "Aqui me dão amor e carinho. Todos me tratam bem. Sou respeitada. Não quero a vida de antes", afirma Amanda.
Nos nove abrigos geridos pela Prefeitura de Santo André onde há 158 crianças e adolescentes, o tempo médio de permanência é de cinco anos. Tanto tempo contraria a importância da convivência familiar reconhecida pelo ECA.
Para o secretário de Inclusão Social, Ademar Carlos de Oliveira, o ECA é uma ferramenta fantástica, mas a sociedade precisa saber utilizá-la para ajustar as engrenagens. "É como se ao lado do veículo quebrado houvesse ferramentas para poder consertá-lo, mas ele continuará quebrado se elas não forem usadas. Sem isso, vamos continuar com a dívida histórica que a sociedade e o poder publico têm com as crianças e adolescentes."



Díário do Grande ABC

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