Wilmes Roberto Teixeira, de 78 anos, é uma das figuras mais ilustres da medicina legal brasileira. Membro da American Academy of Forensic Science, Wilmes é livre-docente e dá aulas em três faculdades. Dedicou sua vida a três linhas de pesquisa: a da identificação de corpos de difícil reconhecimento, a de mulheres vítimas de estupro e homicídio, com o uso pioneiro do exame de DNA no País para esses casos, e, por fim, das crianças vítimas de espancamento.
Da primeira linha, ele se destacou pela identificação dos restos mortais do carrasco nazista Joseph Mengele, em 1985. Da segunda, de 1991 a 1999, ele dirigiu o Centro de Investigação de Crimes Sexuais, na Universidade de Mogi, de onde saíram trabalhos como a identificação de sêmen no reto de uma das vítimas do Maníaco do Parque, em um cadáver já decomposto. Da terceira, surgiu a publicação de artigos que mudaram a forma de os legistas brasileiros analisarem crianças vítimas de violência. Wilmes recebeu o Estado em sua casa, em Mogi das Cruzes, região metropolitana de São Paulo. Leia a entrevista:
O senhor foi quem trouxe o conceito de Síndrome do Bebê Espancado, a Sibe, para o País…
Na verdade, fui eu quem deu esse nome de Sibe. A Sibe vem de 1978. Publiquei na Revista Paulista de Medicina o primeiro artigo sobre a síndrome. O bebê não entende a agressão, não se defende. Como não anda, não escapa; como não fala, não denuncia. O bebê é uma vítima peculiar, muito aproveitada pelo criminoso. Nos EUA, a Sibe começou a ser pesquisada em 1946, pelo americano de Pittsburgh, John Caffey, radiologista. Em 1962, Kempe, pediatra americano, junto com Caffey, sistematizou o estudo e batizou o tema de The Battered Child Syndrome. Isso chocou a opinião pública.
Por que os pediatras precisam de tantas provas para perceberem o espancamento?
Dificilmente um médico percebe. Esse é o problema. Primeiro, porque essas crianças espancadas estão em casa. Em geral, (mães que espancam) só levam quando a criança está muito mal. Enquanto puder agredi-la em casa, ela espanca, está me entendendo? Quando ela leva a criança ao hospital público, está lá o pediatra, que é um profissional com mais dificuldades de trabalhar do que os demais, porque o cliente dele não conta nada. Quem fala é a mãe. O pediatra tem de acreditar na mãe. Todo indivíduo sabe o óbvio: mãe protege filho. Quando essa mãe chega, o médico vê aqueles hematomas e pergunta. A resposta é: “Ah, ela caiu do berço.” O médico não está preparado para duvidar. É uma idéia visceral a de que as mães são protetoras. Mas há mães espancadoras.
Qual a dimensão da Sibe no País?
No Brasil, devemos ter de 400 mil a meio milhão de crianças menores de 4 anos que são espancadas, por ano. Isso é uma estimativa baseada na experiência americana. Não temos estatísticas, temos estimativas. Quarenta mil dessas crianças ficam em estado grave e 4 mil morrem. Se você calcular qual é o índice de apuração de homicídios no Brasil, dá para calcular quantos casos são investigados.
Quais são os tipos de agressão catalogados?
As formas de agressão são: por negligência, a forma mais branda. A segunda é a sonegação de alimentos. Há crianças que chegam esqueléticas ao pronto-socorro. Há ainda o abuso químico, que são os pais que dão bebida alcoólica aos filhos. Há o abuso sexual, que é bem conhecido. Há a agressão da criança sacudida, que é o “shaking baby”. Ele provoca lesões de retina com cegueira e lesões cerebrais. A cabeça da criança é maior em relação ao corpo. Só na idade adulta é que a anatomia humana atinge a proporção ideal. Por ser maior, a cabeça, conforme ela chacoalha a criança, vai para a frente e para trás, lesionando o cérebro. É efeito chicote.
Existe a agressão por esganadura? Por asfixia?
Sim, e são de dois tipos. A asfixia como forma de tortura, de espancamento, e a que foi introduzida por mim aqui, que é a asfixia pela síndrome de Munchausen por procuração. Neste caso, a mãe tem um objetivo deliberado: vai matar o filho, porque ele é um empecilho aos seus propósitos. O que ela faz? Há mães que põe sangue de galinha no ouvido da criança, machuca a criança, para levá-la ao médico, para poder criar uma situação de doença. O Munchausen era o barão que mentia, portanto é a doença de mentira. A mais grave é a que ocorre pela asfixia, que é chamada também de homicídio gentil por asfixia, chamada assim porque não deixa marca. Sem ninguém saber ou ver, a mãe tapa a narina e boca da criança, e a sufoca. Quando ela começa a se debater e arrefecer os movimentos, ela tira a mão. Com o tempo, ela adquire a habilidade de conseguir deixar a criança no ponto de parada respiratória. Daí, ela leva a criança ao hospital. Os médicos internam, fazem a recuperação respiratória, fazem exames e não encontram a doença porque ela não existe. A mãe faz isso uma vez ou duas, e depois, mata a criança. Quando ela mata, vai naquele mesmo hospital. Os médicos não conseguem fazer um diagnóstico. Então, dão como morte por causa indeterminada, como doença respiratória a esclarecer. E tudo não passou de homicídio. Nos EUA, cruzando dados de prontuários, observaram duas coincidências, nenhuma médica: a tal doença respiratória, que constava do óbito, só aparecia na casa do bebê, e só aparecia no hospital quando a mãe visitava.
Quais sinais denunciam a Sibe?
Primeiro, o espectro equimótico. Equimose é um derrame de sangue de um traumatismo, porque rompe os vasos capilares. As equimoses têm cores diferentes. Quando você bate, ela surge roxo azulada. Com o passar do tempo, vai esmaecendo, amarelando, até desaparecer. Essa variação chama-se espectro equimótico. Isso denuncia que não há apenas um hematoma, mas vários, e de cores diferentes, o que corresponde a batidas de datas diferentes.
Por que o sr. fala em mãe agressora?
Porque em geral é a mãe. Havendo um casal, um vigia o outro. São em geral mães não casadas. Veja bem, estamos falando de pessoas más. Mal cuidada, essa criança chora, quando chora, apanha. E vira um círculo vicioso, de tal forma que, só de ver a mãe, essa criança chora. Daí ela parte direto para o traumatismo.
Há sinais de asfixia em Isabella Nardoni. Quando começa a bater, essa mãe se descontrola. Nos casos de asfixia, há também esse descontrole?
Não, asfixia não é igual a espancamento.
Há como espancar só por descontrole, sem a intenção de matar?
Veja bem, espancar é um verbo que traz certo peso. O objetivo do espancador é eliminar a criança, seja parcialmente, do tipo calando a vítima, ou totalmente.
No caso de Isabella, sabe-se que ela chegou com vida lá embaixo, mas que antes foi espancada e esganada. Após ser esganada, a criança pode passar a impressão de estar morta, mas voltar ao normal minutos depois?
Pode. A asfixia por compressão do pescoço impede a passagem do sangue para o cérebro. Em 12 segundos, ela pode perder a consciência. Se o agressor soltar a mão, a criança pode voltar a respirar fracamente, o que dá a impressão de estar morta. Já a morte cerebral ocorre, por asfixia, em quatro a cinco minutos.
Mas se for esganada por pouco tempo, ela volta depois.
Em seguida.
No caso Isabella, falaram em período de recuperação após a esganadura. Isso porque, segundo a hipótese de que tenha sido o pai e a madrasta os autores, eles poderiam ter decidido jogá-la pela janela porque achavam que estava morta.
Não, ela voltaria a respirar em seguida. A asfixia mata rapidamente também. Passaram-se três, quatro minutos, ela não volta; um ou dois minutos a menos, ela volta, mas não consciente. Ela respira, mas não volta à capacidade de cognição, de ver, falar… Volta de uma forma restrita, com seqüelas para sempre.
Wilmes Teixeira
É especialista em medicina legal e membro da American Academy of Forensic Science
Cunhou o termo Síndrome do Bebê Espancado (Sibe)
Fonte: O Estado de São Paulo
Da primeira linha, ele se destacou pela identificação dos restos mortais do carrasco nazista Joseph Mengele, em 1985. Da segunda, de 1991 a 1999, ele dirigiu o Centro de Investigação de Crimes Sexuais, na Universidade de Mogi, de onde saíram trabalhos como a identificação de sêmen no reto de uma das vítimas do Maníaco do Parque, em um cadáver já decomposto. Da terceira, surgiu a publicação de artigos que mudaram a forma de os legistas brasileiros analisarem crianças vítimas de violência. Wilmes recebeu o Estado em sua casa, em Mogi das Cruzes, região metropolitana de São Paulo. Leia a entrevista:
O senhor foi quem trouxe o conceito de Síndrome do Bebê Espancado, a Sibe, para o País…
Na verdade, fui eu quem deu esse nome de Sibe. A Sibe vem de 1978. Publiquei na Revista Paulista de Medicina o primeiro artigo sobre a síndrome. O bebê não entende a agressão, não se defende. Como não anda, não escapa; como não fala, não denuncia. O bebê é uma vítima peculiar, muito aproveitada pelo criminoso. Nos EUA, a Sibe começou a ser pesquisada em 1946, pelo americano de Pittsburgh, John Caffey, radiologista. Em 1962, Kempe, pediatra americano, junto com Caffey, sistematizou o estudo e batizou o tema de The Battered Child Syndrome. Isso chocou a opinião pública.
Por que os pediatras precisam de tantas provas para perceberem o espancamento?
Dificilmente um médico percebe. Esse é o problema. Primeiro, porque essas crianças espancadas estão em casa. Em geral, (mães que espancam) só levam quando a criança está muito mal. Enquanto puder agredi-la em casa, ela espanca, está me entendendo? Quando ela leva a criança ao hospital público, está lá o pediatra, que é um profissional com mais dificuldades de trabalhar do que os demais, porque o cliente dele não conta nada. Quem fala é a mãe. O pediatra tem de acreditar na mãe. Todo indivíduo sabe o óbvio: mãe protege filho. Quando essa mãe chega, o médico vê aqueles hematomas e pergunta. A resposta é: “Ah, ela caiu do berço.” O médico não está preparado para duvidar. É uma idéia visceral a de que as mães são protetoras. Mas há mães espancadoras.
Qual a dimensão da Sibe no País?
No Brasil, devemos ter de 400 mil a meio milhão de crianças menores de 4 anos que são espancadas, por ano. Isso é uma estimativa baseada na experiência americana. Não temos estatísticas, temos estimativas. Quarenta mil dessas crianças ficam em estado grave e 4 mil morrem. Se você calcular qual é o índice de apuração de homicídios no Brasil, dá para calcular quantos casos são investigados.
Quais são os tipos de agressão catalogados?
As formas de agressão são: por negligência, a forma mais branda. A segunda é a sonegação de alimentos. Há crianças que chegam esqueléticas ao pronto-socorro. Há ainda o abuso químico, que são os pais que dão bebida alcoólica aos filhos. Há o abuso sexual, que é bem conhecido. Há a agressão da criança sacudida, que é o “shaking baby”. Ele provoca lesões de retina com cegueira e lesões cerebrais. A cabeça da criança é maior em relação ao corpo. Só na idade adulta é que a anatomia humana atinge a proporção ideal. Por ser maior, a cabeça, conforme ela chacoalha a criança, vai para a frente e para trás, lesionando o cérebro. É efeito chicote.
Existe a agressão por esganadura? Por asfixia?
Sim, e são de dois tipos. A asfixia como forma de tortura, de espancamento, e a que foi introduzida por mim aqui, que é a asfixia pela síndrome de Munchausen por procuração. Neste caso, a mãe tem um objetivo deliberado: vai matar o filho, porque ele é um empecilho aos seus propósitos. O que ela faz? Há mães que põe sangue de galinha no ouvido da criança, machuca a criança, para levá-la ao médico, para poder criar uma situação de doença. O Munchausen era o barão que mentia, portanto é a doença de mentira. A mais grave é a que ocorre pela asfixia, que é chamada também de homicídio gentil por asfixia, chamada assim porque não deixa marca. Sem ninguém saber ou ver, a mãe tapa a narina e boca da criança, e a sufoca. Quando ela começa a se debater e arrefecer os movimentos, ela tira a mão. Com o tempo, ela adquire a habilidade de conseguir deixar a criança no ponto de parada respiratória. Daí, ela leva a criança ao hospital. Os médicos internam, fazem a recuperação respiratória, fazem exames e não encontram a doença porque ela não existe. A mãe faz isso uma vez ou duas, e depois, mata a criança. Quando ela mata, vai naquele mesmo hospital. Os médicos não conseguem fazer um diagnóstico. Então, dão como morte por causa indeterminada, como doença respiratória a esclarecer. E tudo não passou de homicídio. Nos EUA, cruzando dados de prontuários, observaram duas coincidências, nenhuma médica: a tal doença respiratória, que constava do óbito, só aparecia na casa do bebê, e só aparecia no hospital quando a mãe visitava.
Quais sinais denunciam a Sibe?
Primeiro, o espectro equimótico. Equimose é um derrame de sangue de um traumatismo, porque rompe os vasos capilares. As equimoses têm cores diferentes. Quando você bate, ela surge roxo azulada. Com o passar do tempo, vai esmaecendo, amarelando, até desaparecer. Essa variação chama-se espectro equimótico. Isso denuncia que não há apenas um hematoma, mas vários, e de cores diferentes, o que corresponde a batidas de datas diferentes.
Por que o sr. fala em mãe agressora?
Porque em geral é a mãe. Havendo um casal, um vigia o outro. São em geral mães não casadas. Veja bem, estamos falando de pessoas más. Mal cuidada, essa criança chora, quando chora, apanha. E vira um círculo vicioso, de tal forma que, só de ver a mãe, essa criança chora. Daí ela parte direto para o traumatismo.
Há sinais de asfixia em Isabella Nardoni. Quando começa a bater, essa mãe se descontrola. Nos casos de asfixia, há também esse descontrole?
Não, asfixia não é igual a espancamento.
Há como espancar só por descontrole, sem a intenção de matar?
Veja bem, espancar é um verbo que traz certo peso. O objetivo do espancador é eliminar a criança, seja parcialmente, do tipo calando a vítima, ou totalmente.
No caso de Isabella, sabe-se que ela chegou com vida lá embaixo, mas que antes foi espancada e esganada. Após ser esganada, a criança pode passar a impressão de estar morta, mas voltar ao normal minutos depois?
Pode. A asfixia por compressão do pescoço impede a passagem do sangue para o cérebro. Em 12 segundos, ela pode perder a consciência. Se o agressor soltar a mão, a criança pode voltar a respirar fracamente, o que dá a impressão de estar morta. Já a morte cerebral ocorre, por asfixia, em quatro a cinco minutos.
Mas se for esganada por pouco tempo, ela volta depois.
Em seguida.
No caso Isabella, falaram em período de recuperação após a esganadura. Isso porque, segundo a hipótese de que tenha sido o pai e a madrasta os autores, eles poderiam ter decidido jogá-la pela janela porque achavam que estava morta.
Não, ela voltaria a respirar em seguida. A asfixia mata rapidamente também. Passaram-se três, quatro minutos, ela não volta; um ou dois minutos a menos, ela volta, mas não consciente. Ela respira, mas não volta à capacidade de cognição, de ver, falar… Volta de uma forma restrita, com seqüelas para sempre.
Wilmes Teixeira
É especialista em medicina legal e membro da American Academy of Forensic Science
Cunhou o termo Síndrome do Bebê Espancado (Sibe)
Fonte: O Estado de São Paulo
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