segunda-feira, 24 de maio de 2010

Filho adotivo, família feliz


Na próxima terça-feira, comemora-se o Dia Nacional da Adoção. Hoje, o Correio conta cinco emocionantes histórias de famílias que enfrentaram todas as etapas para que um novo ser entrasse em suas vidas. Uma rotina de espera, angústia e, por fim, renascimento %u2014 de ambas as partes

Um dia, a casa ficou mais cheia. Chegou uma pessoa. Talvez duas. Novidade para quem chegava e esperava há muito por aquele dia. E para quem entrava. Era o convidado escolhido, procurado, sonhado. E ambos precisavam se conhecer melhor, como que se enamorando. O início de uma relação. Como todo começo, havia um clima de silêncio e mistério no ar. O que chegava se perguntava se ficaria ali. Se não seria novamente abandonado. As marcas ficam tatuadas na alma.Os que já estavam se indagavam se o convidado realmente gostaria de ficar. Se os aceitaria.
Veio o primeiro dia. O segundo. O terceiro. Centenas deles. Cada segundo, uma nova conquista. O convidado foi se aproximando. Entrou de pouquinho em cada cômodo. Um dia, viu uma foto, num porta-retrato, decorando a sala. Era a primeira vez que se enxergava emoldurado. Sorriu riso de quem começa a gostar. E a confiar, sem medo, sem perguntas. Abraçou com vontade. Beijou sem que o beijo fosse pedido. E chamou os donos da casa de pai e mãe (ou apenas de mãe) pela primeira vez. Eles, os donos daquela casa, choraram choro de quem experimenta felicidade.
Foi assim, de mansinho. Continua assim, todos os dias. É uma troca de conhecimento. De afeto. De confiança. De cumplicidade. “Adoção é um ato de querer amar”, avalia a dona daquela casa que deixou um bebê com síndrome de Down, que não carregou no ventre, invadir sua vida, a do marido e da filha.
Hoje, antecipando o Dia Nacional da Adoção, que será comemorado na terça-feira, 25, o Correio conta histórias comoventes de cinco famílias que tiveram suas vidas transformadas depois que aquele convidado entrou em suas casas. Doze anos depois de virar mãe, a mulher loira, descendente de alemão, cabelos lisos escorridos e olhos azuis reluzentes, diz que seu filho, hoje com 15 anos, cor de canela e cabelos enrolados, a fez olhar para si mesma. “Rodei o mundo inteiro. Entrevistei presidente dos Estados Unidos, papa, fiz o que quis por 30 anos. Mas eu era completamente vazia. Se Arthur não tivesse chegado, nada teria valido a pena na minha vida. Ele me fez virar gente”, ela diz, em lágrimas de felicidade.

Matemática complicada
São histórias como a da mulher que, à época com 26 anos, decidiu adotar o filho da empregada — hoje, melhor amiga e comadre. “Ficamos grávidas juntas”, ela brinca. Hoje, o rapaz de 26 anos, baixista de uma banda de rock, criado no Park Way, chama as duas mulheres de mãe. “Ser mãe é atitude. É querer ser. Eu quis”, diz a mulher que não estufou a barriga e ainda assim “pariu” um filho.
Lição emocionante de um jovem casal que, sem filhos biológicos, adotou dois irmãos tardiamente — uma menina de 6 anos e um menino de 7 (o tipo de adoção mais difícil de se concretizar, já que os candidatos habilitados preferem crianças mais novas).
E são essas crianças, que ninguém mais quer, que lotam os 22 abrigos cadastrados na Vara da Infância e da Juventude de Brasília (VIJ). Hoje, existem 430 famílias habilitadas para adotar. E 169 crianças e adolescentes estão à espera de uma nova família. “Essa conta é difícil de bater”, lamenta a psicóloga supervisora substituta da VIJ, Niva Campos, 45 anos, casada, dois filhos.
E por que não bate? “Porque 95% delas (famílias habilitadas) preferem meninas menores de 3 anos. E 69% só aceitam uma criança. Apenas 7% concordam em aumentar o perfil até 6 ou 7 anos”, explica. Com maiores de 7 anos, as chances caem drasticamente — não passam de 2% dos habilitados. E depois dos 10 anos não há candidatos que os queiram. É o fim da esperança de um dia terem uma família.
São essas as crianças que ficarão nesses abrigos até a maioridade. Aos 18 anos, sozinhas, sem referências, terão que descobrir o mundo fora dali. O desfecho dessa história nem sempre tem final feliz. Enquanto não saem, escrevem suas histórias pontuadas de solidão, medo, abandono e incertezas — por melhor que seja o abrigo.
Um casal de Planaltina, de vida e casa bem modestas, com três filhas criadas e formadas, não quis isso para dois irmãos que viviam num abrigo no interior de Minas Gerais. Primeiro, em 2006, adotaram um menino de dois anos. Em julho do ano passado, trouxeram o irmão dele, de 8 anos, que, vítima de maus-tratos da mãe e de surras da avó materna, perdeu a visão do olho esquerdo. E esperava um milagre. Que veio, num dia em que ele nem mais acreditava — numa manhã triste de julho do ano passado. E ele abriu os braços para ser acolhido por aquela família.
São cinco histórias de encontros e renascimentos — de quem chegou e de quem já estava. Histórias de vida — que pulsa, enfrenta, chora, ri e se completa. Histórias de quem escolheu amar, só amar. Incondicionalmente.


Arthur
“ Ele me fez virar gente”


Ela conheceu o mundo inteiro. Como repórter, cobriu os momentos mais importantes da economia do país. “Minhas colegas de escola, lá no Sul, diziam que iam se casar e ter filhos. Eu dizia que seria jornalista, ia correr o mundo e depois seria mãe.” Mudou-se para Brasília.
Filha única, a mãe, Lindina Heinrich Scherdiem (hoje com 78 anos), que ficara viúva aos 30, quando a menina tinha 11 anos, era sua companheira inseparável. Gaúcha de Pelotas, Célia Regina Scherdiem achava o ritmo de sua vida agitado demais. Não havia tempo para mais uma pessoa. Até se esqueceu, por algum momento, da promessa que fizera na adolescência: ser mãe.
Aos 46 anos, depois de muito andar o mundo, das correrias e neuroses das redações por onde passou, ela parou para rever a vida. Um processo de busca. O desejo de ser mãe, enfim, reacendeu com força inexplicável. “Procurei, com minha mãe, o juizado, para fazer minha inscrição. Lá, pela cor da minha pele, me aconselharam a procurar as varas de infância do Sul do país.” Nessa época, ainda não havia o cadastro nacional.
Ela bateu pé. E disse: “Quero qualquer criança, menino ou menina, sem importar a idade, muito menos a cor”. Um ano se passou e nenhum retorno. “Voltei ao juizado e descobri que no meu perfil constava: ‘criança de cor branca, menina, até 3 meses de vida. Fiquei muito chateada e ameacei entrar com processo por discriminação”, conta.
Mas logo o equívoco foi desfeito. A chefe do setor de adoção, à época, levou-a a algumas instituições para conhecer crianças. E chegaram a um abrigo na Candangolândia. “Quando ele me viu, veio correndo ao meu encontro e me pediu colo”, lembra a avó. “Minha mãe chorava de um lado; eu, do outro”, conta Célia Regina.
Em 20 de dezembro de 1998, a jornalista pegou a guarda provisória daquele menino de pele escura e cabelos ondulados. “No dia em que chegou de vez, ele completou 3 anos”, diz. Arthur Heinrich Scherdiem hoje tem 15 anos e estuda o nono ano do ensino fundamental, numa escola particular. Desistiu do judô. Preferiu dança e balé clássico. E quer fazer faculade de artes cênicas na UnB. “Vou fazer o que gosto, não o que as pessoas querem”, diz. A mãe e a avó o apoiam em todas as decisões.
No apartamento confortável do Sudoeste, Célia Regina guarda o primeiro brinquedo e o primeiro par de tênis que o filho usou. O calçado virou arte, revestida de cobre, que enfeita a sala. Aos 58 anos, em lágrimas, a mãe analisa a trajetória de sua vida: “Sem o Arthur, nada que vivi teria valido a pena. Ele me fez virar gente”.


Daniela e Henrique
“Um projeto de vida juntos”


Daniela e Henrique com os pais do coração, Andréa e Rafael: muitos quilômetros rodados até o encontro

Nove anos de casados, uma vida confortável, estabilidade profissional. O bancário Rafael Peixoto, 34 anos, e a servidora pública Andréa Collaço, 28, ambos cariocas, tinham tudo que um jovem casal sonha. Um dia, pensaram em filhos. Era hora de eles chegarem. E veio a dúvida: biológico ou adotar? Andréa sempre quis adotar uma criança, antes mesmo de se casar. Rafael gostava muito da ideia. Mas decidiram: teriam filhos biológicos e, ainda assim, adotariam.
Exames indicaram que Rafael tinha problema de fertilidade. E logo, antes mesmo que tentassem inseminação artificial, desistiram do tratamento, da espera angustiante e de qualquer futura frustração. E resolveram que adotariam. Em 2007, entraram na fila da adoção na Vara da Infância e da Juventude (VIJ). E, ao mesmo tempo, passaram a visitar sites que tratavam do assunto. Participaram de comunidade no Orkut. E começaram a frequentar as reuniões do Projeto Aconchego — grupo de apoio à adoção e ao apadrinhamento afetivo do DF., parceiro da VIJ.
Ali, no Aconchego, descobriram que adotar é amar igualzinho. E, pela primeira vez, ouviram falar em adoção tardia — crianças a partir de 6 anos, aquelas que ninguém mais quer e lotam os abrigos do país. O perfil (tipo de criança que desejavam) preenchido no setor de adoção da VIJ estava sem restrições. “Não impusemos sexo nem cor. Só queríamos ser pai e mãe”, lembra Andréa.
Um ano se passou e nada de retorno do processo. Os futuros pais voltaram à VIJ e aumentaram o limite de idade do filho desejado. Por meio dos sites que frequentavam, o casal da Asa Norte descobriu que em Londrina (PR) havia dois irmãos — uma menina de 6 anos e um menino de 7 — prontos para a adoção. E viram uma foto. Mais nada.
Imediatamente, a VIJ fez contato com o juizado de Londrina. O casal passou para o Cadastro Nacional de Adoção. Andréa pediu licença- maternidade no trabalho. Rafael entrou em férias. E dirigiram até o Paraná. Só tinham uma certeza: buscariam seus filhos. Conheceram Daniela (apenas Dani, hoje com 8 anos) e Henrique, 9 (que era Edilson). O menino perguntou aos pais se podia trocar de nome. E assim se fez. Escolheu Henrique, com orgulho de quem passou a ser ouvido.
Um dia, Daniela, mais tímida, chamou Andréa de mãe. E Rafael, de pai. Henrique sempre os chamou assim. Tudo foi uma conquista, aos poucos. “Temos um projeto de vida juntos”, diz o pai. A mãe tem certeza: “Não quero mais filhos, já tenho dois”. E não suporta quando alguém lhe diz, ao ver a diferença física entre o casal e os filhos: “Que coisa linda que vocês fizeram””. E responde: “Isso não é lindo, não é caridade. Filho é filho. E são eles, na verdade, que nos escolhem”.


Juliano e César
“Pai e mãe é aprendizado”


"Mãe e pai é aprendizado. Estamos aprendendo tudo de novo", diz Márcia

As três filhas, então com 15, 19 e 21 anos, estavam bem-encaminhadas. Não havia motivo para mais filhos. Nem espaço naquela casa simples, na Vila Buritis 4, em Planaltina. A auxiliar de laboratório da Secretaria da Saúde Márcia Rodrigues Xavier, à época com 42 anos, e o marido José Omar Diniz Xavier, 41, que hoje trabalha com o terceiro setor, viviam dias calmos. Nada faltava, mas também nada era em excesso. A vida humilde seguia seu rumo.
Um dia, uma colega de trabalho contou que um jovem médico do hospital em que trabalhava havia atendido, em Buritis de Minas, uma criança com grave pneumonia e queimaduras de cigarro pelo corpo. Comovido, o médico havia conseguido a guarda provisória do menino de 2 anos, com o juiz daquela comarca. A mãe do médico, porém, não aceitou aquela criança. Desesperado, ele então havia pedido à auxiliar de enfermagem que arrumasse alguém para cuidar do menino, até que encontrasse uma solução. Márcia ouviu a história. E aceitou levar aquele menino pra casa. “Ele me chamou de mãe assim que me viu”, ela diz, sem disfarçar as lágrimas.
Mas a situação era ilegal. Ela e marido decidiram ir até Buritis de Minas, para falar com o juiz da cidade, que expediu o novo documento, em caráter provisório, até que se decidisse o futuro daquela criança. “As pessoas, até parentes, diziam: ‘Vocês são loucos, as meninas estão criadas...’”. O juiz de Buritis de Minas destituiu o poder familiar da mãe biológica. E o menino seguiu para adoção.
A Vara da Infância de Brasília passou a acompanhar o caso. Em maio de 2009, saiu a guarda definitiva. Juliano, aos 5 anos, tornara-se o filho mais novo de Márcia e José Omar. “Só que, quando voltamos ao fórum de Buritis, para dar entrada no processo de adoção, soubemos que o irmão mais velho, que tinha 8 anos, estava num abrigo, cego do olho esquerdo desde os 6 anos, por causa das surras da avó.”
Mais uma vez, Márcia e José lutaram na Justiça. E conseguiram a guarda provisória. Em junho de 2009, o irmão de Juliano chegou à casa simples na Vila Buritis. Por meio da Rede Solidária, ligada à VIJ, passou a ter acompanhamento psicológico e operou o olho esquerdo. Tem chance de enxergar novamente. Voltou à escola. Está feliz. Quer ser policial quando crescer; Juliano, médico. Ainda em lágrimas, Márcia revela: “Mãe e pai é aprendizado. Estamos aprendendo tudo de novo”. E diz, de mãos dadas com os dois filhos: “A gente se surpreende com a nossa capacidade de amar”. José escuta a mulher falar e chora.


Marcus Eduardo
“Questão de atitude”


Marcus com as duas mães, Giseuda (E) e Eleny: o afeto é inteiramente o mesmo



Ela se casara aos 22 anos, pela primeira vez. Tentou ser mãe. Engravidou. No quarto mês de gestação, um aborto inesperado interrompeu o sonho da maternidade. O tempo passou. E ela decidiu que não mais seria mãe. Aos 26 anos, o casamento entrou em crise. Nessa mesma época, a empregada dela — a cearense Giseuda Alves Pereira, da mesma idade — engravidou do namorado, que, antes de sumir, ainda aconselhou a moça a fazer um aborto. Ela nem o deixou terminar a frase. Naquele dia, a hoje comerciante Eleny Perdigão, mineira de 52 anos, decidiu que seria mãe, como sua fiel empregada, que havia virado amiga e irmã. “Ficamos grávidas juntas”, diz.
Eleny acompanhou a moça a todas as consultas médicas. Comprou o enxoval. Fez as lembrancinhas para a chegada do menino. Torceram, choraram e riram juntas. E Marcus Eduardo Alves Pereira, registrado em nome da mãe biológica, nasceu. Veio forte, grande e chorou choro de vida. Giseuda ficou na casa de Eleny até o filho completar seis anos. Com essa idade, indistintamente, Marcus chamava as duas de mãe.
Ela se casou novamente. Teve mais uma filha. E se mudou para ser a dona da própria casa. Eleny morava na Octogonal e Giseuda, no Cruzeiro. Marcus ficou com a primeira. Nos fins de semana, passava com “a outra mãe”. “Pra mim, isso sempre foi muito natural. Tive o privilégio de ter duas mulheres na minha vida. O afeto é igual”, ele diz. “Só meus amigos, quando eu era criança, não entendiam como eu tinha duas mães. Hoje, acham o maior barato.”
Nas reuniões de escola, quem comparecia era Eleny. Nas datas comemorativas, como o Dia das Mães, Giseuda estava lá. “O pior era quando as professoras me perguntavam de que mãe eu gostava mais. Isso não tinha cabimento...” E assim, duplamente feliz, Marcus cresceu.
Mora no Park Way com Eleny e formou-se em jornalismo. “No dia da formatura, entramos de braços dados com ele. Eu de um lado, a Gi do outro”, conta Eleny. Para homenagear um dos avós — o pai de Eleny —, o hoje baixista da banda Perfecto tatuou o ombro direito. “Tem pássaros, cartas do baralho (ele me ensinou a jogar) e uma câmera fotográfica, porque ele era fotógrafo”, ele explica.
Para Eleny, ser mãe é querer ser. “Muitas dão à luz, mas não são mães. Outras tantas não tiveram o processo da gestação, mas se tornaram. É uma questão de atitude.” Giseuda se emociona: “É coisa de Deus”.


Miguel
“Amor incondicional”



Fabiana e Leandro com os dois pupilos, Miguel e Valentina : "Ensinamento"

“Sempre pensei que nunca me casaria. Mas seria mãe de filhos adotivos”, assim pensava a advogada paulistana Fabiana Abrantes Campos Gadelha. Mas o destino a traiu. Ela namorou apenas 70 dias e se casou. Logo nasceu Valentina, hoje com 3 anos e cinco meses. E ela disse ao marido: “O segundo será adotivo”. Ele concordou.
O marido Leandro Gadelha de Paula, administrador de 29 anos, certa vez lhe perguntou: “E uma criança especial, você aceitaria?”. Ela não hesitou: “Não consigo”. Um dia, conheceu Paulinho, um menino de 3 anos, com leucemia, que vivia na Abrace. Valentina contava oito meses. Fabiana e Leandro acolheram-no provisoriamente, até que o processo de adoção se concretizasse. Primeiro habilitaram-se na VIJ e escreveram no perfil: “criança de zero a 3 anos de idade, menino ou menina, de qualquer raça e doença tratável”. Não houve tempo. Depois de quatro meses de convivência e um longo processo de quimioterapia, Paulinho morreu. O casal continuava na fila. “Vivemos o luto de uma família que perde um filho”, ela diz. E eles passaram a participar de grupos virtuais sobre adoção. E conheceram o Aconchego.
Fabiana mudou o perfil no cadastro. Estendeu-o a crianças especiais também. E foi para o cadastro nacional. Passaram-se alguns meses. Um dia, em 22 de setembro de 2009, recebeu um e-mail: “Menino com síndrome de Down, de 9 meses e 8kg, quer?”. E ele estava a quilômetros deles, num abrigo em Tibagi, a 200km de Curitiba (PR). Ela disse ao marido, com certeza inabalável: “É ele. É o nosso filho que nos espera”. Para completar, o casal estava desempregado. Morara nessa época em Uberlândia (MG). Para a viagem, eles pediram ajuda à família. Levaram Valentina e lhe disseram que iam buscar seu irmãozinho. “Quando eu vi aquele bebê molinho, ele tava no colo de uma funcionária da instituição. Eu abracei ele, beijei. Era o meu filho que esperava por mim”, conta Fabiana.
Há 90 dias, o casal deixou Uberlândia e veio para Brasília. Há sete meses, Miguel (que um dia se chamou Pedro Henrique) entrou na vida deles. A nova certidão ficará pronta na semana que vem. Em julho, será batizado. De segunda a sexta-feira, faz fisioterapia, estimulação precoce, hidroterapia e fonoaudiologia. E ri, ri muito de felicidade. Fabiana e Leandro arrumaram novos empregos. Moram em Águas Claras e viraram uma família completa. “O Miguel nos ensina todo dia. É um amor incondicional”, diz o pai, que criou um blog para falar sobre adoção especial e conta a história do seu filho (adocaoespecial.blogspot.com). A mãe, com a voz embargada, emenda: “Ele me devolveu uma fé que eu havia perdido. Encheu nossa vida de luz”.

Artigo
Mera vontade de amar

Soraya Pereira

A nossa língua pátria conceitua a expressão adotar em 11 versões: “1.Optar ou decidir-se por; escolher, preferir. 2.Seguir, abraçar. 3.Tomar, assumir. 4. Aceitar, acolher, seguir. 5.Pôr em prática, em uso; praticar, aplicar. 6.Atribuir (a um filho de outrem) os direitos de filho próprio; perfilhar, legitimar. 7.Usar de, ou passar a usar de; tomar, assumir. 8.Aprovar; outorgar. 9.Admitir, aceitar; reconhecer. 10. Recorrer a, valer-se de. 11. Tomar por filho; perfilhar, legitimar.”

Todavia, há um único sentimento que torna semelhante tantas histórias diferentes: o amor, a pura vontade de amar um ser humano além de seu estereótipo, além de sua genética, além de seu perfil.
Ao buscar razões para adotar, talvez encontremos a impossibilidade de gerar filhos biológicos ou a genuína vontade de ter alguém como filho, pela crença de que é possível amar com a mesma intensidade todos os filhos, independentemente de sua origem biológica.
Encontramos, ainda, motivos mais que surpreendentes para justificar o fenômeno da adoção: são particularidades íntimas, sonhos de infância, desprendimento social, motivações familiares e espirituais, enfim, uma variada gama de motivos legítimos que levam os futuros pais por adoção a perfilhar.
Ou, de outro modo, há apenas a intuição de que seu filho está por aí, à espera de seu colo, em algum lugar. É uma certeza tão indefinida e tão forte que, por vezes, soa como loucura — e pode até ser —, entretanto, é mais uma das excentricidades de mães e pais corujas. É uma busca com destino e tempo indefinidos, mas certa.
Ao investigar os sentimentos que motivam a decisão de adotar, encontramos os mais diferentes e conflitantes: a ansiedade, a esperança, o medo, a alegria... Os mesmos que as mamães e papais gestantes relatam sentir durante a gestação e após, também.
Na alma de quem opta por mais essa forma de constituir uma família, sozinho ou em dupla, não há uma explicação plausível, puramente racional, para se aventurar nesse amor tão real, tão profundo, tão simples. É a mera vontade de amar um filho que justifica o ato de adotar. As mães e pais por adoção dizem que, diferentemente do parto, onde o filho sai do corpo, adotar é permitir que esse filho entre dia a dia na sua vida, para todo o sempre.
No fim, adotar e procriar são formas diferentes de vivenciar e explicar uma mesma coisa: o amor materno e paterno. É olhar nos olhos do filhote e ter a certeza de que é seu, definitivamente.

Soraya Pereira, 51 anos, psicóloga, dois filhos de coração, presidenta do Projeto Aconchego, Brasília/DF
Site:www.projetoaconchego.org.br

Marcelo Abreu


Correio Braziliense

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