sábado, 17 de julho de 2010

Menino morto em sala de aula por bala perdida dissera ao GLOBO temer a violência


RIO - O bicho-papão que assombra a maioria dos alunos que convivem com a violência nas áreas de risco se tornou real nesta sexta-feira. Wesley Gilbert Rodrigues de Andrade, de 11 anos, f oi morto após ser atingido no peito por uma bala perdida durante a aula de matemática no Ciep Rubens Gomes, em Costa Barros, na Zona Norte. Aluno do 5 ano do ensino fundamental, ele foi uma das crianças ouvidas pelo GLOBO em maio, durante a série de reportagens "O x da questão - Rascunhos do Futuro", que citaram a violência como o maior problema da região onde vivem. Wesley, o pequeno sãopaulino e líder do grêmio estudantil no Ciep, morreu segurando um lápis.
Localizado num território disputado por facções criminosas, cercado por favelas, o Ciep já teve três alunos atingidos anteriormente por balas perdidas nos arredores da escola .

Uma das vítimas, o aluno Paulo Gustavo Barros, de 12 anos, morreu na frente da irmã quando seguia à escola. O Ciep Rubens Gomes foi uma das dez escolas municipais onde repórteres de O GLOBO atuaram como voluntários por dois meses para elaborar a série do GLOBO, publicada em junho passado.
Wesley e outros 78 alunos do Ciep apontaram em questionário a violência, os tiroteios e as balas perdidas como maior problema da região, totalizando 80,4% dos pesquisados. Foi o maior índice entre as escolas avaliadas entre os meses de abril e maio passados. No questionário com quatro perguntas, elaboradas pelos jornalistas, o menino justificava seu medo em um texto de quatro linhas, carregadas de erros de português:
- Porque os tiros matão (sic) muita gente e calsão (sic) muitas confusões e brigas calsadas (sic) pelos tiros.

Escola fica a 200 metros da favela
Nesta sexta-feira, por volta das 9h30m, Wesley e outros 30 estudantes, com idades entre 10 e 12 anos, assistiam a uma aula de matemática na turma 1.502 quando o menino foi atingido no peito por um tiro durante um confronto entre policiais do 9 BPM (Rocha Miranda) e traficantes das comunidades da Pedreira e Quitanda. Segundo testemunhas, policiais sem uniformes da PM teriam atravessado a passarela sobre a linha férrea em frente ao Ciep, que faz ligação com um trecho do Morro da Pedreira.
Wesley estava próximo à janela que fica a uma distância de menos de 200 metros do morro, quando teve início a intensa troca de tiros. Alguns alunos deitaram no chão, orientados pela professora. Nesse momento, o menino caiu ferido entre outros estudantes, causando histeria nas salas de aula. No turno da manhã estudam cerca de 500 crianças no Ciep, que atende diariamente 1.278 alunos e teve as aulas suspensas após o episódio.
O menino foi socorrido pela diretora, com ajuda de professores e funcionários. Levado num carro particular ao Hospital Estadual Carlos Chagas, em Marechal Hermes, ele morreu ao chegar à emergência. A confirmação da morte deixou em estado de choque alunos, professores e a diretora da unidade, Rejane Pereira, que teve que ser atendida por médicos.
A morte de Wesley gerou revolta entre pais de alunos, professores, funcionários e moradores das duas comunidades. Um grupo ateou fogo a pneus e pedaços de madeira, interditando o tráfego na Avenida José Arantes de Melo por meia hora. O trânsito só foi liberado após a chegada do blindado da PM. Observados pelos manifestantes, policiais retiraram o material que estava em chamas, liberando o tráfego.
Em meio à ação dos policiais, moradores e pais de alunos acusavam os PMs de terem chegado à comunidade, alguns deles sem uniformes, atirando:
- Eu estava voltando da escola, depois de levar minha filha, quando vi um grupo de homens vestidos com camisas pretas. Todos armados com fuzis. Eles chegaram atirando, pensei que fosse uma invasão de um grupo rival, quando vi uma patrulha do outro lado da pista. Eles atiraram do alto da passarela, não se importaram com as crianças que estavam estudando logo na frente, onde ficam as salas com janelas voltadas para o morro - contou a mãe de uma das alunas.
Os pais de Wesley foram informados sobre a morte do menino pela direção da escola. O casal chegou ao Hospital Carlos Chagas ainda pela manhã, onde recebeu acompanhamento de assistentes sociais da Secretaria estadual de Assistência Social e Direitos Humanos. De lá, foram levados ao IML. O enterro do aluno será realizado neste sábado, às 11h, no Cemitério de Irajá, na Zona Norte.
A secretária de Educação do município, Claudia Costin, disse, em sua página no Twitter, que a morte do menino na sala de aula é inaceitável . O Ciep é uma das 150 Escolas do Amanhã, unidades da rede municipal situadas em áreas de risco que recebem reforço escolar.
Segundo Claudia Costin, na próxima segunda-feira uma equipe do Programa Interdisciplinar de Apoio às Escolas Municipais (Proinape) - composta por psicólogos e assistentes sociais - irá ao Ciep para acompanhar alunos, pais e professores:
- O impacto de um episódio dessa gravidade sobre as crianças é muito grande, e precisamos acompanhar isso de perto - disse a secretária.
Equipes da Divisão de Homicídios (DH) realizaram perícia na sala de aula e recolheram a bala que atingiu o menino. O projetil de calibre 7.62 é compatível com Fuzil Automático Leve (FAL), usado pela PM. Segundo policiais da unidade, os fuzis usados pelos PMs durante a operação já foram requisitados para elaboração de exame de confronto balístico no Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE).
A Polícia Civil divulgou também uma nota em que afirma que agentes da DH foram ao Ciep para fazer "uma minuciosa perícia para investigar as circunstâncias em que o estudante de 11 anos morreu, após ser baleado, e de onde partiu o disparo. A Polícia Civil só vai se pronunciar sobre o caso após a conclusão do inquérito".


O Globo

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