segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Classificação indicativa de filmes gera discordância entre o Ministério da Justiça e a Vara da Infância do Rio


RIO - Desde outubro do ano passado, alguns cinemas do Rio vêm sendo surpreendidos por fiscais da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso ordenando a proibição da entrada de crianças que não tenham a idade recomendada pela classificação indicativa, mesmo que elas estejam acompanhadas de seus pais. No entanto, o órgão responsável pela classificação indicativa é o Ministério da Justiça, e a portaria número 1.100, de julho de 2006, permite no artigo 19 a entrada de menores com a presença ou a autorização dos pais ou responsáveis. O artigo do ministério se aplica a todas as formas de espetáculo, exceto àqueles recomendados para maiores de 18 anos. Apesar da suposta clareza do texto, integrantes da Vara da Infância do Rio usam o artigo 255 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para legitimar a atitude oposta.
- Em direito, não falamos em certo e errado, mas em interpretações diferentes. Desde que entrei no ministério, em 2007, nunca ouvi casos parecidos, em nenhum lugar do país. É uma interpretação isolada. Para mim, a questão da classificação indicativa já estava superada - conta Davi Pires, diretor do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça.
Pires explica que o ministério, assim como a Constituição, trabalha com o conceito de corresponsabilidade entre sociedade, família e Estado. Desta maneira, o dever do ministério é fornecer a informação sobre o conteúdo dos espetáculos e filmes, mas cabe à família decidir se está de acordo ou não.
- Ainda não consegui falar com a vara. Mandei um ofício no dia 12 de janeiro, imagino que eles já tenham recebido, mas não obtive resposta. O que me foi passado é que eles dizem que o ECA está acima da nossa portaria, mas isso não faz sentido. Trabalhamos alinhados com a Constituição. A portaria é uma forma de entender como as leis existem e como devem ser aplicadas na prática - ele diz.
Ao longo de três dias, O GLOBO tentou falar com a juíza titular da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, Ivone Ferreira Caetano, mas não foi possível contactar a magistrada antes do fechamento desta reportagem.

Classificação funciona na TV
No meio do fogo cruzado das leis, os mais prejudicados são os cinemas e, claro, o público. O supervisor das salas do Grupo Estação, Bruno Sá, conta que recebeu uma notificação da vara em dezembro e desde então tenta, sem sucesso, driblar as reclamações dos clientes.
- Desde 2006, a classificação indicativa funcionava normalmente, como prevê o Ministério da Justiça. Em dezembro, os oficiais vieram aqui com uma notificação proibindo a entrada de crianças ou adolescentes que não tenham a idade recomendada. Nossos clientes ficam revoltados. A classificação indicativa funciona na televisão e no teatro. Só no cinema que não? - reclama Bruno.
Para os responsáveis pelo Grupo Estação, a explicação da vara foi a mesma desculpa passada para o diretor Davi Pires: que o ECA seria mais importante que a portaria do Ministério da Justiça e estaria à frente dela. Já no Unibanco Arteplex a história foi outra. Segundo Lili Monteiro, uma das donas do cinema, fiscais apareceram por lá na época do lançamento do filme "Tropa de elite 2" com a "novidade" e disponibilizaram um número de telefone para mais informações. Ao ligar perguntando o que havia se passado com a lei da classificação indicativa, o cinema ouviu que o artigo 19 da portaria 1.100 teria sido cassado.
- Os pais vêm até a gente reclamar porque não conseguem entrar no cinema, falam que é uma grande hipocrisia. Há poucos meses, emissoras de TV transmitiram imagens de bandidos no Alemão fugindo, trocando tiros com policiais, tudo em plena tarde e sem nenhum pudor. Simplesmente não faz sentido. Nos dias de hoje, o que a Justiça acha que nós (exibidores) podemos proibir crianças e adolescentes de ver? - questiona Lili.
Os cinemas continuam obedecendo a ordem da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, uma vez que o Ministério da Justiça não pode interferir diretamente na determinação.
- Já entrei em contato com o Ministério Público Federal e pedi para chamarem os oficiais da vara para a oficina que vamos dar no Rio no próximo dia 18 para explicar justamente a classificação indicativa. Acho estranho tudo isso agora. A classificação foi um tema muito discutido na sociedade, inclusive representantes do ECA e de outros órgãos de proteção à criança e ao adolescente costumam apoiar a lei - comenta Davi Pires.
Apesar do amparo constitucional, os cinemas não podem ignorar o ofício da Vara da Infância e da Juventude, pois ela tem autoridade para autuar e até fechar o recinto por 15 dias. A multa varia entre 20 e cem salários mínimos.
Enquanto isso, quem é penalizado é o público.
- Eu tinha levado minha filha, que hoje tem 10 anos, para assistir aos filmes anteriores do Harry Potter no cinema, e nunca tivemos problema. Mas, no fim do ano passado, fomos assistir a "Harry Potter e as relíquias da morte - Parte 1", cuja classificação é de 12 anos. Não nos deixaram entrar, alegando uma mudança na lei. Minha filha, agora, está com medo de não conseguir ver o próximo filme do "Crepúsculo" - conta a jornalista Carla Almeida.


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