quinta-feira, 14 de maio de 2009

Mãe desafia risco de morte e leva gravidez adiante

Ao iniciar a vida reprodutiva, aos 13 anos, Gabriela Kaplan soube que seria uma mulher diferente. Na primeira menstruação, foi internada com uma grave hemorragia que a obrigaria a fazer transfusões sanguíneas a cada ciclo menstrual durante toda a adolescência. O pai, tipo O positivo, era o seu doador.
Gabriela, 36, publicitária de São Paulo, tem deficiência do fator 10, uma doença hereditária rara que dificulta a coagulação sanguínea e a predispõe a graves hemorragias. Sem controle, essa "prima" da hemofilia pode matar. E foi justamente esse argumento usado por médicos para tentar persuadir Gabriela a desistir da gravidez.
Para quem desde a infância já brincava de ser mãe da irmã caçula, nove anos mais nova, o prognóstico médico foi um duro golpe. "Fiquei sem chão."
Mas Gabriela não desistiu. Pesquisou e encontrou uma dupla de médicos --o hematologista e imunologista Nelson Hamerschlak e o obstetra Renato Kalil-- que topou o desafio de acompanhá-la na gravidez.
"A literatura médica é muito pobre sobre essa doença e vários colegas acharam melhor convencê-la a desistir da gravidez. Foi quase um ano de conversas, de aconselhamento e cumplicidade entre eu, ela e o marido. Queria ter certeza de que era aquilo mesmo que eles queriam", diz Hamerschlak.
Em 2006, fazendo uma busca na literatura internacional, os médicos encontraram oito casos iguais aos de Gabriela em que as mulheres haviam conseguido ter seus bebês. No Brasil, não havia situações relatadas.
"Eles me alertaram que seria uma gravidez arriscada, especialmente entre a 20ª e a 25ª semana, mas que era um risco controlado", lembra Gabriela.
Em março de 2006, a arquiteta engravidou naturalmente. Nas primeiras 22 semanas, fazia ultrassons semanais. Depois, a cada 15 dias. "Tinha tanta certeza de que tudo ocorreria bem que fiquei supertranquila, nem enjoo tive. Até na hora do parto, na 39ª semana de gestação, estava bem, serena."
Kalil, por sua vez, não estava nada tranquilo. "No pré-natal, esperava que ela tivesse um abortamento --ocorrência frequente nessa doença. No parto, tinha medo que ela sofresse uma hemorragia incontrolável. Fiz a cesárea muito rápido, como se não quisesse dar tempo de o vaso [sanguíneo] saber que estava sendo operado."
Antes do parto, Gabriela recebeu um complexo protrombínico --medicação que evita a hemorragia. "O sangramento durante o parto foi zero, sucesso total", conta Hamerschlak.
Uma equipe de oito médicos, entre obstetras, anestesistas, hematologistas e cirurgiões-vasculares, estava no centro cirúrgico do hospital Albert Einstein, no momento em que Sofia nasceu, no dia 5 de dezembro de 2006. Outros sete especialistas esperavam no corredor para agir em uma situação de emergência.
"Foi um alívio quando tudo terminou bem", lembra Kalil. Mal ele sabia que a sensação de alívio duraria pouco. Meses depois, Gabriela procurou novamente os médicos dizendo que queria ter um segundo bebê. "Eu disse que ela era louca, que já tinha uma filha e que não deveria correr novamente o risco de morrer no parto."
Mas Gabriela estava decidida. "Já saí da maternidade querendo um outro filho. Quando olhei para a Sofia pela primeira vez, tive a certeza sobre minha missão nesta vida. Vim para ser mãe. É maravilhoso."
Em 2008, quando Sofia completou um ano e quatro meses, Gabriela engravidou de Lara. Enfrentou alguns sustos, como na oitava semana de gestação, quando sofreu um descolamento da placenta. Depois disso, a gestação seguiu normal.
Em janeiro deste ano, a caminho da maternidade, bateu o medo. "Fiquei apreensiva. Pensei: "Será que devia estar correndo novamente o risco de morrer no parto. E se acontecer alguma coisa, o que será da minha filha?", lembra.
Novamente, os cuidados se repetiram --complexo protrombínico antes e após o parto-- e a cesárea transcorreu sem problemas. Agora, Kalil e Hamerschlak preparam um artigo em que vão relatar o caso de Gabriela em uma revista médica internacional.
"Foi muito gratificante, mas chega de tensão. Falei para ela [Gabriela]: "Não quero te ver mais grávida!'", brinca Kalil.
Gabriela nem discute. "Se pudesse teria um monte de filhos, mas duas está mais do que bom", diz. Nenhuma das meninas herdou a doença da mãe.

CLÁUDIA COLLUCCI


Folha Online

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