Eu não acredito nisso nem por cinco minutos
Não sei quanto a vocês, mas eu desconfio de casais perfeitos. Minha experiência sugere que eles não existem. Ao fim do meu relacionamento mais longo, que tinha se tornado intolerável, amigos próximos diziam: “Nossa, vocês pareciam tão bem”... Na minha segunda relação duradoura, que foi mais feliz, as pessoas comentavam, ao final: “Ah, mas vocês eram tão diferentes...”. Nos dois casos, ninguém tinha percebido nada. Na primeira vez parecia harmonioso e não era. Na outra havia aparência de conflito, mas ele não existia.
Com base nessa limitada experiência, casais que transpiram felicidade pública me deixam cético. Aprendi que as pessoas fingem bem-estar e harmonia, como interpretam tantas outras coisas que dão prestígio social. Pega mal fazer parte de um casal que vive às turras, que não dá certo, que passa uma imagem de infelicidade e derrota. Logo, as pessoas criam uma imagem de felicidade para consumo externo. Na intimidade ninguém sabe mesmo o que se passa.
Essas coisas me ocorreram ao ver Angelina Jolie na capa da revista Vanity Fair, falando do seu casamento de sonhos com Brad Pitt. Os dois são lindos, ricos e famosos. Viajam pelo mundo com suas seis crianças multirraciais. Quando ela faz um filme, sempre em lugares espetaculares como Veneza, ele acompanha e cuida das crianças. Quando ele filma, ela se torna mãe de tempo integral. Ah, sim: já falei que eles são lindos, ricos e famosos?
Eu não acredito nessa história nem por cinco minutos. É evidente para mim que casar a atriz mais bonita do planeta com o ator mais bonito do mundo não dá certo. Parece o roteiro de um conto de fadas. Parece o delírio de um relações públicas da Sony. É como se alguém pegasse os dois primeiros alunos da escola e os casasse. Ou montasse um casal com o artilheiro do time de futebol e a miss da cidade. No papel essas coisas parecem bacanas, mas na vida real quase nunca funcionam.
Um dos casais mais duradouros do cinema foi formado por Elisabeth Taylor e Richard Burton. Eram os Brangelina dos anos 60 e 70, com uma enorme diferença: juntos, produziram um furacão de sexo, álcool, luxo e escândalos. Burton era filho de mineiros miseráveis do País de Gales. Liz Taylor era a atriz mirim que cresceu diante das câmeras para ser a namorada da América. Tinham em comum somente a profissão de ator e o temperamento apaixonado. Viveram no amor as consequências naturais de uma vida pública de excessos. Ele caia de charme e ela de beleza, mas jamais foram perfeitos. Eram de verdade.
Eu olho para a vida das pessoas que me cercam e tenho a impressão de que as relações verdadeiras repelem as semelhanças. Casais interessantes são como o piano e o violino, a dama e o vagabundo, a bela e a fera. Divergem, destoam e se completam. Tenho a impressão de que apenas casais muito jovens são formados por gente da mesmíssima procedência. Quem teve a chance de andar pela vida, em geral escolhe fora do seu clã. Busca diferença e complementação. Procura o novo.
Eu tenho a sorte de conviver com estrangeiros. Percebo a naturalidade com que se montam arranjos dissonantes. O gringo loiro se apaixona pela moça brasileira que nada tem em comum com o estilo de vida dele. Funciona. O moço argentino se casa no Brasil e nunca mais vai embora. O mesmo acontece com muitas mulheres brasileiras na Europa. Ou européias no Brasil. Essas uniões improváveis celebram a diversidade humana e atendem ao desejo das pessoas de se aventurar. Nem todos podem ser Cristóvão Colombo, mas todos podem transformar a sua vida emocional em uma grande descoberta. Navegar é preciso.
Para andar longe na vida, porém, ajuda livrar-se do peso dos esteriótipos. Se todo mundo quiser ser o casal Brangelina, as possibilidades tornam-se limitadas. Não há beldades tatuadas disponíveis para todos. Nem bonitões milionários de ar meigo esperando em fila na próxima esquina. Esse é um sonho padrão, oferecido globalmente como um sanduíche McDonalds.
Quando se trata de afeto e relacionamento, melhor é cada um achar sua própria receita. A mulher que lhe cai bem, o sujeito que a deixa feliz. A percepção dos outros é menos importante do que os nossos sentimentos. O par perfeito aos olhos dos amigos pode ser fonte de tédio e aborrecimento. O arranjo de aparência harmoniosa que confere prestígio pode ser um desastre íntimo.
A mim ajuda lembrar, na hora de fazer escolhas, que casais perfeitos não existem: eles ficam bem nos filmes e ilustram divinamente a capas de revista, mas devem ser uma droga na vida real.
Ivan Martins
Época
Não sei quanto a vocês, mas eu desconfio de casais perfeitos. Minha experiência sugere que eles não existem. Ao fim do meu relacionamento mais longo, que tinha se tornado intolerável, amigos próximos diziam: “Nossa, vocês pareciam tão bem”... Na minha segunda relação duradoura, que foi mais feliz, as pessoas comentavam, ao final: “Ah, mas vocês eram tão diferentes...”. Nos dois casos, ninguém tinha percebido nada. Na primeira vez parecia harmonioso e não era. Na outra havia aparência de conflito, mas ele não existia.
Com base nessa limitada experiência, casais que transpiram felicidade pública me deixam cético. Aprendi que as pessoas fingem bem-estar e harmonia, como interpretam tantas outras coisas que dão prestígio social. Pega mal fazer parte de um casal que vive às turras, que não dá certo, que passa uma imagem de infelicidade e derrota. Logo, as pessoas criam uma imagem de felicidade para consumo externo. Na intimidade ninguém sabe mesmo o que se passa.
Essas coisas me ocorreram ao ver Angelina Jolie na capa da revista Vanity Fair, falando do seu casamento de sonhos com Brad Pitt. Os dois são lindos, ricos e famosos. Viajam pelo mundo com suas seis crianças multirraciais. Quando ela faz um filme, sempre em lugares espetaculares como Veneza, ele acompanha e cuida das crianças. Quando ele filma, ela se torna mãe de tempo integral. Ah, sim: já falei que eles são lindos, ricos e famosos?
Eu não acredito nessa história nem por cinco minutos. É evidente para mim que casar a atriz mais bonita do planeta com o ator mais bonito do mundo não dá certo. Parece o roteiro de um conto de fadas. Parece o delírio de um relações públicas da Sony. É como se alguém pegasse os dois primeiros alunos da escola e os casasse. Ou montasse um casal com o artilheiro do time de futebol e a miss da cidade. No papel essas coisas parecem bacanas, mas na vida real quase nunca funcionam.
Um dos casais mais duradouros do cinema foi formado por Elisabeth Taylor e Richard Burton. Eram os Brangelina dos anos 60 e 70, com uma enorme diferença: juntos, produziram um furacão de sexo, álcool, luxo e escândalos. Burton era filho de mineiros miseráveis do País de Gales. Liz Taylor era a atriz mirim que cresceu diante das câmeras para ser a namorada da América. Tinham em comum somente a profissão de ator e o temperamento apaixonado. Viveram no amor as consequências naturais de uma vida pública de excessos. Ele caia de charme e ela de beleza, mas jamais foram perfeitos. Eram de verdade.
Eu olho para a vida das pessoas que me cercam e tenho a impressão de que as relações verdadeiras repelem as semelhanças. Casais interessantes são como o piano e o violino, a dama e o vagabundo, a bela e a fera. Divergem, destoam e se completam. Tenho a impressão de que apenas casais muito jovens são formados por gente da mesmíssima procedência. Quem teve a chance de andar pela vida, em geral escolhe fora do seu clã. Busca diferença e complementação. Procura o novo.
Eu tenho a sorte de conviver com estrangeiros. Percebo a naturalidade com que se montam arranjos dissonantes. O gringo loiro se apaixona pela moça brasileira que nada tem em comum com o estilo de vida dele. Funciona. O moço argentino se casa no Brasil e nunca mais vai embora. O mesmo acontece com muitas mulheres brasileiras na Europa. Ou européias no Brasil. Essas uniões improváveis celebram a diversidade humana e atendem ao desejo das pessoas de se aventurar. Nem todos podem ser Cristóvão Colombo, mas todos podem transformar a sua vida emocional em uma grande descoberta. Navegar é preciso.
Para andar longe na vida, porém, ajuda livrar-se do peso dos esteriótipos. Se todo mundo quiser ser o casal Brangelina, as possibilidades tornam-se limitadas. Não há beldades tatuadas disponíveis para todos. Nem bonitões milionários de ar meigo esperando em fila na próxima esquina. Esse é um sonho padrão, oferecido globalmente como um sanduíche McDonalds.
Quando se trata de afeto e relacionamento, melhor é cada um achar sua própria receita. A mulher que lhe cai bem, o sujeito que a deixa feliz. A percepção dos outros é menos importante do que os nossos sentimentos. O par perfeito aos olhos dos amigos pode ser fonte de tédio e aborrecimento. O arranjo de aparência harmoniosa que confere prestígio pode ser um desastre íntimo.
A mim ajuda lembrar, na hora de fazer escolhas, que casais perfeitos não existem: eles ficam bem nos filmes e ilustram divinamente a capas de revista, mas devem ser uma droga na vida real.
Ivan Martins
Época
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