domingo, 14 de junho de 2009

Adolescentes não percebem que são exploradas



O autor de violência sexual — agressor ou explorador — não possui um perfil e nem tampouco uma classe social definidos. Muito menos procedência. Ele pode ser o estrangeiro que chega aqui e, apoiado em rede que inclui do taxista ao dono do hotel, explora crianças e adolescentes, como mostra estudo realizado pela Secretaria de Turismo de Fortaleza (Setfor) identificando que metade (50,7%) dos turistas estrangeiros que chegam aqui praticam este crime. O levantamento foi realizado entre os meses de janeiro a agosto de 2008, nos corredores turísticos da Cidade.
Outro estudo, “Os sete sentimentos capitais: exploração sexual comercial de crianças e adolescentes”, transformado em livro, aponta que 54,9% das violações são praticadas por moradores locais. Germana Vieira, coordenadora da Rede Aquarela, responsável pela política de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes no Município, esclarece: “O explorador não é apenas o gringo”.
Respaldada na pesquisa da Fundação da Criança e da Família Cidadão (Funci), a promotora de Justiça Edna Lopes Costa da Matta, da 12ªCriminal admite que “é mais fácil colocar a culpa no outro”, se referindo ao turista estrangeiro.
Isso não significa negar uma realidade, afirmando que existem, sim, os estrangeiros fazendo parte da teia que permeia o fenômeno, constatado a olho nu. E não são apenas nos corredores turísticos que crianças e adolescentes “viram produto”. Para a promotora, o combate ao crime não pode ser resumido apenas à punição dos criminosos. “A rede de proteção tem que atuar, porque crianças e adolescentes não sabem discernir o que é crime”.
Edna Lopes afirma que não existe uma estatística precisa sobre estes tipos de crimes. No entanto admite que “temos mais casos de abusos”, completando que o percentual de exploração é pequeno. Uma das justificativas é a questão econômica. As vítimas são adolescentes e elas negam o crime, protegendo assim o explorador.
“Como estão ali para ganhar dinheiro, não denunciam os exploradores. Normalmente, a vítima nega”. Muitas dizem: “Não fui explorada, ele é que foi otário e pagou”. Só que nem elas e nem a sociedade atentam que a exploração sexual é um crime contra a dignidade humana.
Porém, a vítima não vê a questão desta forma. “Elas ganham dinheiro”. O explorador tanto pode estar nas BRs, na Beira-Mar, nas avenidas, na esquina de sua casa, como o dono da bodega. Muitas são exploradas para comprar crack.

“É mais fácil colocar a culpa no outro, o turista estrangeiro.

Ele também faz parte da rede de exploração”

Edna Lopes Costa da MattaPromotora de Justiça


Sentimentos confusos nessa faixa etária
O que mais chamou a atenção na pesquisa “Os Sete Sentimentos Capitais” foi a constatação de que 47,6 % dos adolescentes entrevistados afirmaram não sentir “nada” durante o contato com o explorador, definido pela pesquisa como “programa”. Enquanto 30% do público pesquisado disse sentir “nojo”. Foram aplicados 328 questionários em pontos estabelecidos e identificados ao longo do estudo.
A pesquisa buscou também investigar o outro lado do fenômeno, que não pode ser resumido ao aspecto socioeconômico. Ele envolve sentimentos, já que se trata de encontro, nem que seja apenas do ponto de vista físico, entre duas pessoas. “Não sentir nada é um dado muito grave”, avalia Germana Vieira, coordenadora da Rede Aquarela, responsável pela política de enfrentamento à violência sexual em Fortaleza.
Dos 328 entrevistados, 63 (19,2%) afirmaram sentir prazer, contra 154 (47%) que disseram não. Sentimentos como prazer, nojo, culpa, liberdade, autonomia, vaidade e medo parecem confusos aos adolescentes explorados. “Podemos perceber que eles iam e voltavam durante a aplicação dos questionários”, ressalta Helena Damasceno, assistente técnica do laboratório de Estudos da Criança e do Adolescente.
Por isso, fica difícil falar de cada um separadamente. “Às vezes, o prazer não é físico, mas passa por uma situação, como entrar no motel, tomar um banho, fazer uma refeição, poder comprar o que estavam desejando”, diz Germana.
O nojo, em alguns casos, estava ligado a eles próprios, quando percebem que são explorados. Para amenizar o sentimento de repulsa, alguns confessam tentar lembrar, no momento do encontro, do rosto da pessoa que eles gostam.
No caso do abuso sexual com crianças, geralmente, o autor é uma pessoa que convive com a vítima e que, aos poucos, vai seduzindo para ganhar a confiança. “Ele presenteia com bombom, faz um jogo de sedução”, revela Helena Damasceno, completando que, para a criança, essa artimanha é vista como afetividade.
Quando essa relação de confiança é quebrada, fica difícil para a criança compreender como a pessoa que ela ama e respeita se transforma no seu algoz. “O agressor não arrasta a criança para o quarto logo… tudo acontece aos poucos…é algo gradativo”. Por isso, a vítima tem dificuldade de contar para a família. “Existe todo um jogo e o agressor joga bem”.



Diário do Nordeste

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