Dois anos depois do desaparecimento de engenheira, apurações realizadas pelas polícias Civil e Militar apresentam conclusões opostas, que serão confrontadas no tribunal
Rio - Um processo de 2.192 páginas marcado por contradições e investigações feitas pelas polícias Civil e Militar, pelo advogado dos acusados e até pelo pai da vítima. Apesar da repercussão, há dois anos, o desaparecimento da engenheira Patrícia Amieiro Branco de Franco, 24 anos, ainda está longe de um desfecho na Justiça.
Quatro PMs foram denunciados pelo Ministério Público Estadual com base em relatório da Polícia Civil, mas inocentados em Inquérito Policial-Militar (IPM), conforme O DIA mostrou com exclusividade na edição de segunda-feira. Ainda há lacunas no quebra-cabeça dos documentos que poderiam revelar o que aconteceu com a jovem em 14 de julho de 2008, dia em que desapareceu no trajeto da Urca à Barra da Tijuca.
Um dos pontos obscuros é não ter sido encontrado sangue de Patrícia no carro dela, um Palio, que despencou de ribanceira e ficou à margem do Canal de Marapendi, na Barra. O laudo de exame de DNA 089/2008 do Instituto de Pesquisa e Perícias em Genética Forense da Polícia Civil atesta que não há vestígios biológicos da engenheira. Porém, no teto do carro, foram coletadas amostras de ‘perfil genético masculino’.
Embora a informação conste no relatório final do inquérito da Delegacia de Homicídios enviado à Justiça, a perícia não identifica o dono do material genético.
Para a Polícia Civil, o Palio de Patrícia foi atingido por dois tiros dados pelos PMs Marcos Paulo Nogueira Maranhão e William Luís do Nascimento. Eles teriam contado com a ajuda de Fábio da Silveira Santana e Marcelo Soares Fernandes para ocultar o corpo. A tese de que os policiais atiraram é contestada na apuração da PM, com base em depoimentos que não foram prestados à investigação da Polícia Civil.
O maior confronto nos dois trabalhos, no entanto, é sobre o paradeiro de Patrícia. Para a PM, ela foi levada por traficantes e morta na Favela da Rocinha, onde foram feitas buscas, sem sucesso. Já a Civil concluiu que o corpo foi retirado do carro e ocultado pelos policiais acusados após o acidente.
A PM começou a investigar o caso depois que peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli registraram suposta ameaça por militares.
Em um mês, haverá nova audiência no 1º Tribunal do Júri. “A PM não tem competência para apurar homicídio. O IPM não vai influenciar”, acredita a promotora Viviane Tavares Henriques. Já o advogado dos réus, Nélio Andrade, vai explorar o resultado do inquérito na defesa: “Vamos levar as testemunhas ouvidas no IPM para depor no júri. Quero novas perícias idôneas”.
Pai de jovem também foi a campo
Os desencontros das investigações das polícias Civil e Militar e a iniciativa do advogado de defesa, Nélio Andrade, de procurar testemunhas fizeram com que Celso Franco, pai da engenheira Patrícia, também decidisse sair em busca de informações por conta própria. Em agosto de 2009, ele gravou uma conversa com uma das principais testemunhas ouvidas pela PM. O diálogo foi atestado pelo perito Ricardo Molina de Figueiredo e anexado ao processo.
Para o pai da engenheira, a testemunha mentiu no depoimento que prestou à PM no qual revelava que Patrícia teria sido levada por traficantes da Rocinha. “Ele demonstrou que não conhecia a minha filha e deu informações erradas sobre a roupa que ela usava e o carro dela. Tenho certeza de que ele mentiu”, desabafa o pai da engenheira.
Celso ressalta ainda que a filha dele nunca usou drogas, ao contrário do que consta no IPM. Na conversa, a testemunha disse a Celso que traficantes da Rocinha fizeram ligação anônima para a PM, avisando que uma mulher fora sequestrada e o carro dela passaria pelo Túnel do Joá.
Dois anos após o desaparecimento de Patrícia, mesmo sem o corpo, a família está certa de que ela foi morta. O advogado Alexandre Dumans diz que a família só busca a verdade. “Não há vingança. Eles gostariam que pelo menos fosse encontrado um dente dela”, afirma. Dumans espera que se os PM forem analisados por júri popular, revelem o paradeiro do corpo da engenheira.
Divergências beneficiam a defesa dos acusados
Para o advogado Luiz Flávio Gomes, especialista em Direito Penal, divergências entre as investigações das polícias Civil e Militar podem beneficiar os acusados. “Esse comportamento das polícias é favorável à defesa. Em geral, os júris começam com os réus vencendo por 1 x 0. Ainda mais em um caso onde há denúncia de homicídio sem o corpo. Para a condenação, as provas terão que ser muito bem explicadas”, avalia Gomes.
Na análise do advogado Antônio Gonçalves, criminalista e consultor de Direitos Humanos da OAB-SP, o IPM será bem explorado pela defesa dos policiais. “A defesa pode tentar descaracterizar cada laudo. A estratégia é mostrar que não há provas suficientes da participação dos policiais militares. Se houver dúvidas sobre a idoneidade dos laudos, eles serão anulados. Nesse caso, não há testemunhas de que os policiais atiraram na vítima e ocultaram o corpo”, opina.
A decisão de os policiais irem a júri popular será tomada pelo juiz Fábio Uchôa. A expectativa é a de que a definição seja anunciada até o fim do ano. Semana passada, peritos que denunciaram ter sido constrangidos em depoimento no IPM, na Auditoria de Justiça Militar, começaram a ser ouvidos pela promotora Viviane Tavares Henriques, do 1º Tribunal do Júri.
Desde o início, muitos pontos conflitantes
Rio - Um processo de 2.192 páginas marcado por contradições e investigações feitas pelas polícias Civil e Militar, pelo advogado dos acusados e até pelo pai da vítima. Apesar da repercussão, há dois anos, o desaparecimento da engenheira Patrícia Amieiro Branco de Franco, 24 anos, ainda está longe de um desfecho na Justiça.
Quatro PMs foram denunciados pelo Ministério Público Estadual com base em relatório da Polícia Civil, mas inocentados em Inquérito Policial-Militar (IPM), conforme O DIA mostrou com exclusividade na edição de segunda-feira. Ainda há lacunas no quebra-cabeça dos documentos que poderiam revelar o que aconteceu com a jovem em 14 de julho de 2008, dia em que desapareceu no trajeto da Urca à Barra da Tijuca.
Um dos pontos obscuros é não ter sido encontrado sangue de Patrícia no carro dela, um Palio, que despencou de ribanceira e ficou à margem do Canal de Marapendi, na Barra. O laudo de exame de DNA 089/2008 do Instituto de Pesquisa e Perícias em Genética Forense da Polícia Civil atesta que não há vestígios biológicos da engenheira. Porém, no teto do carro, foram coletadas amostras de ‘perfil genético masculino’.
Embora a informação conste no relatório final do inquérito da Delegacia de Homicídios enviado à Justiça, a perícia não identifica o dono do material genético.
Para a Polícia Civil, o Palio de Patrícia foi atingido por dois tiros dados pelos PMs Marcos Paulo Nogueira Maranhão e William Luís do Nascimento. Eles teriam contado com a ajuda de Fábio da Silveira Santana e Marcelo Soares Fernandes para ocultar o corpo. A tese de que os policiais atiraram é contestada na apuração da PM, com base em depoimentos que não foram prestados à investigação da Polícia Civil.
O maior confronto nos dois trabalhos, no entanto, é sobre o paradeiro de Patrícia. Para a PM, ela foi levada por traficantes e morta na Favela da Rocinha, onde foram feitas buscas, sem sucesso. Já a Civil concluiu que o corpo foi retirado do carro e ocultado pelos policiais acusados após o acidente.
A PM começou a investigar o caso depois que peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli registraram suposta ameaça por militares.
Em um mês, haverá nova audiência no 1º Tribunal do Júri. “A PM não tem competência para apurar homicídio. O IPM não vai influenciar”, acredita a promotora Viviane Tavares Henriques. Já o advogado dos réus, Nélio Andrade, vai explorar o resultado do inquérito na defesa: “Vamos levar as testemunhas ouvidas no IPM para depor no júri. Quero novas perícias idôneas”.
Pai de jovem também foi a campo
Os desencontros das investigações das polícias Civil e Militar e a iniciativa do advogado de defesa, Nélio Andrade, de procurar testemunhas fizeram com que Celso Franco, pai da engenheira Patrícia, também decidisse sair em busca de informações por conta própria. Em agosto de 2009, ele gravou uma conversa com uma das principais testemunhas ouvidas pela PM. O diálogo foi atestado pelo perito Ricardo Molina de Figueiredo e anexado ao processo.
Para o pai da engenheira, a testemunha mentiu no depoimento que prestou à PM no qual revelava que Patrícia teria sido levada por traficantes da Rocinha. “Ele demonstrou que não conhecia a minha filha e deu informações erradas sobre a roupa que ela usava e o carro dela. Tenho certeza de que ele mentiu”, desabafa o pai da engenheira.
Celso ressalta ainda que a filha dele nunca usou drogas, ao contrário do que consta no IPM. Na conversa, a testemunha disse a Celso que traficantes da Rocinha fizeram ligação anônima para a PM, avisando que uma mulher fora sequestrada e o carro dela passaria pelo Túnel do Joá.
Dois anos após o desaparecimento de Patrícia, mesmo sem o corpo, a família está certa de que ela foi morta. O advogado Alexandre Dumans diz que a família só busca a verdade. “Não há vingança. Eles gostariam que pelo menos fosse encontrado um dente dela”, afirma. Dumans espera que se os PM forem analisados por júri popular, revelem o paradeiro do corpo da engenheira.
Divergências beneficiam a defesa dos acusados
Para o advogado Luiz Flávio Gomes, especialista em Direito Penal, divergências entre as investigações das polícias Civil e Militar podem beneficiar os acusados. “Esse comportamento das polícias é favorável à defesa. Em geral, os júris começam com os réus vencendo por 1 x 0. Ainda mais em um caso onde há denúncia de homicídio sem o corpo. Para a condenação, as provas terão que ser muito bem explicadas”, avalia Gomes.
Na análise do advogado Antônio Gonçalves, criminalista e consultor de Direitos Humanos da OAB-SP, o IPM será bem explorado pela defesa dos policiais. “A defesa pode tentar descaracterizar cada laudo. A estratégia é mostrar que não há provas suficientes da participação dos policiais militares. Se houver dúvidas sobre a idoneidade dos laudos, eles serão anulados. Nesse caso, não há testemunhas de que os policiais atiraram na vítima e ocultaram o corpo”, opina.
A decisão de os policiais irem a júri popular será tomada pelo juiz Fábio Uchôa. A expectativa é a de que a definição seja anunciada até o fim do ano. Semana passada, peritos que denunciaram ter sido constrangidos em depoimento no IPM, na Auditoria de Justiça Militar, começaram a ser ouvidos pela promotora Viviane Tavares Henriques, do 1º Tribunal do Júri.
Desde o início, muitos pontos conflitantes
TEMPO
A Polícia Civil calcula que os PMs levaram sete minutos para tirar o corpo de Patrícia do carro, mexer na cena do crime, sumir com o corpo e chamar os bombeiros. A PM acha o tempo é curto demais, porque os dois acusados que primeiro chegaram ao local do crime teriam que convencer os outros dois réus a participar da ação.
FRAGMENTOS
A Polícia Civil achou seis fragmentos de arma de fogo no carro. Nas duas primeiras análises, a perita Karina do Espírito Santo Pereira atestou que um deles seria compatível com uma pistola calibre 40, mas que o confronto balístico com as armas dos PMs era inconclusivo porque o material era pequeno. Em análise por foto, o diretor do ICCE constatou que havia probabilidade de o fragmento ter saído da arma do PM Marcos Paulo.
PERÍCIA CONTRATADA
Advogado dos policiais contratou o perito Domingos Tocchetto, especialista em balística forense, para avaliar o laudo. Segundo ele, não há prova pericial que possa atribuir aos acusados a autoria dos disparos.
RACHA NO ICCE
Diretora do ICCE na época do sumiço, Martha de Souza Pereira contestou, em depoimento à Justiça, a escolha dos peritos Marcos Luiz Gonçalves e Liu Tsun pela Delegacia Antissequestro para avaliar o carro de Patrícia. Na ocasião, investigava-se hipótese de sequestro. Ela também questionou o tipo de reagente usado na perícia das viaturas dos PMs, que não seria adequado. No exame, não foram identificados vestígios de sangue de Patrícia nos veículos.
AMEAÇA A PERITOS
Em depoimento à Justiça, a perita Karina do Espírito Santo Pereira informou que recebeu ameaça de ter o ponto cortado pela direção do Departamento de Polícia Técnica Científica se não apresentasse logo o laudo da balística. Os peritos Marcos e Liu teriam recebido ameaças de PMs. O registro foi na Delegacia de Homicídios. Eles e outros peritos foram ouvidos na Auditoria de Justiça Militar. Parte do grupo denunciou ter sido constrangido. A promotoria do 1º Tribunal do Júri investiga a denúncia.
DEPOIMENTO DO IPM
Uma das testemunhas ouvidas no IPM disse na Justiça que foi localizada em casa por um policial militar. Segundo ela, durante o depoimento na PM, seguiu a linha de raciocínio de um sargento e uma capitã. Ela revelou ainda ter sido coagida a fazer afirmações.
O INÍCIO DO MISTÉRIO
O caso Patrícia começou a ser investigado como acidente de trânsito pela 16ª DP (Barra da Tijuca). Como não havia pistas do paradeiro da engenheira, a Delegacia Antissequestro entrou no caso. Com a constatação de tiros no veículo, a investigação foi para Homicídios.
Reportagem de Adriana Cruz e Vania Cunha
O DIA ONLINE
A Polícia Civil calcula que os PMs levaram sete minutos para tirar o corpo de Patrícia do carro, mexer na cena do crime, sumir com o corpo e chamar os bombeiros. A PM acha o tempo é curto demais, porque os dois acusados que primeiro chegaram ao local do crime teriam que convencer os outros dois réus a participar da ação.
FRAGMENTOS
A Polícia Civil achou seis fragmentos de arma de fogo no carro. Nas duas primeiras análises, a perita Karina do Espírito Santo Pereira atestou que um deles seria compatível com uma pistola calibre 40, mas que o confronto balístico com as armas dos PMs era inconclusivo porque o material era pequeno. Em análise por foto, o diretor do ICCE constatou que havia probabilidade de o fragmento ter saído da arma do PM Marcos Paulo.
PERÍCIA CONTRATADA
Advogado dos policiais contratou o perito Domingos Tocchetto, especialista em balística forense, para avaliar o laudo. Segundo ele, não há prova pericial que possa atribuir aos acusados a autoria dos disparos.
RACHA NO ICCE
Diretora do ICCE na época do sumiço, Martha de Souza Pereira contestou, em depoimento à Justiça, a escolha dos peritos Marcos Luiz Gonçalves e Liu Tsun pela Delegacia Antissequestro para avaliar o carro de Patrícia. Na ocasião, investigava-se hipótese de sequestro. Ela também questionou o tipo de reagente usado na perícia das viaturas dos PMs, que não seria adequado. No exame, não foram identificados vestígios de sangue de Patrícia nos veículos.
AMEAÇA A PERITOS
Em depoimento à Justiça, a perita Karina do Espírito Santo Pereira informou que recebeu ameaça de ter o ponto cortado pela direção do Departamento de Polícia Técnica Científica se não apresentasse logo o laudo da balística. Os peritos Marcos e Liu teriam recebido ameaças de PMs. O registro foi na Delegacia de Homicídios. Eles e outros peritos foram ouvidos na Auditoria de Justiça Militar. Parte do grupo denunciou ter sido constrangido. A promotoria do 1º Tribunal do Júri investiga a denúncia.
DEPOIMENTO DO IPM
Uma das testemunhas ouvidas no IPM disse na Justiça que foi localizada em casa por um policial militar. Segundo ela, durante o depoimento na PM, seguiu a linha de raciocínio de um sargento e uma capitã. Ela revelou ainda ter sido coagida a fazer afirmações.
O INÍCIO DO MISTÉRIO
O caso Patrícia começou a ser investigado como acidente de trânsito pela 16ª DP (Barra da Tijuca). Como não havia pistas do paradeiro da engenheira, a Delegacia Antissequestro entrou no caso. Com a constatação de tiros no veículo, a investigação foi para Homicídios.
Reportagem de Adriana Cruz e Vania Cunha
O DIA ONLINE
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