domingo, 4 de abril de 2010

Recorde de desaparecimentos


Estado do Rio é líder no ranking nacional de menores procurados. Final feliz em Campos renova esperança de pais

Rio - Gisela, 8 anos, voltava da escola; Luciane, de 10, saía de uma padaria e Samanta, 14, seguia para uma loja de descartáveis. As três nunca concluíram o percurso de volta para casa, sumiram misteriosamente e engrossam as estatísticas de crianças e adolescentes desaparecidos no Rio. O estado é líder no triste ranking da Rede Nacional de Identificação e Localização de Crianças e Adolescentes Desaparecidos, com 122 casos desde 2000.
O 2º colocado é São Paulo, com 107 menores sumidos. O cadastro fluminense do SOS Crianças Desaparecidas, no entanto, aponta para 458 casos sem solução de 1996 até hoje, 200 só na capital.
Enquanto enfrentam o drama da procura, pais e mães sonham com finais felizes, como o do menino José Sérgio Guedes da Silva, 10, que renovou a esperança de centenas de famílias. Sequestrado há dois anos em Alagoas, ele comoveu o País ao reencontrar os pais na semana passada, após prisão do sequestrador em Campos dos Goytacazes, Norte Fluminense.
Desde 25 de fevereiro, o auxiliar de serviços gerais Wallace de Jesus, 35, passa as manhãs colando cartazes com a foto da pequena Gisela Andrade de Jesus. “Ela estava voltando da escola e parou em um posto de gasolina para beber água. Um Fiat Siena prata abordou Gisela, que teria entrado no carro. Depois disso, não sabemos”, diz Wallace, que mora em Bonsucesso e tem mais dois filhos. “O pior momento é quando anoitece. Não sei onde nem como minha filha está. Nesta Páscoa, não tenho mais aquela alegria de comprar um chocolate”, diz.
A agonia é idêntica à da supervisora hospitalar Luciene Gomes, 48, de Nova Iguaçu. A filha dela, Luciane Torres da Silva, desapareceu no dia 11 de novembro de 2009. “Ela foi à padaria, a pouco metros da nossa casa, entrou e falou com um funcionário, depois sumiu. Prenderam um suspeito que foi visto andando com ela. Mas ele não disse o que aconteceu com minha menina. Minhas lágrimas já secaram de tanto que choro. A busca é muito dura, sofrida”, diz Luciene, que cobra mais atenção das autoridades: “Há pouco investimento na busca por desaparecidos. Mas não perco a esperança de abraçar e beijar minha filha de novo”.
Maria do Socorro Costa, 47, também espera pela filha Samanta Costa de Carvalho. Moradoras de Cosmos, elas se perderam uma da outra no Calçadão de Campo Grande. “Completa um ano em 3 de abril. Pedi que ela fosse comprar copos descartáveis e ela não voltou mais. Quando percebi que ela tinha sumido, fiquei sem chão. Arrancaram um pedaço de mim”, diz Maria, com a voz embargada.

Falta banco de dados integrado
Coordenador do SOS Crianças Desaparecidas, programa da Fundação da Infância e Adolescência, órgão estadual, Luiz Henrique Oliveira destaca que, embora o Rio tenha um dos índices mais altos de localização de desaparecidos, há fatores que dificultam as buscas: “Um programa de localização de desaparecidos precisa de integração de dados em todo o País. O caso do menino achado em Campos mostra que os desaparecimentos não se restringem aos limites de um estado. E precisamos de legislação mais específica: atualmente o desaparecimento não é considerado crime”.
Raptado no município alagoano de União dos Palmares em março de 2008, José Sérgio foi procurado no Nordeste sem sucesso por dois anos. Ele só conseguiu reencontrar a família depois que seu sequestrador foi preso, em dezembro, em Campos. Num abrigo, o garoto ajudou a montar o quebra-cabeça que levou autoridades até sua família.

ORIENTAÇÃO

O QUE FAZER
- Registre de imediato na delegacia mais próxima. Não espere 24 horas
- Leve uma foto do menor e informe sobre roupa que usava, sinais físicos e se ele tem página em sites de relacionamento na Internet
- Se o menor aparecer, autoridades devem ser avisadas

A QUEM INFORMAR
SOS Criança Desaparecida — R. Vol. da Pátria 120, Botafogo. Tel: 2286-8337 e soscriancasdesaparecidas@fia.rj.gov.br
Polícia Civil: 2333-6387 e servicodescobertadeparadeiros@pcivil.rj.gov.br
Rede Nacional de Localização de Crianças e Adolescentes Desaparecidos: para acioná-la, disque 100

Dez dias de incerteza e insônia com final feliz
Nos últimos 14 anos no Rio, 84% dos desaparecimentos de menores tiveram final feliz. Apesar de dentro das estatísticas mais otimistas, para a doméstica Aldinete Lima, 34 anos, 10 dias foram uma eternidade. No período, ela conviveu com a incerteza do paradeiro da filha Adrielle Elaine Lima Soares, 13, que sumiu após desentendimento em casa. “Queria namorar um rapaz que conheci na praia e minha mãe não deixou. Resolvi fugir”, diz Adrielle.
Sem avisar, ela foi para a casa do namorado. “Ela não voltou da escola. Anoiteceu e veio o desespero. Comecei a procurar. Foi um calvário”, lembra Aldinete, que teve ajuda do irmão, Dagnaldo Lima, 42. “Fomos à delegacia e registramos o sumiço. Nesses dias, ninguém comia ou dormia direito”, diz.
Arrependida, a menina voltou para casa no último dia 25. “Não voltei antes porque fiquei com medo da bronca. Mas minha mãe não brigou, me abraçou e chorou. Fiquei muito arrependida e nunca mais faço isso”, disse a menor, que não quis contar à mãe detalhes do que aconteceu enquanto esteve fora de casa. “Reencontrá-la foi um presente de Deus”, conclui Aldinete.

DIEGO BARRETO


O DIA ONLINE

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