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domingo, 12 de julho de 2009
A Prémio Nobel dos iranianos que não têm direito a uma voz
Bem, hoje aconteceu uma coisa interessante no trabalho." Foi assim que Shirin Ebadi, a iraniana e única mulher muçulmana detentora do Prémio Nobel da Paz - que lhe foi outorgado em 2003 -, começou a conversa com o marido para lhe contar que, nesse dia, ela tinha lido a sua própria sentença de morte.
Estava-se no Outono de 2000. Há muito que a advogada, e uma vez juíza do Tribunal de Teerão, perdera a ingenuidade quanto ao tipo de regime que controlava o país. Longe iam os dias em que Shirin Ebadi e o marido, à semelhança do que faziam os milhões que residem em Teerão, subiam ao telhado da sua casa, quando o relógio marcava as 9 horas da noite para - numa resposta ao pedido do ayatollah Khomeini - gritar a plenos pulmões "Allah akbar" (Deus é grande"). Agora, Ebadi integrava um grupo de advogados que procurava preparar o processo de opositores assassinados pelos esbirros da República Islâmica. Um processo só possível porque, pela primeira vez, o Estado assumira que tinha eliminado os seus críticos. E fizera-o de forma arbitrária.
"A próxima pessoa a morrer é Shirin Ebadi." Fora esta a frase que a advogada lera, nesse dia, ao tentar inteirar- -se das acusações feitas às duas vítimas cuja defesa estava a seu cargo. Ebadi seguiu a narrativa com atenção: tratava-se do relato de uma conversa entre o ministro dos Serviços Secretos iraniano e o indivíduo que deveria executar o crime. Este estava disposto a agir de imediato mas o ministro insistia que a advogada só deveria ser assassinada após o mês do Ramadão. Por razões que a própria "condenada" não conseguiu apurar, a execução nunca foi consumada. Mas, nesse dia, Ebadi leu a sua sentença de morte e - como ela própria conta numa das suas obras - face a ela "não me sentia assustada, nem estava zangada. Lembro-me sobretudo de um avassalador sentimento de descrença. Pensava: por que é que eles me odeiam tanto?" Mais tarde, após o jantar, Ebadi relata ao marido o que lera, começando a conversa com a frase: "Bem, hoje aconteceu uma coisa interessante no trabalho..."
Mas, afinal, quem é esta mulher que os clérigos de Teerão temiam? Corria o dia 21 de Junho de 1947, quando, em Hamedan (Oeste do Irão), Shirin veio ao mundo. A recebê-la teve uma família abastada, algo tradicional mas sem ser conservadora ou religiosa em excesso. Uma casa "bastante grande" foi o universo da sua infância em Teerão, onde os pais não estabeleceram qualquer diferença na educação entre ela e o irmão. Para grande escândalo do "pessoal doméstico".
Ebadi foi uma jovem do seu tempo. No poder estava o xá, nas ruas de Teerão, as jovens iranianas usavam a minissaia, participavam em tertúlias literárias. Sem véu, lenço ou chador.
Ebadi não foi excepção. Cursou Direito porque queria seguir a magistratura. E assim o fez. Aos 23 anos, é uma das juízas do Tribunal do Teerão, o que a faz perder vários pretendentes. Porque, como ela própria conta, os homens, por mais liberais que fossem, "temiam ser casados com uma juíza". Até que, na Primavera de 1975, apareceu Javad - o engenheiro com quem a "teimosa" Shirin acabou por casar e com quem teve duas filhas. É com ele que a juíza partilha a sua própria queda: o regime dos ayatollahs, ao contrário do xá, veda à mulher iraniana cargos de magistratura; daí que Ebadi seja afastada para um trabalho menor no Ministério da Justiça, situação que não consegue aceitar. Os seus protestos e a "greve de zelo" nada alteram. E a depressão espreita. Salva-a o nascimento da segunda filha.
Reformada - com 15 anos de serviço, como prevê a lei da República Islâmica -, Ebadi tem tempo para tudo: para a família, para os seus artigos, para os livros - que começa a escrever -, para se despedir dos amigos que abandonam o país, para ficar atenta à violência dos esbirros do regime contra o povo. E desse povo faz parte o jovem Fuad, o irmão mais novo do marido, que foi executado na prisão após um processo que nada tem de credível. A execução de Fuad, no Outono de 1988, marca profundamente Ebadi; de tal modo que fala dela a toda a gente, numa violação - quase desafio - às ordens que haviam recebido. Torna-a "mais obstinada". Fuad e Leila, a criança de nove anos que é violada por três adultos e depois assassinada, são os dois casos que, de certa forma, forçam Shirin Ebadi a sair de si própria, a retomar a sua coragem para desafiar o poder. Recuperada a autorização para exercer advocacia, Ebadi transforma-se na voz daqueles que a não têm.
Hoje, Shirin Ebadi, fundadora do Círculo de Defesa dos Direitos Humanos, é uma das vozes incontornáveis no Irão. O que não significa que a sua segurança seja, por isso, um dado adquirido.
A prová-lo, o facto de mais de um dos advogados que com ela colabora terem sido detidos no rescaldo dos protestos contra os resultados das eleições presidenciais.
Fonte: DNGlobo
Foto: José Meneses de Oliveira
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