segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Centro americano faz diagnóstico de pacientes com doenças misteriosas

O médico William Gahl (esq.) discute com a paciente Kelly Klodzinski os seus sintomas no centro clínico do NIH. Foto: Linda Spillers

Uma equipe no Instituto Nacional de Saúde (NIH, na sigla em inglês), nos Estados Unidos, oferece ajuda a pacientes que sofrem de doenças sem diagnóstico no país.
Com a ajuda da tecnologia de ponta em exames, os médicos do Programa de Doenças Não Diagnosticadas (UDP) tentam decifrar sintomas que surpreendem clínicos de todos os hospitais do país.
O programa começou em maio de 2008, dentro da Rede de Pesquisa Clínica de Doenças Raras, no instituto americano. A ideia partiu do médico geneticista William Gahl, que pesquisa “erros” do metabolismo e más formações genéticas.
Gahl, que hoje é diretor do UDP e do Instituto Nacional de Pesquisa sobre Genoma Humano, acredita que defeitos genéticos podem explicar a maior parte das doenças raras - que são mais de 7 mil - e também as doenças que ainda não tem diagnóstico.
Desde o início do projeto, ele já recebeu 4.600 pedidos de análise e 1.600 formulários completos para a admissão no programa. No entanto, somente 350 pacientes foram aceitos.
"Qualquer pessoa pode se candidatar, mas aceitamos os casos que estão bem documentados, em que é possível ver que a pessoa já descartou todas as doenças comuns e muitas doenças raras conhecidas", disse Gahl à BBC Brasil.
Segundo ele, o principal motivo do programa é encontrar novas síndromes e fazer avançar a ciência médica. Até agora, apenas uma nova doença genética já foi descoberta, que será divulgada em uma publicação científica em fevereiro. A enfermidade causa a calcificação das artérias dos pacientes.
A taxa de sucesso nos diagnósticos é pequena. Dos primeiros 160 pacientes do UDP, somente 35 foram diagnosticados. Em geral, Gahl estima que entre 10 e 15% dos casos é solucionado.
O médico diz que não é possível saber exatamente quantas pessoas foram curadas, já que o tratamento dos pacientes geralmente é feito em outros hospitais e clínicas.
"É possível que a maior parte dos pacientes diagnosticados esteja ainda em tratamento, já que o programa tem somente 3 anos. Só a investigação sobre a doença pode levar dez", diz Gahl.

Investigação
Todos os candidatos a uma vaga no UDP precisam ser recomendados por um médico que já os examinou, através de uma carta de recomendação descrevendo o caso, que também deve ser acompanhada de um histórico detalhado dos exames já feitos.
William Gahl revisa todos os casos e, com outros especialistas ligados ao programa, decide quais serão aceitos. Para isso, é preciso que eles apresentem a possibilidade de descobrir uma forma nova de uma doença rara já conhecida ou uma doença nunca antes vista.
Os pacientes admitidos são levados para o centro de pesquisas clínicas do NIH, o maior hospital de pesquisa clínica do mundo, que fica em Maryland, nordeste dos Estados Unidos. Lá, eles passam a uma semana fazendo todo tipo de exames médicos.
Quando os pacientes voltam para casa, o trabalho começa. Em reuniões, os médicos formulam hipóteses sobre doença que podem ou não ser confirmadas pelos resultados. Em alguns casos, o paciente é novamente trazido para exames. Todos os custos, incluindo a viagem, são pagos pelo governo.
Para aumentar a agilidade e a eficiência dos diagnósticos, o programa reúne médicos e pesquisadores da maior parte dos 27 institutos e centros de diferentes especialidades que fazem parte do NIH. Cada paciente é examinado, ao mesmo tempo, por especialistas em diversas áreas que correspondem aos sintomas que ele apresenta.
Enquanto analisam o paciente, os médicos tentam descobrir se a doença pode ter ligação com algum problema genético.
"Se essa abordagem não funciona, tentamos algo mais geral - uma avaliação genética para encontrarmos o que pode estar errado com os genes da pessoa. Se encontrarmos algo, tentamos descobrir se isso tem ligação coma doença."
Mesmo tendo à sua disposição o que há de mais avançado na tecnologia de pesquisas sobre o genoma, Gahl diz que precisa de três a seis meses somente para estudar o mapa genético do paciente. Muitos pacientes não conseguem esperar tanto.
Até hoje, 12 pessoas que entraram no programa morreram sem diagnóstico, e ainda há mais de 50 casos em aberto no arquivo de William Gahl.
“As nossas histórias são histórias reais de compaixão, de desespero, de pessoas realmente morrendo. Não se trata só de nos sentirmos bem por fazermos um diagnóstico acadêmico”, diz o geneticista.

Tratamento gratuito
Denise Nazzaro, uma professora de 46 anos, adoeceu no final de abril, de 2009. Um dia, durante a aula, ela percebeu que estava com dificuldades para manter equilíbrio ao caminhar.
Depois disso, Nazzaro passou a ter visão dupla, a ouvir e ter hipersensibilidade a barulho. Em maio, ela foi diagnosticada com encefalite. Por um motivo desconhecido, seu cérebro inchava e causava os sintomas.
“Fiz muitos testes e todos foram negativos”, disse à BBC.
Sem diagnóstico, Denise piorou. “Era tão ruim que eu nem conseguia ouvir o barulho da minha própria voz. Estava tão fraca que não conseguia pegar uma caneta para escrever meu próprio nome.”
Os sintomas melhoraram quando ela começou um tratamento com esteroides. No entanto, as altas dose do remédio causaram danos - alguns permanentes - no seu organismo. Uma tentativa de ficar sem os remédios provocou uma lesão séria no cerebelo, que afetou sua fala e a coordenação na mão esquerda.
Denise foi aceita no programa em dezembro de 2010, e acaba de ir ao centro em Maryland para os exames. “Ainda bem que o programa é patrocinado pelo governo e eles pagam por tudo. Eu já tinha gasto muito dinheiro com tratamentos.”

Espera
A doença de Kylie McPeak, uma menina de 6 anos que sofre de convulsões inexplicáveis, permanece sem diagnóstico. Ela foi examinada em dezembro de 2009 pelos médicos do UDP e aguarda notícias do NIH. "Ainda não encontramos nenhum caso como o de Kylie, ela é realmente única", disse William Gahl à BBC. "Todos estão muito interessados no caso dela, mas precisaremos de uma análise genética."
Kylie começou a ter convulsões aos 4 anos de idade, depois de passar por um tratamento para diabetes.
Pouco antes das convulsões, ela apresentava leves saltos na fala que evoluíram para dificuldades de dicção. Porque seu corpo se contorce, Kylie desenvolveu uma séria escoliose na coluna e torcicolo no pescoço. Se alimenta por tubos, porque não consegue comer.
“O primeiro médico deu a ela um remédio muito forte que alterou seu comportamento. O segundo disse que ela tinha problemas psicológicos”, lembra Regina Larsen, a mãe da menina.
Hoje, ela frequenta a escola e é acompanhada por três médicos, mas ainda espera por um diagnóstico definitivo.
“Ela não reclama das dores e lida bem com a situação, mas de vez em quando me pergunta: `Lembra de quando eu não era doente?´”, diz Regina.

Camilla Costa


BBC Brasil

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