Pacificação estreita o laço entre família e escola. Antes temerosos, responsáveis são estimulados a participar do aprendizado e até se animam a voltar a estudar
Rio - Por mais de 30 anos, o livreiro Moisés da Silva Marques, 61, torrou todo o dinheiro do material escolar dos 10 fi lhos, cinco deles então pequenos, na cocaína e outras drogas que alimentavam seu vício. Sofreu três overdoses e ficou oito anos atrás das grades por assalto à mão armada. Há seis anos livre das drogas, Moisés hoje só pensa em passar uma borracha no passado e reescrever sua vida. É ele quem leva pelas mãos as filhas menores, Janaína, 10 anos, Ludmila, 10, Dayane, 6, e Luiza, 5, ao Ciep Presidente João Goulart, no Cantagalo, Ipanema. O extraficante ainda se aproximou dos agentes da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da comunidade, para aprender a tocar teclado.
O quinto capítulo da série ‘Educação em Tempos de Paz’, que O DIA vem publicando desde domingo, mostra que, como Moisés, muitos pais e fi lhos estão retornando à escola, após a pacificação. Na maioria dos casos, a transformação não aparece na forma de números, mas salta aos olhos dos educadores. “Muitos pais não vinham às reuniões porque deviam ao tráfi co e não podiam ser vistos. Já na última reunião os pais tiveram que ficar em pé. Faltou cadeira para todo mundo”, comemora Mônica Zucarino, diretora do Ciep Presidente João Goulart.
A mudança mais visível desses novos tempos ocorreu no Peja, o ensino noturno frequentado por adultos. “Ninguém se arriscava a ir à escola à noite. O aprendizado era capenga. Como o aluno iria estudar sem saber se na volta para casa seus familiares estariam vivos?”, recorda Andrea Rangel, diretora da Escola Municipal Alphonsus de Guimaraens, na Cidade de Deus. Com a chegada da UPP, em fevereiro de 2009, colégios do bairro tiveram de aumentar as turmas para atender a todos. “Cheguei a fazer num só dia mais de 100 matrículas para a noite”, lembra Andrea. Depois de 15 anos longe dos cadernos, B., 29 anos, foi uma das que voltaram a estudar. Sentia necessidade de poder acompanhar os filhos nos deveres de casa. Mãe de dois adolescentes, B., que não quis se identifi car temendo a volta do tráfico, pretende concluir o Ensino Médio e prestar vestibular para Matemática. “Deixar os meninos em casa era perigoso e estudar à noite, também. Por isso acabei parando na 5ª série do Ensino Fundamental. Meu marido também faz planos de concluir o Ensino Médio”, anima-se B.
O fim da presença de trafi cantes armados dentro e fora das escolas possibilitou, ainda, o aumento da carga horária. “Muitas vezes, por causa da guerra do tráfi co, tínhamos que liberar os alunos às 20h e até cancelar as aulas do noturno. Hoje as atividades vão até as 22h”, lembra a diretora da Alphonsus de Guimaraens. A escola foi uma das que alcançaram a meta no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para 2009. Tirou 4,4, numa escala de 0 a 10, no principal indicador da qualidade do ensino brasileiro, medido de dois em dois anos pelo MEC.
A pacificação também trouxe de volta mães educadoras, como Sheila Prates, 34 anos, Jaqueline da Silva Conceição, 31, e Denise da Silva Barros, 38. Há cerca de um ano, elas ajudam a cuidar de crianças e jovens em escolas da Cidade do Deus e do Jardim Batan, em Realengo. Todas recebem R$ 100 por 12 horas mensais para gastos com lanche e transporte. “Antes da UPP, o clima era muito tenso. Não podia nem sair de casa para buscar meus fi lhos. Hoje não se escutam mais tiros nem vemos bandidos armados. A ronda escolar é constante, e eu não saio mais do colégio”, afirma Sheila, mãe de três alunos da Escola Municipal José Pereira Clemente, na Cidade de Deus. Ter filhos matriculados é o principal requisito para participar do programa nas Escolas do Amanhã. “Eu me sinto mãe de 40 crianças ao mesmo tempo”, frisa Jaqueline.
Rio - Por mais de 30 anos, o livreiro Moisés da Silva Marques, 61, torrou todo o dinheiro do material escolar dos 10 fi lhos, cinco deles então pequenos, na cocaína e outras drogas que alimentavam seu vício. Sofreu três overdoses e ficou oito anos atrás das grades por assalto à mão armada. Há seis anos livre das drogas, Moisés hoje só pensa em passar uma borracha no passado e reescrever sua vida. É ele quem leva pelas mãos as filhas menores, Janaína, 10 anos, Ludmila, 10, Dayane, 6, e Luiza, 5, ao Ciep Presidente João Goulart, no Cantagalo, Ipanema. O extraficante ainda se aproximou dos agentes da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da comunidade, para aprender a tocar teclado.
O quinto capítulo da série ‘Educação em Tempos de Paz’, que O DIA vem publicando desde domingo, mostra que, como Moisés, muitos pais e fi lhos estão retornando à escola, após a pacificação. Na maioria dos casos, a transformação não aparece na forma de números, mas salta aos olhos dos educadores. “Muitos pais não vinham às reuniões porque deviam ao tráfi co e não podiam ser vistos. Já na última reunião os pais tiveram que ficar em pé. Faltou cadeira para todo mundo”, comemora Mônica Zucarino, diretora do Ciep Presidente João Goulart.
A mudança mais visível desses novos tempos ocorreu no Peja, o ensino noturno frequentado por adultos. “Ninguém se arriscava a ir à escola à noite. O aprendizado era capenga. Como o aluno iria estudar sem saber se na volta para casa seus familiares estariam vivos?”, recorda Andrea Rangel, diretora da Escola Municipal Alphonsus de Guimaraens, na Cidade de Deus. Com a chegada da UPP, em fevereiro de 2009, colégios do bairro tiveram de aumentar as turmas para atender a todos. “Cheguei a fazer num só dia mais de 100 matrículas para a noite”, lembra Andrea. Depois de 15 anos longe dos cadernos, B., 29 anos, foi uma das que voltaram a estudar. Sentia necessidade de poder acompanhar os filhos nos deveres de casa. Mãe de dois adolescentes, B., que não quis se identifi car temendo a volta do tráfico, pretende concluir o Ensino Médio e prestar vestibular para Matemática. “Deixar os meninos em casa era perigoso e estudar à noite, também. Por isso acabei parando na 5ª série do Ensino Fundamental. Meu marido também faz planos de concluir o Ensino Médio”, anima-se B.
O fim da presença de trafi cantes armados dentro e fora das escolas possibilitou, ainda, o aumento da carga horária. “Muitas vezes, por causa da guerra do tráfi co, tínhamos que liberar os alunos às 20h e até cancelar as aulas do noturno. Hoje as atividades vão até as 22h”, lembra a diretora da Alphonsus de Guimaraens. A escola foi uma das que alcançaram a meta no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para 2009. Tirou 4,4, numa escala de 0 a 10, no principal indicador da qualidade do ensino brasileiro, medido de dois em dois anos pelo MEC.
A pacificação também trouxe de volta mães educadoras, como Sheila Prates, 34 anos, Jaqueline da Silva Conceição, 31, e Denise da Silva Barros, 38. Há cerca de um ano, elas ajudam a cuidar de crianças e jovens em escolas da Cidade do Deus e do Jardim Batan, em Realengo. Todas recebem R$ 100 por 12 horas mensais para gastos com lanche e transporte. “Antes da UPP, o clima era muito tenso. Não podia nem sair de casa para buscar meus fi lhos. Hoje não se escutam mais tiros nem vemos bandidos armados. A ronda escolar é constante, e eu não saio mais do colégio”, afirma Sheila, mãe de três alunos da Escola Municipal José Pereira Clemente, na Cidade de Deus. Ter filhos matriculados é o principal requisito para participar do programa nas Escolas do Amanhã. “Eu me sinto mãe de 40 crianças ao mesmo tempo”, frisa Jaqueline.
“Várias vezes usei o dinheiro do material escolar para comprar cocaína. Hoje levo minhas fi lhas à escola de cabeça erguida” Moisés Foto: Alessandro Costa / Agência O Dia
Pais presentes, notas altas
A presença efetiva da família no ambiente escolar ajuda diretamente o desempenho escolar de crianças e jovens. É o que aponta pesquisa do Ministério da Educação, a partir do cruzamento das notas em Português e Matemática com as respostas ao questionário socioeconômico do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, o Saeb. Estudantes cujos pais se interessam pelo estudos têm notas mais altas. O exame foi aplicado a 300 mil estudantes do 5º e 9º ano do Ensino Fundamental e 3º do Ensino Médio das redes pública e privada. Os alunos do 5º ano que declararam que sempre veem a mãe lendo obtiveram média 20 pontos maior em Língua Portuguesa (172,6 contra 152,6). No caso dos pais que cobram a lição de casa, os alunos tiveram, em média, 14 pontos a mais do que os outros (159,6 a 173,9) em Matemática. “O acompanhamento familiar, o apoio do Estado com a política de pacifi cação e o trabalho da escola são fundamentais para o desenvolvimento dos alunos”, afi rma a psicóloga Joviana Quintes, do Centro Latino-americano de Estudos da Violência e Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz.
Maria Luisa Barros
O DIA ONLINE
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