Aproveitei a chegada do guri pra me liberar, e lembro bem de minha madrinha, à pedido dela, me procurando nos campos de futebol onde eu me refugiava jogando peladas e sonhando um dia me transformar num nada modesto atacante do rubro-negro pelotense.
Mas o tempo passou, e o incentivo dos meus pais era de estudar e seguir a vida universitária numa faculdade. Convivi com meu irmão em casa por mais nove anos e vim morar em Porto Alegre para estudar jornalismo na UFRGS. Nos últimos trinta anos, costumei passar fins de semanas e uns dias das minhas férias em casa com eles.
Lembro bem que meus pais me ajudavam como podiam no período em que comecei a morar na Capital. Embora os custos fossem baixos, aquela graninha a mais sempre aparecia num depósito da Caixa Econômica Federal, numa agência que ficava em frente ao Café Haiti, ali per to das lojas Renner no Centro.
Foram tempos dificeis, mas muito saborosos de lembrar. O que os pais, e principalmente as mães fazem para ajudar a vida dos filhos não tem comparação.
Houve um período em que, já formado em jornalismo, eu parei de produzir teatro e acabei fazendo um estágio de seis meses numa rádio de Porto Alegre. Conheci ali algumas pessoas do mundo do jornalismo esportivo. Vi o Sergio Boaz começar a carreira na época como plantão esportivo, acompanhei o Claudio Cabral nos seus debates e comentários inteligentes, e a bondade do meu conterrâneo xavante João Garcia. Tudo aquilo era comandado de forma espetacular pelo hoje consagrado narrador Pedro Ernesto Denardin, da Rádio Gaúcha.
Era o ano de 1985 e, enquanto as diretas davam errado, o presidente Tancredo Neves era eleito pelo Congresso e deixava o seu lugar para o vice José Sarney. Uma das únicas alegrias que tive naquele ano foi a do Brasil ter conquistado o terceiro lugar do campeonato brasileiro da série A e um ano depois, tudo ter sido esquecido pela cúpula do futebol brasileiro que criava ali o Clube dos 13.
1985 pra mim foi um ano difícil. A recessão econômica continuava e não havia oferta de emprego nas redações e em vários setores da comunicação. Não conseguia manter a renda principalmente naquela segundo semestre. Lembro, e não tenho a menor vergonha de dizer, que diversas vezes eu ia almoçar ou jantar à convite na casa do amigo Germano Maraschin, que me ajudou a economizar o que eu nem tinha no bolso.
Eu já estava estudando Publicidade e Propaganda na Ufrgs, e nas férias de verão me fui de mala e cuia para casa em Pelotas. No fim do Carnaval, fui convidado pelo então prefeito de Pelotas, Bernardo de Souza, para trabalhar no Theatro Sete de Abril. Começava ali talvez um momento de reação. Cheguei a me empolgar com a ideia e sempre fui muito grato e ele pela lembrança num momento importante da minha vida.
Mas num belo dia, entre vindas e vindas, surgiu a oportunidade de fazer um free-lancer por sugestão do amigo Germano numa das maiores agências de propaganda do país na época, a MPM Propaganda. Mas o período era de incertezas e aquele sonho acabou se tornando dúvida porque eles não haviam decidido a necessidade de substituir as férias de um funcionário. Voltei a Pelotas relutando em encarar a volta para a terra e trabalhar perto de casa.
Foi aí que ela, minha mãe, com 45 anos na época me disse:
_ Meu filho. Eu sei que tu pensas em trabalhar como jornalista em Porto Alegre e não queres voltar a viver em Pelotas. Quando a gente sai para conquistar um objetivo, temos de ser persistentes e lutarmos com absoluta garra até as últimas consequências para conquistar os nossos sonhos.
E me passou às mãos uma quantia em dinheiro que dava para sobreviver por um período de três meses na Capital. Emocionado, perguntei de onde ela tinha tirado todo aquela grana, já que não era uma época de vacas gordas.
_ Empenhei meu anel de brilhante que teu pai me deu na Caixa Econômica Federal _ disse ela.
No mesmo dia, viajei a Porto Alegre e quando abri a porta de casa, um recado da MPM Propaganda me chamava para realizar um free-lancer no mês de março de 1986, bem no começo do Plano Cruzado do presidente José Sarney.
Enquanto a economia do país ganhava impulso, uma mulher jovem entregava o único anel de brilhante num balcão de um banco para ajudar o filho a construir o começo da vida profissional.
Conto esta história, pessoal, íntima, como forma de homenagear minha mãe. E todas aquelas que fazem o que fazem para que os filhos se sintam confortados. Pra dizer pra vocês que a minha mãe é a minha fortaleza, de onde eu tiro as forças para travar a batalha que enfrento agora.
Raul Ferreira
PerfilO jornalista Raul Ferreira, 52 anos, editor-chefe do Teledomingo da RBS TV, descobriu em março que terá de enfrentar o tratamento de um carcinoma epidermoide moderadamente diferenciado, um tumor originado na amígdala. Neste blog, ele divide com leitores sua luta:
— Sempre tive muita fé de que as barreiras existem para serem superadas. E começo esta batalha como todas que tive na minha vida, pensando só em vencer.
Blog Na Luta pela Vida
Zero Hora online
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