quinta-feira, 4 de março de 2010

Mulheres solteiras realizam sonho de formar família por meio da adoção


Escrevente e nutricionista optaram por serem mães solteiras
Elas dizem ter enfrentado dificuldades, mas garantem que vale a pena


A escrevente Rejane mora em São Paulo e a nutricionista Margarida, no Rio. Embora não se conheçam, as duas mulheres têm em comum o fato de que sempre quiseram ter uma família. Solteiras, as duas conseguiram realizar o sonho da mesma forma: por meio da adoção.
Rejane Tavares Silva, de 46 anos, trabalha como escrevente no Tribunal de Justiça de São Paulo. Ela foi casada, mas acabou se separando. Pouco depois dos 40 anos, solteira, e com muita vontade de ter um filho, foi alertada pelo médico que ficaria cada vez mais difícil de engravidar. Por isso, Rejane decidiu adotar uma criança.
"Sempre tive o sonho de ter uma família e adoção para mim nunca foi um bicho de sete cabeças. Eu sempre pensei que podia adotar, mas antes olhava mais para o lado altruísta. E depois, por meio da adoção formei minha família", conta.
Depois de tomar a decisão, há quatro anos, começou a participar de um curso de formação. Frequentou mensalmente as reuniões por um ano. No começo, tinha receio por ser uma mulher solteira. "Logo que cheguei fiquei receosa porque a maioria dos candidatos era um casal. Me senti um peixe fora d´água, mas continuei e não desisti."
No fim de 2007, entrou com o processo para adoção e em julho de 2008 estava aprovada, esperando apenas chegar uma criança com o perfil dela - Rejane queria uma criança entre 2 e 5 anos, independente de sexo ou cor. No mês seguinte, foi informada de um menino de quase 2 anos, da cidade de Franca (SP), cuja adoção tinha que ser feita com rapidez.
"As duas irmãs tinham sido adotadas e precisava de alguém que ficasse com o menino. Mas precisava ter vínculo, contato com as outras duas famílias que adotaram cada uma das meninas. Eu preparei a papelada e fui. Cheguei a Franca no domingo e ia ver a criança na segunda. Se quisesse, já podia levar para casa", lembra a escrevente.
Rejane descreveu à reportagem a seguinte sensação ao ver o pequeno Vitor, que completaria dois anos no mês seguinte, pela primeira vez: "Foi amor à primeira vista. Quando vi aquele pequenininho, entrando com um boné..."
Dificuldade de relacionamento
A primeira grande dificuldade que sentiu foi de relacionamento. Ela tinha seis meses para se adaptar à vida de mãe, porque tinha obtido licença-maternidade no trabalho. Mas o pequeno Vitor não morava em abrigo antes da adoção, estava em uma família de apoio, e sentiu muita falta da família com quem conviveu por mais de um ano.
"O começo foi barra, bem complicado. Eram dois estranhos que não se conheciam. E a criança te testa. Ele quebrava coisas, tinha ataques de bater a cabeça no chão, me chutava, me mordia. Os primeiros seis meses foram barra, eu emagreci uns cinco quilos. Não ia conseguir se não estivesse bem preparada".
Rejane diz que, no começo, muitos a questionavam se ela não tinha se arrependido. "Eu tinha um desejo muito forte dentro de mim e olhava aquela carinha e me dava força. Hoje, depois da tempestade, sei que vale a pena. Ele me chama de mãe, tem muito carinho, muito afeto. Acho que foi um presente que ganhei da vida, de Deus."
Para ela, as dificuldades de criar um filho adotivo sozinha são duas: falta de tempo e de dinheiro. "Expliquei para os psicólogos que, por causa do trabalho, ficava fora de casa por, no mínimo, dez horas. Mas eles disseram que o importante era a qualidade do tempo que você dá. E eu sinto no Vitor que a cada vez ele está mais feliz, mais seguro. A questão de grana também é complicada, mas é como com todas as mães que ouço falar. Você se esquece de você e prioriza a criança. Para mim, só compro o necessário."
'Família feliz'
Moradora do Rio de Janeiro e solteira, a nutricionista Margarida Maria Neves Gama, de 44 anos, também teve sua rotina totalmente alterada há um ano com a chegada do filho adotivo, Carlos Eduardo, agora com 3 anos. Os dois, diz a nutricionista, são hoje "uma família feliz".
"Eu, na verdade, sempre quis ser mãe. Fui casada por 13 anos, mas não tivemos filhos. Mas não descartei a possibilidade de ser mãe. Mesmo se tivesse tido um filho biológico, iria adotar. Assim que me separei, entrei com processo de habilitação para adoção", lembra.
Para Margarida, que também relata dificuldades para cuidar sozinha de Cadú, há pontos positivos em ter decidido ser mãe solteira: "Sozinha você não sofre a interferência de outra pessoa. Hoje, os casais estão divergindo muito de opinião. Tenho amigas que sofrem com isso. Um fala uma coisa e o outro diz outra, os pais não falam a mesma linguagem. Mas também tem o lado negativo que é a sobrecarga, às vezes a gente tem vontade de dividir com alguém", conta.
Ela confessa, que, como qualquer mãe, muitas vezes se sente sobrecarregada: "Às vezes fico cansada, já chorei de cansaço. Às vezes bate uma agonia, acho que faz parte. Mas quando assumi esse compromisso sabia que poderia acontecer. Pode ser o próprio estresse do trabalho."
Ao contrário de Rejane, Margarida não teve problemas de adaptação com Cadú, que antes de ser adotado morava em um abrigo no interior de Minas Gerais.
"Foi muito tranquilo. No segundo dia ele já me chamava de mãe, não teve problema de adaptação. (...) É uma criança levada, mas muito tranquila", diz a nutricionista.
Segundo Margarida, seu filho é "maravilhoso". "Esses dias eu cheguei com ele na escola e faltava cinco minutos para abrir o portão. Perguntei para ele o que ele estava achando da mamãe. E ele respondeu: 'uma família'. Fiquei impressionada com uma resposta dessa vinda de um menino de três anos. E perguntei: 'como assim uma família?’. E ele disse: 'uma família feliz'", disse ela, emocionada. "Eu não sou perfeita não, tenho muitos erros e até um pouco de impaciência às vezes, mas é muito gratificante."

Preparação psicológica

Para a psicóloga e psicanalista Maria Antonieta Tisano Motta, do Grupo de Apoio à Adoção de São Paulo (Gaasp), a preparação para um solteiro adotar é a mesma de um casal. "É preciso saber os motivos pelos quais quer ter um filho, se está preparado para a mudança que vai ocorrer. E precisa ter uma rede de apoio, com amigos, famílias, parceria com escola, porque sozinho é muito difícil."
Maria Antonieta diz ainda que, mesmo no caso de mães solteiras adotivas, as crianças precisam da função paterna. "Não precisa ser o homem ao lado da mulher, mas deve ter uma função paterna, que o pai tem que é dividir a mãe, uma função de interdição. A criança não pode sentir que a mãe está vivendo para ela. Uma mulher que trabalha fora, por exemplo, isso funciona como uma interdição."
Além disso, destaca a psicóloga, é importante que a criança conviva tanto com figuras femininas quanto masculinas.
É preciso também cuidado para não se sentir culpada por criar sozinha e acabar superprotegendo a criança. "Não se pode achar que pode suprir tudo da vida da criança, a ponto de superproteger ou impedir a independência."

Mariana Oliveira
G1

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