domingo, 28 de fevereiro de 2010

Viciados do Camboja sofrem abusos em centros de detenção


Nguyen Minh Tam disse que se acostumou à rotina durante os três meses em que ficou em um centro de detenção de drogas, embora ele às vezes tenha perdido a consciência: três socos no peito quando acordava de manhã e três à noite antes de ir dormir.
Outro viciado em heroína afirmou ter sido espancado com um fio de metal torcido, grosso como seu polegar, até desmaiar.
"Eles usaram um lençol para me cobrir, então me bateram", disse o detento, que insistiu que apenas seu primeiro nome, Chandara, fosse usado.
"Eram dez pessoas batendo em mim".
Ban Sophea, por outro lado, um homem magro que sustenta seu vício em heroína coletando latas e garrafas usadas, disse que as coisas foram bastante diferentes para ele durante uma detenção de dez dias cuidadosamente monitorada.
"Eles nos deram remédio três vezes por dia numa garrafa que parecia de uísque", disse.
"No resto do tempo, não fazíamos nada de mais e comíamos.
Eles nos deixavam dançar e comer bolo.
Comíamos o tempo todo".
Esses tratamentos - tanto o abuso físico quanto a administração involuntária de droga experimental - têm causado preocupação no Camboja desde que foram documentados recentemente pelo grupo de monitoramento Human Rights Watch, baseado em Nova York.
Em um relatório publicado em janeiro, a Human Rights Watch descreveu em detalhes abusos ocorridos em 11 centros gerenciados pelo governo, que incluíam choques elétricos, surras, estupros, trabalho forçado e doações de sangue forçadas.
"A violência sadista, experimentada como espontânea e caprichosa, faz parte da forma na qual esses centros operam", disse o relatório.
"A Human Rights Watch descobriu que a prática da tortura e do tratamento desumano é amplamente disseminada em todos os centros de detenção de viciados no Camboja".
Esta descrição lembra outro relatório da Human Rights Watch, também lançado em janeiro, sobre centros de detenção obrigatória de viciados na China que, segundo o documento, negava aos internos tratamentos contra a dependência das drogas e "colocava-os em risco de sofrer abusos físicos e realizar trabalhos forçados sem remuneração".
No Camboja, o governo descartou o relatório, afirmando que ele não tem "qualquer embasamento válido", mas não respondeu à maioria de suas alegações.
"Os centros não são centros de detenção ou tortura", afirmou Meas Virith, vice-secretário da Autoridade Nacional de Combate às Drogas, numa coletiva de imprensa este mês.
"Eles são abertos ao público, não são centros secretos".
Em dezembro, o governo tentou outra abordagem que também atraiu críticas por parte de grupos de direitos humanos e profissionais de saúde: a administração de uma droga experimental à base de ervas do Vietnã, mas sem registro para uso no Camboja.
Vinte e um usuários de drogas foram levados a um dos centros de tratamento e receberam um coquetel chamado de "bong sen" por 10 dias, antes de serem liberados para voltarem a suas casas ou para a rua.
Nenhum acompanhamento sistemático foi feito, e a autoridade nacional de combate às drogas admitiu que pelo menos alguns dos que foram tratados voltaram a consumir drogas.
"Até onde sabemos, não existe nenhuma informação sobre a eficácia desse suposto remédio para a desintoxicação de pessoas dependentes de ópio, nem sobre os efeitos colaterais ou interações com outras drogas", afirmou em nota, no começo de dezembro, Graham Shaw, especialista em dependência de drogas e redução de perigo da Organização Mundial da Saúde em Phnom Penh.
Assim como seus vizinhos, o Camboja tem visto um aumento, nos últimos anos, no uso de metanfetaminas, conhecidas na Tailândia como o "remédio louco".
Um número menor de pessoas são usuárias de heroína.
O Vietnã possui uma rede de centros de tratamento contra as drogas e, segundo relatos, está usando amplamente a droga à base de ervas em tratamentos de desintoxicação.
Em 2003, a Tailândia embarcou numa "guerra contra as drogas", na qual cerca de 2.800 pessoas suspeitas de tráfico de drogas foram sumariamente baleadas e mortas.
Fora os 11 centros administrados pelo governo, os usuários de drogas no Camboja têm poucos lugares a que recorrer.
Em alguns casos, famílias desesperadas entregam seus parentes aos centros, mas ex-detentos entrevistados pela organização Human Rights Watch disseram terem sido trancados ali contra sua vontade.
Aparentemente, os centros são usados não apenas para usuários de drogas, mas também como uma forma de eliminar das ruas os indigentes, mendigos, prostitutas e pessoas com doenças mentais, segundo a Human Rights Watch e relatos de antigos detentos.
Os dados do governo sobre o consumo de drogas no Camboja não são confiáveis e variam de 6 mil a 20 mil pessoas.
As Nações Unidas calculam que cerca de 500 mil pessoas no Camboja podem ser usuárias de drogas.
Em 2008, a Autoridade Nacional de Combate às Drogas informou que 2.382 pessoas foram internadas em centros de detenção do governo para viciados, a maioria delas de forma involuntária.
Algumas famílias, sem outro recurso, pagam aos centros para que eles recebam seus parentes.
"Se as autoridades cambojanas acham que estão reduzindo a dependência de drogas através da política da detenção compulsória nesses centros, eles estão enganados", disse o relatório da Human Rights Watch.
"Não há evidências de que o exercício físico forçado, o trabalho forçado e atividades militares forçadas possuam qualquer benefício terapêutico de qualquer natureza." Como outros ex-detentos, Tam, 25 anos, de etnia vietnamita, afirmou ter sido internado involuntariamente junto com outros usuários de drogas e pessoas de rua.
Ele confirmou as alegações do relatório de que vários dos detidos eram crianças.
Ele descreveu o que chamou de "oito castigos" - exercícios dolorosos e humilhantes que incluíam rolar sem camisa no chão, correr contra paredes e uma série de contorções físicas com nomes como engatinhar como um leopardo, pular como um sapo, saltar como um vampiro e atirar como Rambo.
"Não acho que isso seja um treinamento", disse ele.
"É tortura".
Logo que foi solto, como contou, Tam voltou a consumir heroína.
"Dentro de nós, pensamos em drogas o tempo todo", disse ele.
"Quando saímos, estamos livres para usá-las novamente".

© 2010 New York Times News Service


Tradução: Gabriela d'Avila

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