Aconchegar um filho, conversar com ele, fazer-se presente em reuniões escolares, no dia a dia deles. Enfim, “ter tempo” para dedicar a eles pode acabar se tornando um obstáculo para a agilização desse tempo “calculado” em gigabytes. Terceirizá-los para babás, reais ou virtuais: computador, TV, jogos eletrônicos… acaba parecendo ser, muitas vezes, uma opção. Uma opção em que a superficialidade dos vínculos substitui a tão necessária intimidade.
Em uma época de tanta valorização dos resultados e da aparência, como tolerar a dependência necessária para que nossas crianças e adolescentes possam se desenvolver bem e com a certeza de disporem de “um porto seguro”? Como poder ter a intimidade para se envolver e vibrar com as brincadeiras infantis, um território tão importante para a experimentação e expressão das crianças? Tenho pensado o quanto nossa cultura, de um modo geral, tem tentado “banir ou abreviar” a infância.
“Brincadeiras clássicas”, como pega-pega, cantigas de roda, boneca, que tanto encantavam as crianças, talvez estejam desaparecendo, quase que fazendo parte de um passado jurássico. É como se, no “mundo pseudomaduro” em que vivemos, não houvesse mais lugar para as mesmas.
O lugar do faz de conta, do sonhar, do brincar, um espaço privilegiado chamado infância, está perdendo terreno para um “arremedo de mundo adulto”, onde o estímulo está mais na ação do que na imaginação. Assim, por exemplo, a ideia de a criança poder brincar, imaginando-se como os pais, imitando-os, vem sendo substituída pela ação, ou seja, “miniadultos” com agendas lotadas, roupas sensuais, danças erotizadas, cabeleireiros… aparência de adultos em corpos e mentes infantis. Estou longe de pensar a infância como um tempo “angelical”, penso, sim, como um tempo de sonhar, de brincar, um tempo mágico!
Este enredo da infância atual parece ser um “script” escrito com a forma impactante da imagem/aparência. Ocorre-me pensar de quem, de fato, seria a autoria de tal “script”. Acredito que as crianças querem, sobretudo, brincar, ter carinho. Não me parece que se ocupariam de tal “script”. Já os adultos, mergulhados em uma cultura competitiva, precisam, muitas vezes, que os filhos sejam “uma segunda edição revisada de si mesmos”, na qual erros e falhas não podem ter espaço.
Talvez precisemos dar “uma passeada pela Terra do Nunca”, de Peter Pan, Wendy, Sininho, e redescobrir o mundo fantástico da infância. Talvez, assim, possamos nos deixar capturar pela magia do brincar criativo e do sonhar. Quem sabe, deste modo, seja possível nos reaproximarmos de nossas crianças.
Acredito que esteja em nossas mãos um caminho precioso para construirmos uma sociedade mais saudável: a redescoberta da infância.
Kátia Wagner Radke
Psicanalista da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre
Brasil Contra a Pedofilia
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