segunda-feira, 29 de junho de 2009

Dormindo com a inimiga



Um crime silencioso acontece dentro dos lares brasileiros. Frequente, porém sutil, muitas vezes está disfarçado de amor e cuidados. Na maior parte das vezes, é cometido por mães, seres santificados pela sociedade e pela Justiça, mas que podem se transformar em criaturas levianas e egoístas quando se transforam em…ex-mulheres. Quem não tem um familiar ou amigo que está sendo afastado de seu filho após a separação? Quem não ouviu as histórias mais escabrosas sobre pais divorciados que ganham cabelos brancos brigando na Justiça por um pernoite com suas crianças? Quem não sentou na mesa de bar com um amigo que luta para poder ser um pai de verdade e ficou até de madrugada ouvindo seu desabafo de homem amargo, confuso e, principalmente, impotente?
Eu coleciono tais histórias entre meus amigos. Um deles passou o último aniversário do filho rodando em todos os endereços em que ele poderia estar - o da mãe, dos avós maternos, de parentes. Em vão. Ninguém atendeu o interfone ou lhe deu informação decente. Não conseguiu dizer parabéns. Outro briga na Justiça há um ano para conseguir um fim de semana inteiro. O filho, de dois, não sabe mais o que é dormir com o pai. Um teceiro batalha para conseguir atenção da filha adolescente, que se sente traída e abandonada, seguindo a cartilha da mãe.
Esses homens devem alguma coisa a alguém? Não. Trabalham, pagam suas contas - e as do filho! Deles foi cobrada participação quando eram casados. Trocaram fraldas, passaram noites acordados, seguindo a cartilha do novo pai. Por que agora se transformaram em cidadãos sem direitos aos olhos das ex-mulheres? A palavra é uma só: vingança. Quantos pais ouviram de seus fihos: não quero ir com você? Verdade? Ou apenas um conflito de fidelidade da criança, diante do comportamento e das posições da mãe?
Mas um projeto prestes a ser aprovado na Comissão de Seguridade Social da Câmara quer dar a partida para acabar com este crime, que leva o nome de Síndrome da Alienação Parental. Se ficar caracterizado que o filho é levado pelo familiar que tem a guarda a se afastar do outro depois da separação, será penalizado com a perda da guarda ou até 6 a 24 meses de prisão. Exagero para o que pode ser apenas um “probleminha doméstico”? Não acho, nunca achei e acho menos ainda depois que vi o documentário A Morte Inventada, do diretor Alan Minas, que desde abril está correndo o país em pequenas salas de exibição, mostrando como tal comportamento pode comprometer emocionalmente a vida dos filhos, causando dor e todo tipo de problema psicológico.
No filme, vemos relatos de pais afastados de seus filhos, sofrendo com a perda do contato - que pode ser irreversível no caso de crianças pequenas - e com a morosidade e o conservadorismo da Justiça. Outros de jovens adultos que passaram a infância e a adolescência “alienados” de seus pais e hoje já conseguem perceber os mecanismos sutis que os forçavam a compactuar com as atitudes da mãe ressentida. Um dos casos chega ao extremo do pai e do avô serem acusado pela mãe de abusar sexualmente da criança. Quando uma denúncia dessas acontece, com ou sem indícios, o afastamento é imediato - o pai que prove sua inocência, correndo o risco de, até lá, perder totalmente a cumplicidade com o filho ou filha.Se falo aqui especificamente de mães é por uma questão ao mesmo tempo estatística e testemunhal: em 95% dos casos de separação, a guarda é da mãe. E têm sido sempre elas as vilãs das histórias dos meus amigos e conhecidos.
Sei que cada história é uma história e não é algo fácil ter as expectativas de felicidade eterna destruídas. Mas acho que ser separada e mãe de dois filhos me dá um mínimo de autoridade para falar no assunto. Já nas primeiras semanas após o fim do meu casamento, combinei com o pai deles um esquema informal de visitação - nome, aliás, que acho inconveniente, já que não há “visitas” nessa história. As crianças vão para a casa do pai, que é a casa deles também. Quando formalizamos a separação, firmamos a guarda compartilhada - bem antes de esta ser aprovada no país. Hoje os meninos dormem na casa do pais duas vezes por semana, além dos fins de semana alternados. Se eu sinto falta deles quando não estão comigo? Claro que sim - embora nem sempre. Mas isso não importa. O importante é que eles não sintam falta do pai e nem de mim, que estejamos sempre presentes na vida deles. É justamente isso o que essas mães não vêem. Ao usar as crianças como arma contra o pai deles, acham que os atingidos são seus ex-maridos. Se enganam. São seus queridos e amados filhos, aqueles sobre quem elas derramam seus argumentos raivosos, são as verdadeiras vítimas disso tudo.
Tambem já tive amigas do outro lado. Seus argumentos não se sustentavam. “Mas ele nunca foi pai de verdade, nunca fez nada! Por que agora quer ficar com o garoto?”, me disse uma delas. Porque eles - pai e filho - têm direito. Simples assim. Nunca é tarde para ser bom pai ou boa mãe. Nunca é tarde para estreitar laços. A Síndrome da Alienação Parental não é um problema novo. O termo foi criado e ganhou dimensão a partir da década de 80. Mas com o aumento dos divórcios, que quadruplicaram nos últimos dez anos, esta passou a ser a triste realidade de um número muito maior de crianças. A síndrome, que é considerada uma forma de abuso emocional, pode causar a elas sentimento crônico de culpa, depressão crônica, comportamento hostil e transtornos de identidade.
O projeto foi idealizado pelo juiz do trabalho Elizio Luiz Perez, apoiado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), e levado à Câmara pelo deputado Régis de Oliveira (PSC-SP). Está caminhando bem pelas comissões e, segundo apurei, deverá ser aprovado sem maiores dificuldades. Mas fiquei pensando como tal crime silencioso poderá ser comprovado, para que haja a devida penalização. Como reunir provas concretas do que ocorre dentro dos lares, sem testemunhas, e muitas vezes até sem palavras? De acordo com a proposta, uma vez acontecendo a denúncia, a Justiça deverá determinar que uma equipe multidiscplinar, formada por educadores e psicólogos, ouça familiares, testemunhas e a própria criança ou adolescente. Por mais que seja difícil comprovar, já é um belo passo. “O Judiciário tende a ser conservador ao tratar do assunto. O projeto busca dar aos juízes e promotores ferramentas mais adequadas, criando definições e um ordenamento jurídico para lidar com o tema”, afirma Elizio Peres.

Abaixo, o que o projeto determina como formas de alienação parental e um video com o trailer de A Morte Inventada.- realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
- dificultar o exercício do poder familiar;
- dificultar contato da criança com o outro genitor;
- apresentar falsa denúncia contra o outro genitor para dificultar seu convívio com a criança;
- omitir deliberadamente do outro genitor informações pessoais relevantes sobre a criança, inclusive informações escolares, médicas e alterações de endereço;
- mudar de domicílio para locais distantes, sem justificativa, visando dificultar a convivência com o outro genitor.


Martha Mendonça

Época

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