sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Em escola do Rio Grande do Sul, crianças brincam de "tráfico de drogas"


Em vez do tradicional polícia-e-ladrão, meninos de um colégio de Sapucaia simulavam ser traficantes

Renato Gava

Nem esconde-esconde, nem polícia-e-ladrão. Crianças de uma escola pública de Sapucaia do Sul, na Região Metropolitana, começaram a brincar de traficante. Segundo testemunhas, eles quebraram giz, moeram até virar pó e embalaram em plásticos.

Na brincadeira, segundo uma testemunha, grupos teriam de angariar usuários e conquistar bocas de fumo. O caso envolveu crianças da quarta série do ensino fundamental, entre nove e dez anos de idade.

– Realmente isso ocorreu, mas a gente conversou com eles e eles pararam – assegurou a diretora do colégio, que não quis dar mais informações.

- Escolas vão discutir o tráfico

A brincadeira mostra como a crua realidade do tráfico influencia o cotidiano de crianças da Região Metropolitana.

O secretário de Educação do município, Adilpio Zandonai, revelou preocupação com a questão. Segundo ele, nos dias 10 e 11 de novembro, haverá uma reunião com todas as 26 escolas de Sapucaia do Sul para tratar sobre o combate ao tráfico e a melhor forma de prevenir adolescentes sobre o problema das drogas.

– Pode ter sido em tom de brincadeira, mas temos de coibir, acabar com isso – disse o secretário.

- Reflexos do dia a dia

Subcomandante da Brigada na cidade, o capitão Célio Vargas de Oliveira disse que já havia sido alertado por uma denúncia anônima.

– Não é um crime, e sim um reflexo do que essas crianças convivem no dia a dia, em suas comunidades e, às vezes, até dentro de casa – avaliou o oficial.

Ele não revelou o nome do colégio, mas disse que entrará em contato com a direção para combinar palestras.

– Em Sapucaia, perto de escolas sempre tem uma invasão, que são os locais onde moram a maioria dos traficantes. Se o ponto não é na frente do colégio, fica a três, quatro quadras – informou.

- Pó de mentirinha

A direção da escola não revelou detalhes da brincadeira. Uma professora, que disse ser responsável por outra turma, relatou que a descoberta foi por acaso e que ocorreu no turno da manhã. A responsável pela classe teria visto um aluno quebrando giz e perguntado o porquê da ação. Foi quando a criança mostrou alguns saquinhos com pó e disse que era para brincar de traficante. O menino não soube dizer há quanto tempo eles vinham desenvolvendo o jogo.

Para preservar as crianças, em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente, o Diário Gaúcho não publica o nome da escola.

- “Elas brincam com o mundo”

– Crianças brincam com o mundo que as cerca. O que está acontecendo com esses alunos é que a vida deles está centrada nesse movimento terrível que é a droga.

A afirmação é do doutor em Educação Euclides Redin, professor de Políticas de Educação Infantil da Unisinos. Conforme o especialista, o ideal é que os professores discutam com a crianças o porquê de estarem brincando disso.

Para o professor, o que precisa mudar é a ligação que a criança tem com o submundo das drogas.

– Casos como esse devem chamar a atenção da comunidade para mostrar que a criança está vivendo em locais onde o tráfico tem grande força. Se a gente tirar essa realidade do cotidiano delas, certamente vão brincar de outras coisas – finalizou.

- Brigada comprova o crescimento do tráfico

A quantidade de maconha apreendida pela Brigada Militar em Sapucaia, até setembro, é pelo menos 40 vezes superior ao volume apreendido em 2008. No caso do crack e da cocaína, o aumento supera os 300%. Nos primeiros nove meses de 2009, 49 pessoas foram presas por crime de tráfico.

– O combate às drogas é uma prioridade nossa, os números mostram que estamos atuando bem. Mas, infelizmente, na grande maioria das vezes, pegamos quem está vendendo, e não o traficante maior, o que transporta para a cidade – afirma o subcomandante do 33º BPM, capitão Célio Vargas de Oliveira.

Uma das táticas da BM foi direcionar para o serviço de inteligência as denúncias anônimas referentes a tráfico – PMs à paisana monitoram os locais. Então, efetuam a prisão assim que um comprador aparece.

- Colégios são o principal alvo

Conforme o capitão, tão impressionante quanto o aumento das apreensões é o crescimento do número de mulheres presas por tráfico: nove (18,36% do total).

– Até o ano passado, não tínhamos flagrado nenhuma mulher traficando. Isso está acontecendo agora porque, quando o marido vai preso, ela acaba assumindo o ponto – avalia.

O capitão lembra que as drogas estão “inseridas em todas as classes sociais”, mas garante que as escolas são os principais alvos dos traficantes.

Fonte: Diário Gaúcho

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