terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Direito Internacional Privado deve ser mais explorado nas faculdades brasileiras


Quando uma brasileira casada com um inglês, morando na Itália, resolve pedir o divórcio, a lei de qual país irá reger o processo da separação? Do Brasil, da Inglaterra ou da Itália? Manda a lei do último domicílio do casal. E em caso de contrato trabalhista, quando, por exemplo, um brasileiro é contratado por uma empresa turca para trabalhar em Istambul? Se ele se sentir prejudicado, para qual Justiça deverá reclamar do patrão? Ele tem que acionar o país onde o contrato foi assinado - e torcer para que lá exista uma legislação trabalhista que seja forte como ele espera. A área do direito que estuda esse tipo de decisão é o Direito Internacional Privado (DIP), e que também trata de heranças, patrimônio, contratos sociais, entre outros, quando são feitos entre pessoas de países diferentes.
Essas relações afetivas ou patrimoniais devem ser pensadas antes de se começar uma família ou um trabalho no exterior. "Se a pessoa opta por construir uma relação emocional no exterior ou com pessoa estrangeira, tem de prever que mais cedo ou mais tarde alguns problemas poderão acontecer. E, portanto, estará sujeita a leis de outros países que não o seu", explica o professor Gustavo Ferraz, da Faculdade de Direito (FD) da USP, que orienta alguns trabalhos de conclusão de curso e pretende abrir disciplina na pós-graduação sobre o tema na unidade.
Além dele, mais dois professores lecionam DIP no departamento de Direito Internacional e Comparado da FD. As disciplinas abrangem os aspectos pessoais (família, relações afetivas e capacidade de interdição em território estrangeiro), patrimoniais (contratos e bens) e processuais (como manejar os processos quando existe essas ligações com o exterior). Há, também, uma tentativa de parceria com a área de pediatria da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), uma vez que os médicos tem um papel importante, assim como os educadores, no reconhecimento das relações dentro de casa. Esses profissionais são capazes de avaliar se a criança está feliz, se está sendo bem tratada pelos pais e, por isso, trazem aspectos fundamentais para a decisão de um juiz. Segundo Ferraz, nosso judiciário deve "parar de achar que por que uma criança é brasileira, é melhor que ela fique no país".

Histórico
Há 20 anos, o tema não era tão atraente para os advogados do Brasil, já que a economia do país ainda dava seus primeiros passos no mercado internacional. Mas hoje, com pessoas e mercadorias transitando livremente pelo mundo, o DIP tornou-se peça-chave para a resolução de conflitos judiciais evitando desgaste diplomático entre os países países diferentes - conflitos que não sejam ligados às outras duas áreas do Direito Internacional: o Comércio Internacional e a Diplomacia.
O recente caso do garoto Sean Goldman, alvo de disputa entre a avó brasileira e o pai norte-americano, é um típico exemplo de como o Brasil precisa estudar mais essa área.
"Os operadores de direito não conhecem o Direito Internacional Privado", afirma Gustavo Ferraz, referindo-se a juízes e desembargadores. Segundo ele, a maior parte dos juízes e promotores não tiveram o ensino de DIP na faculdade, e por conta disso não sabem resolver casos em que esse conhecimento é exigido.
O Brasil é signatário da Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças, de 1980. De acordo com o documento, deve haver cooperação entre o Poder Judiciário dos Estados. Um vez que uma criança é levada por um dos pais a um país sem o consenso do outro genitor, a parte que se sentir lesada reclama ao Judiciário do Estado onde vive. Este, por sua vez, aciona o Judiciário do país para onde a criança foi levada, que dá ordem de busca e apreensão. A criança, então, é levada para casa - o que normalmente faz com que a mãe ou o pai volte e resolva suas pendências matrimoniais no país do qual saiu.
No caso de Sean Goldman, sua mãe, Bruna, veio passar as férias no Brasil em 2004 e nunca mais voltou para os Estados Unidos, onde era casada com David Goldman. "Isso é muito mais comum do que a gente imagina. A pessoa está nos Estados Unidos, passando frio, com dificuldades em relação à cultura e à língua diferentes, vem passar as férias no Brasil - para isso, é preciso autorização do outro progenitor. Ela chega aqui e reencontra os amigos, a família... e descobre que aqui é o seu lugar e que não quer mais voltar", diz Ferraz. Foi então que David acionou a Justiça americana, que pediu cooperação da Justiça brasileira por meio da convenção de 1980.
"Por algum motivo, o judiciário brasileiro descumpriu a convenção. Quando você manda uma criança embora, a tendência é a mãe voltar atrás do filho para pedir o divórcio e a guarda da criança, o que ela muito provavelmente conseguiria", explica o docente. O processo se estendeu tanto que a mãe acabou morrendo e o resultado foi uma guerra de forças amplamente divulgada pela mídia. Envolveu, inclusive, a secretária de Estado americana Hillary Clinton, que ameaçou o Brasil com sanções econômicas. De acordo com Ferraz, essa atitude é legítima, ainda que não tenha afetado a decisão do Supremo Tribunal Federal.
"O judiciário precisa começar a entender que isso [Sean ser entregue ao pai] não ofende a soberania brasileira de forma alguma", afirma. Segundo ele, a maneira como o do processo foi conduzido se deu de modo similar a algo como "rasgar" o DIP.
Neste caso, o Brasil descumpriu um tratado internacional, provocando prejuízos financeiros e psicológicos aos envolvidos. E, pior, ficou mal visto pelo países em que o DIP é levado a sério.
Em 2001, a tragédia do menino Iruan Ergui Wu foi exposta de forma espetacular na mídia. Hoje ele mora em Canoas, no Rio Grande do Sul, com a avó. O pai era tailandês e a mãe, brasileira. Órfão da mãe, e sob custódia legal da avó, o menino foi levado a Taiwan para conhecer a família do pai, Teng-Shu Wu, que morreu logo depois. Mesmo com a tutela legal da avó brasileira, o tio taiwanês impediu o garoto de voltar alegando que ele preferia permanecer no Oriente. Foi então que começou uma briga judicial que durou até 2004. "Pela convenção, quem ia decidir este problema era o juiz de Taiwan. Só que o país, à epoca, não fazia parte do tratado", afirma Ferraz. O caso então foi resolvido diplomaticamente, entre os Ministérios das Relações Exteriores de ambos os países, que mediaram o conflito entre as famílias. Mesmo depois da decisão que dizia que o melhor para o garoto era ficar no Brasil, a família taiwanesa demorou para entregá-lo às autoridades brasileiras no país asiático, o que causou revoltas e comoção.
Outro caso que ficou famoso foi o de Nariman Osman Chiah. Filha de libaneses, Nariman foi levada aos 14 anos para o Líbano, onde se casou. Depois de alguns anos, voltou para o Brasil, teve um filho, e retornou ao Líbano. Segundo Nariman, o marido passou a ameaçá-la de morte e não a deixava sair de casa nem para visitar a irmã. Chegou a rasgar o passaporte da mulher e da criança. Em 2008, e grávida, ela fugiu a pé do Líbano para a Síria com o filho de 6 anos. Lá, procurou a embaixada brasileira para voltar ao Brasil. O embaixador brasileiro na Síria ficou sensibilizado pelo caso, bem como as autoridades sírias; a gravidez ajudou a apressar a decisão. Poucos dias depois, Narimam já estava em Matinhos, no Paraná, junto de sua mãe....


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