quinta-feira, 27 de maio de 2010

Espécies invasoras estão entre as maiores vilãs da biodiversidade


RIO - Difícil imaginar que o mico-de-cheiro, o sagui-estrela, o gato e o coral-sol (comum na Ilha Grande) representem perigo a animais e plantas que vivem ao seu redor. Mas eles e outras 11 mil espécies, quando fora de seu habitat, representam a segunda maior ameaça à biodiversidade mundial (a primeira é a destruição de habitat), segundo um relatório da ONU.
Combater as espécies invasoras, como são conhecidas, é uma missão árdua. Levadas para ambientes onde não têm predadores, elas proliferam e se tornam um pesadelo para plantas e animais nativos - inclusive espécies ameaçadas de extinção. Os invasores caçam espécies nativas e competem com elas por alimento e espaço.
É difícil controlar as espécies invasoras. Elas quase sempre são introduzidas - inadvertidamente ou não - pelo homem. E a maioria das pessoas desconhece que aquelas plantas e animais tão bonitos tenham se tornado uma ameaça ambiental. Não são todos que entendem, por exemplo, que no Rio saguis precisam ser capturados e removidos para locais onde não representarão uma ameaça a outras espécies. Ou que gatos domésticos não devem andar por florestas.

Terror no paraíso gelado: Sagui invasor coloca em risco ave nativa do Rio
Maio trouxe boas notícias para o formigueiro-do-litoral, a quarta ave mais ameaçada de extinção da Terra. Dois de seus maiores predadores, o mico-estrela e o sagui-de-tufo-branco começam a ser controlados em Saquarema. Os primatas, originários do Cerrado e da Mata Atlântica nordestina, têm sido removidos das áreas de proteção ambiental por cientistas da Uerj, juntamente com o Inea e apoio da Save Brasil (BirdLife International). A intervenção foi necessária para garantir o futuro do pássaro, cujo habitat é uma faixa com pouco mais de 70 quilômetros, entre Búzios e Saquarema.
- Além dos saguis predadores, o formigueiro-do-litoral também precisa enfrentar a destruição do habitat, decorrente da especulação imobiliária - lamenta a ecóloga Maria Alice Alves, coordenadora de pesquisas. - Levamos os saguis para um centro de primatas mantido pelo governo estadual, onde não representarão mais uma ameaça e serão bem tratados. O mico-estrela e o sagui-de-tufo-branco estão provavelmente se hibridizando na região. As pessoas devem ser alertadas dos riscos da soltura desses animais em áreas onde naturalmente não ocorrem, como é o caso da restinga onde vive o formigueiro-do-litoral. A remoção de um grupo de saguis é o primeiro passo, mas é necessário dar continuidade à remoção dos invasores.
Certas espécies de primatas se tornaram uma ameaça para a fauna nativa do Rio, mesmo aquela supostamente protegida por unidades de conservação. Na Reserva de Poço das Antas, próximo a Silva Jardim, um sagui proveniente do Cerrado compete com o vulnerável mico-leão-dourado, roubando um espaço que seria exclusivo desta espécie.
A remoção de animais e plantas invasoras tem resultados concretos, segundo a Convenção sobre Diversidade Biológica, vinculada à ONU. Livres de seus concorrentes, os mamíferos veem aumentar sua chance de sobrevivência em 5% - entre as aves, este índice é o dobro.
- As espécies invasoras são uma ameaça silenciosa - alerta Helena Bergallo, do Departamento de Ecologia da Uerj. - Quando se adaptam a um ecossistema diferente do seu, elas se desenvolvem sem encontrar limites à sua expansão. Ali não há, como em seu habitat, parasitas nem predadores que contenham aquela população, um desafio com que as espécies nativas precisam conviver.


Nas ilhas, onde animais e plantas estão isolados - e, portanto, menos acostumados à competição -, as espécies nativas são mais vulneráveis. Nesses ambientes, invasores são a principal causa de redução da biodiversidade.
Um dos casos mais devastadores é o coral-sol, espécie do Pacífico que chegou à Ilha Grande 20 anos atrás e já é encontrada até em Salvador. Sua reprodução, mais acelerada do que a de espécies nativas, e seus hábitos alimentares deslocam outros animais dos costões.
- É uma espécie com crescimento exponencial, que desestrutura as comunidades de costões rochosos - ressalta Joel Creed, do Departamento de Ecologia da Uerj e coordenador do Projeto Coral-Sol. - O animal, que pegou carona em plataformas de petróleo para chegar à Ilha Grande, tornou-se um problema nacional.
O Projeto Coral-Sol, patrocinado pela Petrobras, quer financiar a coleta dos animais e seu uso como artesanato, e se livrar dos invasores em 20 anos. Além de virem incrustadas em navios, as espécies marinhas podem aportar em áreas desconhecidas misturadas à água de lastro, usada como contrapeso em embarcações. Embora a legislação obrigue a troca desta água antes da chegada ao litoral, a medida não costuma ser seguida - e tampouco fiscalizada.
- Estas espécies, no mar ou em terra firme, são agressivas e colonizadoras de ambientes novos - explica Silvia Ziller, engenheira florestal e diretora-executiva do Instituto Hórus.
Sediado em Florianópolis, o Hórus é especializado em traçar iniciativas de combate a espécies invasoras - trabalho que faz, atualmente, para dois governos sul-americanos (Uruguai e Colômbia), seis estados brasileiros e duas prefeituras. E a clientela tende a aumentar. As mudanças climáticas, segundo os pesquisadores, prometem mexer com a distribuição de animais e plantas nativos, dando ainda mais espaço para as invasoras se estabelecerem.
- Alterações de temperatura farão com que as espécies sejam obrigadas a mudar - diz Michele Dechoum, bióloga do Hórus. - Muitas podem concentrar-se em uma área menor à que ocupam atualmente. Todo o espaço vago será ocupado pelas invasoras.
Essas espécies também tomarão posse de regiões degradadas por fenômenos naturais, como furacões e enchentes - que, segundo modelos climáticos, também devem ocorrer com maior frequência nas próximas décadas.
- O planeta vai se tornar ainda mais vulnerável a espécies invasoras - afirma Helena. - Este é um motivo para chamarmos tanta atenção para elas. Pode ser mais difícil combatê-las do que lutar contra o desmatamento, por exemplo, que produz estragos visíveis.


Gatos, indesejados na Ilha Grande
Além do projeto de combate ao coral-sol, a Ilha Grande é um laboratório para outras batalhas pela biodiversidade. Um grupo do Departamento de Ecologia da Uerj monitora os três principais portos de saída de barco para a ilha - Angra dos Reis, Conceição de Jacareí e Mangaratiba - para tentar impedir a chegada de espécies indesejadas. Entre as preocupações, há algumas que causam espanto à primeira vista. Os gatos, por exemplo, são considerados perigosos, por terem se disseminado além da conta. Em certas localidades, é possível encontrar até 1.500 deles em um quilômetro quadrado.
- É sempre um animal problemático - ressalta Helena Bergallo, que está à frente do trabalho na Ilha Grande. - Mesmo sendo doméstico, ele ataca por instinto, e, assim, pode comprometer o futuro de espécies vulneráveis.
Há relatos, segundo Helena, de que apenas um gato, levado a uma ilha junto à Nova Zelândia por seu dono, teria sido responsável pela extinção de uma espécie de pássaro. A ave, acostumada a um ambiente sem predadores, não voava e logo foi caçada e extinta.
Entre as plantas não é diferente. No Rio, a jaqueira é uma invasora nociva para a flora e a fauna nativas. Basta conferir alguns trechos da Floresta da Tijuca e ver que a árvore não divide espaço com qualquer outra espécie.
- Ela parece ter substâncias químicas nas raízes que mudam a composição do solo, inviabilizando o crescimento de outras plantas - revela a pesquisadora. - Quando se instala num local, atrai animais, que, até então, alimentavam-se de insetos. Esse fenômeno provoca um grande descontrole populacional.
A equipe de Helena compara há três anos na Ilha Grande áreas com e sem jaqueiras, registrando animais e plantas presentes em cada cenário. Agora, os pesquisadores, junto com o Instituto Estadual do Ambiente, injetam herbicida para controlar a propagação da jaqueira. Essa é a única forma de reintroduzir espécies nativas em regiões dominadas pela invasora. É, também, um meio de ajustar os hábitos alimentares dos antigos predadores de insetos.
A Ilha Grande não é a única área verde a enfrentar problemas. O mico-de-cheiro, uma espécie ativa na Amazônia, se estabeleceu na Mata Atlântica, inclusive na Floresta da Tijuca.
- É, como em tantos casos, um grupo que foi apreendido e solto onde não devia - lamenta Michele. - Não força o deslocamento de outras espécies, porém come os ovos de aves ameaçadas.
Nos rios de todo o estado é possível encontrar a tilápia africana, introduzida em boa parte da América. Seu ingresso nas Américas, porém, foi feito de forma irresponsável.
- É uma espécie herbívora, e, por isso, não predadora, mas que consome material em suspensão na água e altera a composição da flora e fauna - explica Michele Dechoum, bióloga do Instituto Hórus. - São tantas as mudanças promovidas por ela que outros peixes não conseguem sobreviver.
As invasoras, além do desfalque à biodiversidade, doem o bolso das principais economias do mundo. Segundo a ONU, essas espécies já provocam prejuízos de US$ 1,4 trilhão, o equivalente a 5% do PIB global, em áreas como agricultura, comércio e turismo.

Renato Grandelle


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