terça-feira, 15 de março de 2011

Especialistas dizem: mundo não está acabando, só está superlotado


Poder destrutivo de desastres naturais nos últimos anos está relacionado à alta densidade demográfica em áreas de risco

Os desastres naturais estão mais frequentes ou seu efeito e percepção sobre as pessoas é que aumentou? De acordo com especialistas ouvidos pelo iG, a trinca de terremotos destruidores nos últimos dois anos está dentro das estatísticas de abalos sísmicos ocorridos no mundo. Lucas Vieira Barros, chefe do Observatório Sismológico da Universidade de Brasília (UnB) afirma que a média anual é de até dois terremotos acima de oito graus na escala Richter, como foi o caso do terremoto no Japão, de 9 graus, ocorrido na sexta-feira (11) e o do Chile, de 8,8 graus, em fevereiro de 2010. O sismo que devastou o Haiti, em janeiro de 2010, teve sete graus de magnitude e matou mais de 222 mil pessoas. “As estatísticas mostram que o número de 18 tremores acima de sete graus em um ano está dentro do esperado,” afirmou Barros.
Mas o poder destruidor dos terremotos atualmente está muito ligado ao aumento da população mundial, que hoje está chegando aos sete bilhões. Para o professor do Instituto de Geofísica da USP Afonso Vasconcelos Lopes, se a ocorrência dos terremotos for analisada ao longo da década, a série de eventos não está fora do comum, “mas em curto prazo e com este poder destruidor, ela é fora do comum”.
O problema é que mais pessoas estão morrendo a cada tremor. Somando os terremotos do Chile e Haiti, foram mais de 223 mil mortos – até agora, estima-se que o desastre no Japão adicionará mais 3,3 mil a esta conta. Houve ainda o de Sumatra, em 2004, com 9.1 graus de magnitude e seguido por um tsunami, que vitimou cerca de 1228 mil pessoas. Em 2005, outro terremoto, de 8.6 graus, atingiu novamente Sumatra, juntamente com Indonésia, deixando outros mil mortos. Ainda nesta década, ocorreram outros dois grandes: na China (7.9 graus), em 2008, e no Paquistão (7.6) em 2005.
“Estes terremotos foram em áreas de alta densidade populacional, o que faz com que eles sejam tão destrutivos”, disse o professor do Instituto de Geociência da Unesp de Rio Claro, João Carlos Dourado.
O cientista lembra que terremotos acima de nove graus, ainda mais devastadores que o do Japão, tendem a acontecer a cada 40 anos. “No meio do século passado ocorreram três desta magnitude em 12 anos, só que dois deles foram no Alasca, onde havia poucos habitantes”, disse. O terceiro foi no Chile, o maior da história com 9,5 graus, que atingiu as cidades de Temuco e Valdivia em maio de 1960, matando 1.655 pessoas.
De acordo com as estatísticas do Serviço Geológico dos Estados Unidos (US Geological Survey) é esperada a ocorrência de milhares de terremotos menores a cada ano. Estima-se que aconteçam 13 mil tremores entre 4 e 4.9 graus de magnitude e 130 mil entre 3 e 3.9 graus todos os anos. Barros explica que para tremores menores não é preciso tanto tempo de acúmulo de energia. “Em terremotos de baixa magnitude, a área de ruptura é pequena, a energia liberada é pequena. Já para um terremoto maior ser gerado é preciso muitos anos”, disse.
O chefe do Observatório Sismológico da UnB afirma que o importante não é o número de terremotos, mas a sua intensidade. “Terremotos de magnitude três só são percebidos se a pessoa estiver próxima a seu epicentro, coisa de 50 metros, e eles podem ocorrer em área inabitadas, ou no mar e não serem notados”, disse.

Imagens na rede
As imagens do terremoto seguido de tsunami no Japão correram o mundo. Junto com os sismos no Haiti e no Chile - ainda frescos na memória -, deram a sensação, manifestada principalmente nas redes sociais, de que tais eventos estão cada vez mais frequentes. “Não tem muito a ver com memória. A gente recebe muito mais informação e ela também chega muito mais rápido do que uma década atrás”, disse Daniela Bertocchi, pesquisadora de comunicação digital da USP.
Para a pesquisadora, a questão está ligada ao fato de estar todo o mundo falando ao mesmo tempo sobre determinado evento, seja nas redes sociais, na televisão ou pela internet, com vídeos, fotos e comentários postados por vítimas em tempo real. Segundo Daniela, essa avalanche de informação gera ansiedade e expectativa mesmo em eventos ocorridos do outro lado do mundo. “Hoje temos um terremoto seguido de tsunami. Mês passado foi a enchente. Em 2010, foram dois outros terremotos, tudo num espaço de tempo pequeno. Isto passa a impressão de que estão ocorrendo com maior freqüência, embora as estatísticas digam o contrário”, disse.
De acordo com a pesquisadora, outro fato interessante da atualidade é que mesmo é que com a velocidade da informação, boatos são noticiados e repercutidos mesmo que não sejam verdade. “O alerta de segundo tsunami que no fim não aconteceu foi noticiado ao vivo, e todo mundo começou a comentar na hora. Esta explosão de informação não volta. O problema aumenta de tamanho”, disse.

Mudanças climáticas
Barros, da UnB, afirma que é importante não incluir terremotos nas questões relacionadas às mudanças climáticas. “Os terremotos são fenômenos geológicos que estão dentro da terra, o fato de o clima mudar não afeta em nada a sua ocorrência. A variação de um ou dois graus na temperatura atmosférica não interfere na movimentação da crosta terrestre”, disse Barros.
Para a climatologista do Instituto de Geociências da Unicamp, Luci Hidalgo Nunes, de fato, desastres naturais como secas e enchentes estão mais frequentes, mas estão impressionando mais por atingirem mais gente. Luci argumenta que de acordo com dados de 1948, mais de 250 pessoas morreram em uma enchente na região de Além Paraíba (MG), provocada por uma chuva concentrada e de forte intensidade. Em 2011, o mesmo tipo de chuva resultou em mais de 800 mortos na tragédia da serra fluminense. “Eu não tenho dúvida de que as mudanças climáticas estão ocorrendo, mas é preciso levar em conta que também há mais gente em áreas de risco como encostas em áreas onde podem ocorrer chuvas intensas”, disse.

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