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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
Técnica faz paciente resistir após coração parar por 14 minutos
Consultor Afonso Beviani relata ter tido 'uma segunda chance'.
Hipotermia traz menos chances de sequela neurológica, diz médico.
Afonso Beviani é o homem que ressuscitou. O coração dele parou por 14 minutos, mas os médicos conseguiram reanimá-lo e ele está firme e forte e sem nenhuma sequela, graças a uma técnica que pode beneficiar pacientes do mundo inteiro.
Ele virou uma celebridade na vizinhança. “Graças a Deus estou bem de saúde. Eu morri e agora voltei”, comemora Afonso. “Lá em cima, Deus não quer gente ruim. Manda de volta e a gente tem que aguentar aqui”, brinca um amigo. “Aguentaram 14 minutos lá em cima”, responde Afonso, com bom humor.
Afonso era corredor, disputou até a São Silvestre. Agora, caminha cinco quilômetros por dia, recuperando a força do coração e matutando. A única marca que ficou foi um apagão na memória, que começou três dias antes do infarto e só voltou quando ele recobrou a consciência, uma semana depois.
“Quem me falou isso foi o meu filho e a minha filha, que eu tinha tido uma parada cardíaca de 14 minutos. Pensei que fosse uma brincadeira, eu falei 'impossível alguém ter uma parada cardíaca de 14 minutos e estar vivo”, conta o consultor Afonso Beviani.
Na família, é o assunto constante. “Pensei que era a coluna. Eu tenho um probleminha na coluna e normalmente ele me ataca. Estava doendo muito. Um sobrinho esteve em casa e me levou para o hospital, onde foi detectado que eu estava com problema cardíaco mesmo”, lembra Afonso. De ambulância, foi levado para Instituto do Coração (Incor), em São Paulo, e direto para a sala de cirurgia. Os médicos fizeram um cateterismo - inseriram um fio pela virilha, chegando até o coração. Quando encontraram a artéria enfartada, entupida por um coágulo, eles abriram um balão, que dilata a artéria. Em seguida, fizeram o reparo: liberaram um stent, uma pecinha que se abre, mantendo o caminho livre para o sangue.
De lá, Afonso foi para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde a doutora Luciana era a médica responsável por ele. “Principalmente nos infartos extensos, como foi o caso dele, o grande risco do paciente é nas primeiras 48 horas”, explica a cardiologista do Incor, Luciana Facilotto.
Na madrugada, ele teve uma arritmia. O coração primeiro batia descompassado e depois parou. Começava uma corrida contra o tempo.
A cada choque, um sinal de que ia voltar e parava de novo. Os médicos não desistiam de continuar o procedimento chamado de ressuscitação. Quatorze minutos depois, o coração de Afonso voltou a bater sozinho. Mas ficou parado durante 14 minutos. Todo estudante de medicina sabe que, depois de três minutos sem oxigênio no cérebro, os neurônios, as células nervosas, começam a morrer. Depois de 14 minutos, a lesão é brutal.
Sem resposta a estímulos
Afonso estava inconsciente, não respondia a estímulos, não tinha reflexos básicos. Nesses casos, a maioria dos pacientes morre e os que sobrevivem, geralmente ficam com lesões neurológicas muito graves.
O hospital avisou a família. O genro atendeu o telefone: “Eu lembro nitidamente, como se fosse hoje. Eu perguntei: ‘não é o filho que está falando, você pode falar comigo se aconteceu alguma coisa. Ele morreu?’ A pessoa que estava do outro lado disse: ainda não”, conta o genro de Afonso Ronaldo Lucas.
Foi a doutora Luciana que deu a notícia: “Nós acreditávamos que ele teria uma evolução neurológica ruim, com sequelas graves”, disse a médica.
“Isso nos deixou meio apavorados. Não pelo fato de ele ter qualquer déficit motor, porque isso realmente não preocupava. Mas o fato de não ter a cabeça em ordem, não conseguir mais conversar com ele. Isso era o mais difícil”, conta a filha de Afonso, Daniela Lucas.
Hipotermia
Foi aí que o Doutor Sergio Timerman sugeriu uma técnica desenvolvida nos Estados Unidos e ainda pouco empregada no Brasil para casos como o de Afonso - a hipotermia.
“Com a hipotermia, nós estamos ganhando em torno de 35% a 40% de chance de diminuir a sequela neurológica e sobreviver o paciente”, explica o cardiologista Sérgio Timerman.
A técnica envolve aplicar muito gelo até baixar a temperatura do paciente para entre 32ºC e 24ºC. É um procedimento delicado. Acima de 34ºC, não faz efeito. Abaixo de 32ºC, pode matar o paciente. Para ajudar, o soro sai do congelador direto para a veia do paciente.
Nesse período, o metabolismo do paciente se reduz ao básico para ficar vivo e concentra o gasto de energia na recuperação do cérebro.
“Você priva esse cérebro de oxigênio e você tem que dar tempo de ele se recuperar. Existem células que já morreram ou tem células que estão naquela dependência se vai ou não vai morrer”, acrescenta o médico Sérgio Timerman.
Depois de 24 horas, a aplicação de gelo foi suspensa e a temperatura voltou ao normal. Mas foram dias sem sinal de melhora.
Todo dia que nós chegávamos na UTI, eu e meu irmão olhávamos para ver se tinha o tubo. A gente queria que tirassem o tubo. E a gente olha e via que ele ainda estava entubado”, lembra a filha de Afonso. Até que numa manhã, ele se mexeu. E mostrou que estava consciente.
“Respondia com o braço, fazendo jóia, fazia assim com o olho, você já percebe que o paciente está tendo contato com a gente”, conta a médica.
“Quando chegamos lá, abrimos a porta da UTI. Alguém veio rindo e falou ‘hoje vocês vão estar felizes’. Quando a gente entrou no quarto, ele estava com uma cara de assustado, olhando para gente, querendo falar, sem voz. Acho que foi a hora mais feliz, porque ele reconheceu a gente de pronto. Era um medo que a gente tinha, de ele voltar e não saber quem a gente era, não lembrar de nada. Na hora ele falou ‘oi filho, oi filha’. Aí a gente ganhou o presente de Natal”, diz Daniela, emocionada.
“A outra imagem que eu me lembro sou eu no hospital, de mãos dadas com os meus filhos. A Doutora Luciana na minha frente e me perguntando se eu sabia onde eu estava. Eu olhei, mas também não precisa ser nenhum mágico para saber. Falei que sabia que estava no hospital. Foi aí que a Doutora Luciana, de um jeito todo característico dela, começou a me explicar o que é que eu tinha tido”, lembra Afonso.
Se os neurônios estavam morrendo, então como é que o paciente se recuperou e sem sequelas? A resposta honesta dos cientistas é que eles não sabem exatamente porque isso acontece. O que eles já entenderam, no entanto, é que a morte não é um evento - não é no momento que para o coração que todo o organismo, todas as células morrem. A parada do coração é só o início de um processo, que leva à morte de todas as células. Ao resfriar o paciente, esse processo, em alguns casos, pode ser interrompido.
'Nova era'
“Nós estamos vivendo uma nova era dentro do atendimento da parada cardíaca. Qual é o momento que nós devemos parar de tentar salvar essas pessoas que já foram consideradas mortas? No passado muitas desses pacientes não se fazia absolutamente nada. A hipotermia veio para ficar. Devemos fazer isso em todos os pacientes que voltam de uma parada cardíaca com alguma alteração neurológica. Não fazer é fazer um tratamento não completo nesses pacientes”, explica o médico Sérgio Timerman.
Fazer é dar a gente como Afonso a chance de ver a neta crescer, de completar seu ciclo de vida. A única sequela, a memória daqueles dias e não faz falta.
Afonso conta que se sente como se tivesse tido uma segunda chance. “Agora é só agradecer, agradecer e agradecer”, finaliza Afonso, com muita emoção.
G1
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