sábado, 20 de fevereiro de 2010

A liberdade para o assassino de João Hélio e a maioridade penal


Um dos assassinos do menor João Hélio, menor de idade quando do cometimento do bárbaro crime, na Zona Norte do Rio, no ano de 2007, acaba de ser beneficiado pela benevolência da lei brasileira com a concessão do regime de semi-liberdade, após mais de dois anos de cumprimento de medida sócio-educativa prevista no anacrônico Estatuto da Criança e do Adolescente. João Hélio foi morto de forma cruel, tendo permanecido preso ao cinto do carro de sua mãe, por ocasião de um assalto, sendo arrastado por longo percurso e teve o corpo todo mutilado e o rosto totalmente desfigurado.
Tal lamentável episódio nos remete, mais uma vez, ao debate sobre a questão da fixação do limite etário para a responsabilidade penal, objeto de constantes e inúmeras discussões, sendo tema de grande polêmica, observado que intelectuais, de vários segmentos, aí incluídos respeitados juristas, antropólogos, sociólogos e militantes de direitos humanos se posicionam, terminantemente, contra a possibilidade de menores de 18 anos serem processados criminalmente. Eles permanecem fiéis à recomendação de 1949, proposta pela Organização das Nações Unidas (ONU), no Seminário Europeu de Assistência Social, realizado em Paris. Esquecem que os jovens, no pós-modernismo, sofrem como todas as vertiginosas mudanças provocadas pelo desenvolvimento da ciência e da tecnologia, onde a difusão e a massificação da informação se fazem presentes.
Alguns intelectuais do Direito devem pelo menos reconhecer que a verdade expressa na doutrina do direito penal brasileiro não pode ser absoluta. Há que se conceder a possibilidade de avançar na questão, na constatação de que a idade biológica, critério da razoabilidade recomendada pela ONU em 1949, não guarda mais nenhuma relação de proporcionalidade com os crimes brutais hoje cometidos por menores de 18 anos, perfeitamente capazes de entender o caráter danoso de seus atos. Há que se buscar novos paradigmas e referenciais na discussão do tema.
Muitas vezes o notável saber jurídico é irreal. Deve-se ter em mente que o critério psico-social é hoje o mais recomendável em diversos países do mundo, devendo o menor de 18 anos ser penalmente imputável quando revelar, através de comprovação científica, a capacidade de entender a ilicitude do ato cometido.
A conclusão a que se chega, no Brasil, é que o Estatuto da Criança e do Adolescente, com mais de 18 anos de vigência, permite aos menores de 18 anos, ainda que já possam votar e influenciar nos destinos do país, estuprar, matar, torturar, esquartejar e outras barbáries desde que, caso capturados, cumpram o máximo de três anos de internação (21 anos é o limite) em estabelecimento educacional com direito extra-legal a participar de rebeliões, provocar danos ao patrimônio público, além de fuga. Esta é a indulgência plena, concedida a menores, sob a proteção da criminologia (sociológica) da compaixão. "A sociedade os fez assim agora que os aguente", dizem os doutos sociólogos. Estuda-se agora a possibilidade de mesmo após os 21 anos continuarem o cumprimento da pena. Um pequeno avanço.
Num estudo comparado com doutrinas penais mais realistas e menos misericordiosas, aqui vale lembrar o exemplo da juíza Carol Kelly quando, em meados de 1996, em Chicago, nos EUA, condenou a 15 anos de prisão dois menores, de 12 e 13 anos de idade. Os infratores foram condenados pelo assassinato de uma criança de cinco anos, que eles jogaram do décimo quarto andar de um prédio. A pequena vítima, Eric Morse, se recusara a comprar bala para eles numa venda próxima. Ao emitir a sentença, a juíza rejeitou o pedido da defesa para que os acusados fossem enviados a um centro de tratamento psiquiátrico que lidava com crianças agressivas, decidindo enviá-los para uma penitenciária de segurança máxima. Naquela ocasião os dois menores foram os primeiros condenados sob a nova lei do estado de Illinois, que reduziu de 13 para 10 anos a idade mínima para ir para prisão. "Os acusados negligenciaram o direito de conviver em sociedade", disse a magistrada em sua sentença.
Assim sendo cabe indagar: o Brasil participa ou não da globalização do mundo? Nossos juristas são os únicos donos da razão? A tese do direito penal mínimo permanecerá encobrindo criminosos? Que resultados positivos trouxe até aqui o Estatuto da Criança e do Adolescente? O aumento significativo da delinquência infanto-juvenil? A impossibilidade de retirar das vias públicas, face ao "direito" de ir, vir e estar, menores em situação de pré-delinquência? A responsabilidade penal, somente a partir aos 18 anos, constitui cláusula pétrea na Constituição Federal? Se é concedido ao menor de 16 anos o direito ao voto, podendo influenciar, com sua escolha, os destinos de um país, por que também não responsablizá-lo criminalmente?
As cláusulas devem deixar de ser pétreas quando se contrapõem aos legítimos interesses da sociedade. A grande realidade é que a consequência maior da frouxidão das leis tem sido o aumento assustador da violência. Infelizmente as leis penais no Brasil não guardam proporcionalidade com a crueldade do nosso dia a dia, perpetrada por perigosos delinquentes, menores de 18 anos ou não, dispondo de arsenais de última geração, que ameaçam a vida e a dignidade humana. O sistema anacrônico induz e incentiva o adolescente ao dizer-lhe: "aproveite enquanto não tem 18 anos para praticar crimes". Conhecedores disso, os chefes do tráfico utilizam, cada vez mais, menores (inimputáveis) na rede do tráfico de drogas.
Toda sociedade organizada necessita, pois, de mecanismos legais de autoproteção contra o crime. A redução de idade de responsabilização penal é um mecanismo de defesa social que a realidade impõe. Não se almeja abarrotar ainda mais presídios e penitenciárias. O que se propõe é investigar, independente de ser menor de 18 anos, se o autor do crime tinha ou não capacidade para entender o ato praticado. Inocência de bandidos-mirins tem limites. Basta de benevolência e irrealismo. Com a palavra o Congresso Nacional.

Este artigo foi escrito pelo leitor do Globo Milton Corrêa da Costa - tenente coronel da PM do Rio na reserva

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