quinta-feira, 25 de junho de 2009

Diário de uma internação


Acordei quando o relógio marcava sete horas e quatorze minutos. Ingeri rapidamente um leve lanche matinal, decidido a definir minha internação ainda hoje. Após consulta ao catálogo da rede de serviços de cobertura do meu plano de saúde, descobri dois espaços de tratamento possíveis na minha cidade. Liguei para o que mais me interessou, tentando marcar uma visita para conhecer o local.
Porém, meu objetivo foi prontamente rechaçado pela pessoa que me atendeu ao telefone. Fui informado de que qualquer visita ao local tem que ser agendada, o que não foi possível.
A pessoa no outro lado da linha telefônica, apressadamente usou diferentes argumentos para impedir-me o acesso. Quando revelei a intenção de internação através do plano de saúde UNIMED, de imediato me foi dito que seria muito difícil, pois o mesmo plano já recusara internação em outras oportunidades.
Desta forma, telefonei para minha segunda opção. Lá recebi uma abordagem mais objetiva sobre o procedimento de internação, e fui prontamente colocado em contato com a psiquiatra plantonista, que se identificou como Dra. Rosa.
Após ouvir atentamente o meu resumido pedido de ajuda específica, focado no tratamento da compulsão da minha dependência química e na prolongada manifestação de sintomas de transtorno depressivo, a médica informou que, naquele momento, não havia vagas. Porém, autorizou de imediato a minha visita ao espaço de internação reservado ao tratamento especializado da Síndrome da Dependência Química na clínica.
Como de costume nas situações que me exigem o enfrentamento das dificuldades presentes na realidade, fui até uma boca de fumo e comprei dois papelotes de pó de dez reais e, após o consumo de parte da droga, me dirigi à Casa de Saúde.
Chegando ao local, indaguei a recepcionista sobre a localização da Dra. Rosa e fui prontamente encaminhado ao atendimento dela, que me surpreendeu com a informação de que surgira uma vaga justamente no período entre o telefonema e a minha chegada à Casa de Saúde. E perguntou se eu já trouxera minhas roupas e objetos para a higiene pessoal, ao que respondi negativamente.
Durante a visita autorizada por ela, fui acompanhado por um auxiliar de enfermagem que me falou sobre o atendimento da Casa de Saúde, onde as acomodações são destinadas majoritariamente a portadores de diferentes tipos de transtorno mental. E que há apenas um reduzido número de vagas para dependentes químicos.
Terminada a visita, tornei a falar com a Dra. Rosa e fechei o acordo de voltar à minha residência para organizar a minha saída para a internação e retornar à clínica até as 19h, horário de encerramento do seu plantão.
Chego em casa às 14h e reúno a família para comunicar meu desejo de concretizar a minha internação ainda no dia de hoje, e em seguida começo a reunir algumas roupas, livros e produtos de higiene pessoal, tomado por uma enorme dor espiritual.
Diante da necessidade de materializar objetivamente o período de ausência familiar e as providências legais e financeiras necessárias durante o período de confinamento, assino quatro procurações em nome de minha filha e de minha companheira conjugal. Entrego-lhes também meus cartões bancários e respectivas senhas.
O hábito de racionalizar minhas dores, para fugir de situações onde o enfrentamento dos sentimentos emocionais parece inevitável, reaparece como um oportuno argumento e insana justificativa para o consumo de maconha e cocaína como suporte anestésico para a dolorida realidade da internação.
Às 17h, deixo minha filha de 19 anos, meu filho de 14 e minha quase ex-companheira conjugal, rumando em direção à internação hospitalar voluntária, etapa desconhecida da minha busca de tratamento da dependência química e da depressão.

Embora acredite que esta seja uma viagem em direção à vida saudável, sinto-me caminhando sob o peso da morte de tudo de bom que construí ao longo do tempo.
O padrão de comportamento diante de situações extremas envolvendo meus sentimentos leva-me ao consumo de mais três papelotes do pó da raspa da casca do chifre do Diabo, como falso suporte no trajeto a caminho da Casa de Saúde.
Na chegada ao espaço de tratamento ainda tenho em minha posse, uma parte da droga ilícita escondida na boca, sob a língua para evitar sua descoberta.
Na recepção, sou registrado e encaminhado ao primeiro atendimento médico, no qual faço um resumido relato do histórico que me levou espontaneamente a pedir esta internação.
Falo rapidamente sobre as situações de abuso sexual sofridas durante a infância por parte de meu pai, sobre a negligência experimentada e dos episódios de violência física e psicológica, freqüentemente ritualizados por pai e mãe.
Relato que iniciei o consumo de drogas ilícitas em 1992 e o tratamento ambulatorial focado na abstinência do tabaco, álcool, maconha e cocaína, iniciado em 2008. Durante este atendimento, a médica de plantão solicita que o auxiliar de enfermagem presente verifique os níveis de minha pressão arterial, que em função do consumo da droga, apresentam considerável alteração.
A médica prescreve então, a administração de uma dose de captopril sublingual, o que colocava sob risco a minha insana estratégia em relação à cocaína ainda em meu poder.
Numa fração mínima de tempo em que o auxiliar de enfermagem saiu em busca da medicação indicada, aproveitei-me da distração da médica, concentrada no registro das informações e retiro da boca o saco da droga, colocando-o na cueca.
O auxiliar de enfermagem retorna com a medicação, que prontamente coloco sob a língua e em seguida sou conduzido a um alojamento duplo da ala de psiquiatria no terceiro andar, onde ficarei provisoriamente alojado nesta noite.
O auxiliar de enfermagem passa então a proceder à revista de meus pertences acondicionados em duas mochilas e me comunica que em seguida procederá a uma revista pessoal.
Uma vez examinada a primeira mochila, peço autorização para colocá-la no armário a mim destinado e diante de sua concordância, aproveito para retirar da cueca a droga e enfiá-la nesta mochila, evitando assim a sua localização pelo profissional, que em seguida pede que eu me dispa e completamente nu, sou submetido à revista pessoal e toda a roupa que usava e verificada. Finalizado este procedimento, o mesmo retira-se e eu entro no banho, para depois deitar-me, consumir o resto da cocaína e tentar dormir, o que demora bastante a acontecer devido ao consumo da droga e o estranhamento do ambiente.

Blog sobredrogas

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