Perison Santana Pereira mora com a mulher, Ana Cláudia. Juntos, cuidam da bebê de um mês, Ana Clara. Perison é sério e não gosta de falar muito, mas os olhos se iluminam e um sorriso se abre quando fala da filha: "Ela tem as bochechas gordinhas", diz, com indisfarçável orgulho de pai. O que parece uma história comum ganha outros contornos ao saber a idade do casal: ambos têm 17 anos. "Moro com meus sogros. Temos nosso canto, mas dividimos o quintal com eles", conta o jovem chefe de família, que é lavador de carros em São Paulo. Das 8h às 18h, ele dá expediente num lava-rápido, sem horário de almoço, para bancar as contas do casal."Não sobra tempo para nada. Quando minha filha tiver minha idade, quero que esteja estudando."
As novas responsabilidades fizeram Perison parar de estudar no ano passado, depois de terminar a oitava série. Ana Cláudia interrompeu os estudos no ensino fundamental também. Os motivos para deixar a escola e começar a trabalhar muitas vezes coincidem: necessidade de chefiar a casa, desinteresse, problemas familiares, gravidez. O fato é que o Brasil tem hoje 233.908 crianças e adolescentes que são chefes de família, segundo o relatório "Situação da Infância Brasileira 2009", do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio. "Sair do ensino médio é muitas vezes sair da família", explica a representante do Unicef no Brasil, Marie-Pierre Poirier.
"As meninas perdem automaticamente o direito de ser criança com a gravidez precoce", afirma Marie. Para os rapazes, a situação não é melhor. A pressão para entrar no mercado e ajudar em casa é grande. "O fato de serem chefes de família mostra que a sociedade não se organizou para garantir o direito deles de ser adolescente", diz ela. "Isso perpetua o ciclo da pobreza, da exclusão e da situação de ser adulto antes da hora."
Embora o número de crianças e adolescentes trabalhando seja maior no Nordeste - 27,9% deles estão lá - e no Norte, o Sudeste também tem milhares de jovens à frente de famílias. "Não é só um problema rural. Nos grandes centros urbanos, a organização social é mais pulverizada", comenta Marie. É comum o jovem buscar sua identidade e afirmação por meio de comportamentos que levam ao abandono da escola. Foi o que ocorreu com Leonardo dos Santos, 16 anos.
Empacotador em um mercado de São Paulo, ele largou a escola há três anos, na quinta série. Embora não seja arrimo de família, será responsável por outra vida. Leonardo vai ser pai. Não tem planos de ficar com a jovem, que está grávida de sete meses, mas vai pagar pensão para o bebê. Quando é perguntado sobre os projetos para o futuro, paira um silêncio espantado. Um espaço em branco, como se ele nunca houvesse parado para pensar no assunto.
As novas responsabilidades fizeram Perison parar de estudar no ano passado, depois de terminar a oitava série. Ana Cláudia interrompeu os estudos no ensino fundamental também. Os motivos para deixar a escola e começar a trabalhar muitas vezes coincidem: necessidade de chefiar a casa, desinteresse, problemas familiares, gravidez. O fato é que o Brasil tem hoje 233.908 crianças e adolescentes que são chefes de família, segundo o relatório "Situação da Infância Brasileira 2009", do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio. "Sair do ensino médio é muitas vezes sair da família", explica a representante do Unicef no Brasil, Marie-Pierre Poirier.
"As meninas perdem automaticamente o direito de ser criança com a gravidez precoce", afirma Marie. Para os rapazes, a situação não é melhor. A pressão para entrar no mercado e ajudar em casa é grande. "O fato de serem chefes de família mostra que a sociedade não se organizou para garantir o direito deles de ser adolescente", diz ela. "Isso perpetua o ciclo da pobreza, da exclusão e da situação de ser adulto antes da hora."
Embora o número de crianças e adolescentes trabalhando seja maior no Nordeste - 27,9% deles estão lá - e no Norte, o Sudeste também tem milhares de jovens à frente de famílias. "Não é só um problema rural. Nos grandes centros urbanos, a organização social é mais pulverizada", comenta Marie. É comum o jovem buscar sua identidade e afirmação por meio de comportamentos que levam ao abandono da escola. Foi o que ocorreu com Leonardo dos Santos, 16 anos.
Empacotador em um mercado de São Paulo, ele largou a escola há três anos, na quinta série. Embora não seja arrimo de família, será responsável por outra vida. Leonardo vai ser pai. Não tem planos de ficar com a jovem, que está grávida de sete meses, mas vai pagar pensão para o bebê. Quando é perguntado sobre os projetos para o futuro, paira um silêncio espantado. Um espaço em branco, como se ele nunca houvesse parado para pensar no assunto.
Com um passo de cada vez, N.S.S., 18 anos, está construindo seu destino. Pai de uma menina de um ano e oito meses, e esperando a chegada de um menino, é funcionário em um supermercado na periferia paulistana. "Trabalho desde os 13 anos, fazendo bicos", diz ele, que já foi funcionário de lanchonete, de transportadora e ajudante de pedreiro. E, contrariando as estatísticas, teve disciplina e persistência para continuar os estudos - está perto de terminar o ensino médio, na idade certa. "Só parei de estudar quando minha filha nasceu, para dar suporte à minha mulher", conta. N.S.S. tem planos de fazer faculdade ou prestar um concurso, e mais adiante comprar uma casa só para a família. Hoje, ele mora com a mãe, e a namorada, com os pais dela.
Para modificar esse tipo de história e dar tempo para a adolescência terminar a seu tempo, a escola tem um papel fundamental. "Se fosse vista como investimento, seria uma opção mais interessante. Falta adequação do conteúdo do ensino médio ao projeto de vida do adolescente, para poder competir com a noção de renda imediata", diz Marie-Pierre, do Unicef. Segundo ela, a escola tem deixado de ensinar habilidades que podem garantir melhores condições de vida para o jovem, como a capacidade de negociar.
Por muito tempo, a escola passou longe da vida de Luciano Tavares dos Santos, 16 anos. Desde os 11, ele se viu com a responsabilidade de cuidar da mãe, dos tios e primos - todos moradores de rua. "Sem mim seria difícil pagar o arroz ou feijão", conta. Na região da avenida Paulista, em São Paulo, com a caixa de engraxate nas mãos, o menino labutava, das 8h da manhã até sumirem os clientes, às vezes às 3h da madrugada. Quando a família teve de sair de uma casa abandonada na região, ele garantiu o dinheiro para a tia alugar uma casa na periferia paulistana. A rotina de engraxate continuou até Luciano ser abordado por voluntários do Instituto Rukha, que propuseram trocar trabalho por estudo e uma bolsa para dar conta das despesas domésticas.
Na Casa do Zezinho, instituição parceira do Rukha, Luciano passou a frequentar cursos como informática, design gráfico e edição de som. Situações impensáveis antes para um menino que foi matriculado pela primeira vez na terceira série e teve problemas de indisciplina. "No final da sétima, comecei a me destacar na escola e aprendi a lidar com desaforo", conta ele, que agora se diz exemplar. Ainda responsável pela renda da família, o menino já começou a realizar sonhos. "Ele nunca largou o vínculo com a mãe e queria resgatála da rua", conta Dagmar Darroux, diretora da Casa do Zezinho. Dagmar admite que não são todos os jovens que persistem na mudança de rumo. "Muitas vezes a gente perde um menino para um lava-rápido, para ser motoboy", afirma. "Mas não é questão da pobreza em si. É a falta de um sonho."
Para modificar esse tipo de história e dar tempo para a adolescência terminar a seu tempo, a escola tem um papel fundamental. "Se fosse vista como investimento, seria uma opção mais interessante. Falta adequação do conteúdo do ensino médio ao projeto de vida do adolescente, para poder competir com a noção de renda imediata", diz Marie-Pierre, do Unicef. Segundo ela, a escola tem deixado de ensinar habilidades que podem garantir melhores condições de vida para o jovem, como a capacidade de negociar.
Por muito tempo, a escola passou longe da vida de Luciano Tavares dos Santos, 16 anos. Desde os 11, ele se viu com a responsabilidade de cuidar da mãe, dos tios e primos - todos moradores de rua. "Sem mim seria difícil pagar o arroz ou feijão", conta. Na região da avenida Paulista, em São Paulo, com a caixa de engraxate nas mãos, o menino labutava, das 8h da manhã até sumirem os clientes, às vezes às 3h da madrugada. Quando a família teve de sair de uma casa abandonada na região, ele garantiu o dinheiro para a tia alugar uma casa na periferia paulistana. A rotina de engraxate continuou até Luciano ser abordado por voluntários do Instituto Rukha, que propuseram trocar trabalho por estudo e uma bolsa para dar conta das despesas domésticas.
Na Casa do Zezinho, instituição parceira do Rukha, Luciano passou a frequentar cursos como informática, design gráfico e edição de som. Situações impensáveis antes para um menino que foi matriculado pela primeira vez na terceira série e teve problemas de indisciplina. "No final da sétima, comecei a me destacar na escola e aprendi a lidar com desaforo", conta ele, que agora se diz exemplar. Ainda responsável pela renda da família, o menino já começou a realizar sonhos. "Ele nunca largou o vínculo com a mãe e queria resgatála da rua", conta Dagmar Darroux, diretora da Casa do Zezinho. Dagmar admite que não são todos os jovens que persistem na mudança de rumo. "Muitas vezes a gente perde um menino para um lava-rápido, para ser motoboy", afirma. "Mas não é questão da pobreza em si. É a falta de um sonho."
Verônica Mambrini
Isto É
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