domingo, 14 de junho de 2009

Agressor sexual não é “monstro”

Diferente do “monstro” que aparece no imaginário das pessoas e é reforçado pela mídia, o agressor sexual pode ser um pai de família que cumpre com os seus deveres, goza de boa reputação na sociedade, enfim, um cidadão acima de qualquer suspeita.
“A maioria dos abusos contra crianças são praticados por pais biológicos”, denuncia Márcia Cristine Oliveira, da coordenação do Fórum Cearense de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes e da Associação Curumins. Considera importante a ampliação do foco ao atendimento ao agressor: “Alguns precisam de tratamento”.
“Não existe um trabalho sistemático direcionado ao agressor”, informa, completando que uma das primeiras linhas a ser investigada é a da patologia, embora, nem todos apresentem distúrbios. “Caso não seja tratado, poderá sair da prisão em pior condição”, teme.
O atendimento ao agressor é, hoje, uma reivindicação das entidades que trabalham com o problema. “Estamos cobrando para que isso seja feito”. Este acompanhamento faz parte da política nacional de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. “Todo agressor sexual apresenta este distúrbio, o interesse por crianças e adolescentes”, revela.
Márcia Cristine Oliveira defende a educação sexual para crianças e adolescentes e justifica: “São seres sexuados”, portanto, têm direito ao exercício da sexualidade. No entanto, não estão preparados, afirma.
Edna Lopes Costa da Matta, promotora da 12ªVara Criminal, afirma que a maioria dos acusados “nega a autoria do crime, o que pode impossibilitar o tratamento”. Nossa sugestão é que ele seja tratado na execução criminal, após o julgamento, ou seja, quando estiver cumprindo a pena. Dessa maneira, o agressor não terá mais como negar o crime.
O processo não tem prazo fixo para terminar e as dificuldades são muitas. “Às vezes, as famílias ficam envergonhadas e mudam de endereço”, diz a promotora, destacando ser importante a palavra da vítima neste tipo de crime. Se o acusado é preso em flagrante, entre 60 a 90 dias, o crime pode estar julgado, em primeira instância. “Quando o réu some o processo pode demorar”. A promotora esclarece que, mesmo réu argüindo “insanidade não o torna incapaz”, ou seja, deve ser responsabilizado.

É preciso punir e tratar
Conhecido como ´monstro´, o agressor sexual é também sujeito. Por isso, além de punido deve ser tratado
O Brasil não conta com política pública de tratamento voltado ao agressor sexual. Isso significa que os casos são encaminhados aos presídios comuns, realidade verificada no Estado, onde dos cerca de 1.300 processos que tramitam na 12ª Vara Criminal, pelo menos 60% são de crimes sexuais contra crianças e adolescentes, cujos principais autores são familiares, vizinhos ou pessoas de confiança das vítimas.
A porta de entrada destes crimes é a Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dececa), onde começam os processos que são encaminhados ao Ministério Público, não tendo prazo determinado para serem concluídos. “Muitas famílias se mudam por vergonha”, admite Edna Lopes Costa da Matta, promotora de Justiça da 12ª Vara Criminal, dificultando o andamento do processo. Em outros casos, os réus fogem.
Desta maneira, não depende apenas da Justiça, que criou até uma vara especializada para dar maior agilidade aos processos. Esclarece que, independentemente dos culpados apresentarem ou não distúrbios psíquicos, são responsabilizados.
Considerados “lobos em pele de cordeiros”, os autores de crimes sexuais, principalmente, contra crianças, quando punidos, não recebem qualquer atenção no que diz respeito a algum tipo de tratamento visando identificar e tratar possíveis distúrbios psíquicos. No entanto, admite que existe um movimento favorável ao tratamento do agressor, que é visto como “monstro”. Quando chegam aos presídios, é recebido com “rituais” de sofrimento, humilhação e execração diante dos companheiros.
Maria Luiza Moura Oliveira, do Conselho Federal de Psicologia e da Universidade Católica de Goiás, admite que 99% dos casos de violência sexual acontecem entre adultos e crianças, homens e mulheres, denunciando uma relação de poder. Entretanto, o que se observa, é que o atendimento a estes crimes, não alcança a dimensão do agressor.
“De fato, o atendimento ou atenção ao agressor aparece como uma novidade. Ela não é assumida pela sociedade e nem pelo poder público”, observa Maria Luiza Oliveira, que desde 2004, vem aprofundando o estudo em torno do agressor sexual, no sentido de que também receba atendimento.
O objetivo é tentar descobrir o que acontece para que estas pessoas tenham como preferência sexual as populações mais jovens, inclusive, crianças. Caso isso não aconteça, poucos avanços serão dados em direção a uma política mais efetiva de combate a este tipo de crime: “São parentes ou pessoas que mantêm relação de proximidade com as vítimas. Neste aspecto, a psicóloga chama a atenção para que seja observado o papel dos familiares enquanto cuidadores destas crianças. Desde 2004, o Grupo de Pesquisa Infância, Família e Sociedade a Universidade Católica de Goiás faz levantamentos e estudos acerca do tema. A finalidade das pesquisas desenvolvidas é obter subsídios para a formulação de proposição mais eficaz, questionando apenas a aplicação de penas.
Isso não significa eximir o agressor sexual de culpa. “Ele precisa ser responsabilizado”. A punição não vem surtindo o grandes efeitos, sendo necessárias também ações pedagógicas para fazer com que eles reflitam sobre o ato cometido. Identificar se o distúrbio compromete a crítica ou a compreensão do que eles estão fazendo. “Nosso trabalho vai no prisma dos direitos humanos”.
A abordagem da agressão sexual não pode ser vista apenas por uma lente. Ou seja, o fenômeno deve estar inserido dentro de um contexto amplo envolvendo perspectivas históricas, econômicas e culturais. “Como estas violações estão inseridas como expressão de classe, social, gênero, raças, crianças e adultos. É um tema complexo”. Este sujeito deve ser incluído na dinâmica social: “Dar voz a este sujeito”.
Outro aspecto é a visão psicológica no sentido de produzir conhecimento para que seja possível lidar com ele. Um dos caminhos é ouvir o agressor. O importante é prevenir para que estes crimes não se torne algo recorrente, podendo, inclusive, ser tratados com ações preventivas. “É necessário entender o fenômeno como um todo”.
Não se pode ficar apenas com o que determina a lei, porque se trata de um fenômeno multifacetado. Neste sentido, “a voz da criança e do próprio autor são vozes que se completam”. São fenômenos da humanidade.
A escuta do agressor é uma abordagem nova de um processo em construção. “Como sujeito, ele precisa ser ouvido no campo dos Direitos Humanos não se pode negar esta voz a qualquer ser humano”. Eles também são transformados, assim como as vítimas devem superar o trauma.

AGRESSÕES
1300 processos tramitam na 12ª Vara Criminal. 60% são de crimes sexuais contra crianças

Estado acolhe iniciativas diferenciadas
O agressor sexual é sempre “um lobo em pele de cordeiro”, define a psicóloga Elaine Marinho, especialista em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes pela Universidade Estadual de São Paulo (USP), completando que ele usa do acesso que tem a crianças e adolescentes para conseguir o que deseja. Atualmente, o tratamento prestado ao agressor sexual é apenas a repressão.
Ao poucos, a situação vem mudando, e algumas iniciativas são criadas no âmbito de políticas públicas. Carmen Oliveira, subsecretária de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), afirma: “Efetivamente, esta é uma das estratégias diferenciadas nos últimos anos, justificando que não basta a responsabilização do agressor, com a aplicação de penas. Precisamos nos preocupar para que ele não venha a reincidir”.
O fato é considerado importante, em especial no caso dos pedófilos, onde existem fatores psicológicos importantes de serem levados em conta para a superação do problema. “Há evidências de que quando negligenciamos o atendimento a este agressor, apenas aumentamos sua punição e até sua exclusão social, estamos favorecendo que ele fique cada vez mais marginalizado e operando também na clandestinidade”.
A SEDH prioriza o atendimento ao agressor ao financiar experiências como a desenvolvida pela Universidade Católica de Goiás, além de ter começado, desde o ano passado um atendimento ao agressor pelo Disque 100.
A psicóloga Elaine Marinho considera importante esta nova forma de enxergar o agressor sexual. “Quando alguém comete um crime como esse deve ser punido, mas a punição deve ser acompanhada de um tratamento social e psicológico para que não venha a cometer outros atos desta natureza quando sair da prisão”.
De acordo com a psicóloga, este tipo de violência é perpassada por muitos outros tipos, dentre elas, violências cometidas tanto no âmbito social quanto institucional. “Quando este agressor é levado a uma prisão, ele tende a ser abusado. dentro das instituições”. Os agressores sexuais tendem a possuir distúrbios sexuais e para que o fato não venha a se repetir é necessário que sejam acompanhados.
No entanto, é preciso deixar claro que, tratar o agressor, não significa eximir a sua culpa, destaca a psicóloga, afirmando que o acompanhamento social e psicológico é importante para a ressocilização do agressor sexual também. Esclarece que apresentar ou não distúrbios não é uma certeza dentro da literatura que trata sobre o tema. “Existem autores que apontam que esses agressores sofreram algum tipo de violação de direitos e por conta disso podem desenvolver condutas que levam a agressão. A necessidade do acompanhamento é para evitar a repetição do fenômeno”.
Outra controvérsia, é quanto à tentativa de traçar um perfil. “Os agressores sexuais são pessoas comuns, que podem conviver conosco tranqüilamente, mas que possuem interesse maior por questões que envolvam o mundo infantil”. Isso facilita o acesso a crianças e adolescentes, daí a incidência de professores, padres, dentre outros que comentem estes crimes. Após tratamento, “elas podem conviver com sua sexualidade de forma normal”

Iracema Sales

Diário do Nordeste

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