Quem é, como vive e o que pensa o promotor do caso Isabella
Durante o julgamento do casal Nardoni, que no dia 29 de março foi condenado pelo assassinato da menina Isabella, o promotor Francisco Cembranelli, de 49 anos, lia frases de depoimentos anteriores do réu, Alexandre, antes de formular suas perguntas. A tática foi irritando o advogado de defesa, Roberto Podval, que pedia que o promotor indicasse de onde vinham as informações. A certa altura, Cembranelli respondeu com ironia à insistência do oponente, que reagiu: “Faça o que é sua obrigação e não seja bobo”, disse Podval, contrariado. Dilacerar a defesa é uma arte que Cembranelli pratica com gosto.
Por trás do verniz de austeridade que sua fala enérgica aparenta, o promotor esconde um espírito zombeteiro. O sarcasmo que usa ao enfrentar advogados de defesa foi aperfeiçoado nos 1.078 julgamentos com júri de sua carreira – uma média de mais de 50 embates anuais. Com cerca de 1,80 metro de altura, magro e elegante, Cembranelli teve uma ascensão fulgurante na profissão. Ele começou em 1988, no Ministério Público de São Paulo: foi designado para substituir um colega em férias no Tribunal do Júri de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. “O único lugar para onde não queria ir era o júri”, diz Cembranelli. “Eu era muito tímido, não tinha desenvoltura nem para chegar nas meninas.” Um fracasso na estreia seria um dano irrecuperável para um promotor novato e acanhado. Estudou o processo e pediu ajuda a um amigo promotor do júri. Acompanhou julgamentos conduzidos por colegas experientes. Quando chegou sua vez, venceu por 5 votos a 2.
O entusiasmo daquela vitória faria com que descobrisse sua primeira paixão: o tribunal de júri. “Eu trabalhava 14 horas por dia. Quando não estava no tribunal, assistia ao júri de colegas tarimbados, para anotar os argumentos.” Em menos de três anos, Cembranelli ocupava o cargo de promotor de 3ª instância, o mais alto na profissão antes de se tornar procurador de Justiça. Nem os familiares acreditavam numa carreira tão vitoriosa. “Eu perguntava para o pai dele: como esse menino vai se virar no júri se ele não abre a boca?”, conta Ana Cembranelli, a mãe de Francisco.
Calado e tímido desde a infância, ele tinha um motivo para ser mais reservado que a maioria dos garotos: o acidente que, aos 2 anos de idade, deixou uma marca definitiva em seu rosto. A família morava em Leme, no interior paulista, e havia uma construção vizinha a sua casa. Era o domingo de Carnaval de 1963 quando Francisco viu um cão filhote e correu atrás dele até a obra. No caminho, tropeçou e caiu dentro de uma piscina que estava cheia de cal. Sua mãe até hoje se emociona ao lembrar do acidente: “Por um mês o levamos três vezes por dia ao médico para evitar que ele perdesse a visão...”. Apesar de ter ficado com o olho esquerdo mais fechado que o outro, Cembranelli é o único da família que não usa óculos.
Filho do meio entre dois irmãos (o mais velho médico, o mais novo artista plástico), Francisco não queria seguir a carreira do pai, Sylvio Glauco Taddei, que era delegado quando conheceu Ana Cembranelli. Desquitado e com uma filha do primeiro casamento, Sylvio se tornou promotor público em 1966. Francisco lembra do som da máquina de escrever sendo martelada nas madrugadas que o pai varava trabalhando. Uma situação que ele não queria repetir. “Meu filho dizia que aquela vida não era para ele, que não tinha nascido para usar gravata e colarinho apertado”, diz Ana.
‘‘Nós o levávamos três vezes por dia ao médico para que não
perdesse a visão’’ ANA CEMBRANELLI, mãe do promotor
Durante o julgamento do casal Nardoni, que no dia 29 de março foi condenado pelo assassinato da menina Isabella, o promotor Francisco Cembranelli, de 49 anos, lia frases de depoimentos anteriores do réu, Alexandre, antes de formular suas perguntas. A tática foi irritando o advogado de defesa, Roberto Podval, que pedia que o promotor indicasse de onde vinham as informações. A certa altura, Cembranelli respondeu com ironia à insistência do oponente, que reagiu: “Faça o que é sua obrigação e não seja bobo”, disse Podval, contrariado. Dilacerar a defesa é uma arte que Cembranelli pratica com gosto.
Por trás do verniz de austeridade que sua fala enérgica aparenta, o promotor esconde um espírito zombeteiro. O sarcasmo que usa ao enfrentar advogados de defesa foi aperfeiçoado nos 1.078 julgamentos com júri de sua carreira – uma média de mais de 50 embates anuais. Com cerca de 1,80 metro de altura, magro e elegante, Cembranelli teve uma ascensão fulgurante na profissão. Ele começou em 1988, no Ministério Público de São Paulo: foi designado para substituir um colega em férias no Tribunal do Júri de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. “O único lugar para onde não queria ir era o júri”, diz Cembranelli. “Eu era muito tímido, não tinha desenvoltura nem para chegar nas meninas.” Um fracasso na estreia seria um dano irrecuperável para um promotor novato e acanhado. Estudou o processo e pediu ajuda a um amigo promotor do júri. Acompanhou julgamentos conduzidos por colegas experientes. Quando chegou sua vez, venceu por 5 votos a 2.
O entusiasmo daquela vitória faria com que descobrisse sua primeira paixão: o tribunal de júri. “Eu trabalhava 14 horas por dia. Quando não estava no tribunal, assistia ao júri de colegas tarimbados, para anotar os argumentos.” Em menos de três anos, Cembranelli ocupava o cargo de promotor de 3ª instância, o mais alto na profissão antes de se tornar procurador de Justiça. Nem os familiares acreditavam numa carreira tão vitoriosa. “Eu perguntava para o pai dele: como esse menino vai se virar no júri se ele não abre a boca?”, conta Ana Cembranelli, a mãe de Francisco.
Calado e tímido desde a infância, ele tinha um motivo para ser mais reservado que a maioria dos garotos: o acidente que, aos 2 anos de idade, deixou uma marca definitiva em seu rosto. A família morava em Leme, no interior paulista, e havia uma construção vizinha a sua casa. Era o domingo de Carnaval de 1963 quando Francisco viu um cão filhote e correu atrás dele até a obra. No caminho, tropeçou e caiu dentro de uma piscina que estava cheia de cal. Sua mãe até hoje se emociona ao lembrar do acidente: “Por um mês o levamos três vezes por dia ao médico para evitar que ele perdesse a visão...”. Apesar de ter ficado com o olho esquerdo mais fechado que o outro, Cembranelli é o único da família que não usa óculos.
Filho do meio entre dois irmãos (o mais velho médico, o mais novo artista plástico), Francisco não queria seguir a carreira do pai, Sylvio Glauco Taddei, que era delegado quando conheceu Ana Cembranelli. Desquitado e com uma filha do primeiro casamento, Sylvio se tornou promotor público em 1966. Francisco lembra do som da máquina de escrever sendo martelada nas madrugadas que o pai varava trabalhando. Uma situação que ele não queria repetir. “Meu filho dizia que aquela vida não era para ele, que não tinha nascido para usar gravata e colarinho apertado”, diz Ana.
‘‘Nós o levávamos três vezes por dia ao médico para que não
perdesse a visão’’ ANA CEMBRANELLI, mãe do promotor
Louco por praia e surfista inveterado na adolescência, Francisco queria estudar oceanografia. “Só não prestei porque não havia faculdade em São Paulo”, diz ele. Em 1976, com 15 anos, mudou-se com a família para a capital paulista. Como as dificuldades geográficas o impediam de estudar a biologia marinha, optou pelo Direito e entrou na FMU. Se na carreira jurídica orgulhou o pai, no futebol o decepcionou. Sylvio era palmeirense fanático, mas teve de engolir o filho tornar-se santista aos 8 anos. Eram tempos de Pelé e de um Santos multicampeão. O menino já usava a retórica para persuadir o pai a levá-lo aos jogos.
Na vida pessoal, Cembranelli somou outro paradoxo: apaixonou-se por uma defensora pública, durante um julgamento no Fórum da Penha, na Zona Leste de São Paulo. Ela defendia e ele atacava. Foi em 1992. O jovem promotor, já uma estrela do Ministério Público, encontrou Daniela Solberguer, nomeada pelo Estado para defender os réus pobres. No primeiro embate, ela ganhou. “Depois ele me procurou na garagem do fórum para me dar os parabéns”, conta Daniela. “Começamos a conversar e percebemos que tínhamos afinidades além do campo profissional.” No segundo embate, Francisco ganhou. Não houve um terceiro. Os encontros frequentes entre os dois fora dos tribunais a levaram a pedir transferência – para evitar que os embates profissionais seguissem causando brigas entre eles. Casaram-se em 1996 e têm dois filhos, de 9 e 10 anos. “Hoje eles entendem nossas profissões, mas quando eram pequenos perguntavam: ‘Por que o papai pede para prender e a mamãe pede para soltar?’”, diz Daniela.
Nesta semana, Cembranelli vai ficar distante do caso Isabella pela primeira vez em quase dois anos. Pretende viajar para o exterior com a mulher para descansar, tomar bons vinhos e relaxar. Fez questão de escolher um hotel com esteira – é maratonista, corre mais de 10 quilômetros todas as manhãs. Nos dois anos em que esteve à frente do caso Isabella, a rotina do casal mudou. O promotor, acostumado a estudar os processos em que vai atuar apenas na semana do júri, reservou uma sala da casa em que moram em Alphaville (subúrbio de luxo em São Paulo) para guardar tudo relacionado ao caso: são 28 volumes só do processo. Com tantas aparições na mídia, Cembranelli virou ídolo popular. Durante os passeios da família, em cinemas e shoppings, as pessoas param o promotor para cumprimentá-lo. Em uma missa realizada em memória de Isabella, na semana passada, Cembranelli foi ovacionado por quase 500 pessoas que estavam na igreja. Apesar do assédio, ele afirma que seu ego não se insuflou e nega pretensões políticas: “Passei a vida inteira sem isso. Não preciso da fama para trabalhar”.
Na vida pessoal, Cembranelli somou outro paradoxo: apaixonou-se por uma defensora pública, durante um julgamento no Fórum da Penha, na Zona Leste de São Paulo. Ela defendia e ele atacava. Foi em 1992. O jovem promotor, já uma estrela do Ministério Público, encontrou Daniela Solberguer, nomeada pelo Estado para defender os réus pobres. No primeiro embate, ela ganhou. “Depois ele me procurou na garagem do fórum para me dar os parabéns”, conta Daniela. “Começamos a conversar e percebemos que tínhamos afinidades além do campo profissional.” No segundo embate, Francisco ganhou. Não houve um terceiro. Os encontros frequentes entre os dois fora dos tribunais a levaram a pedir transferência – para evitar que os embates profissionais seguissem causando brigas entre eles. Casaram-se em 1996 e têm dois filhos, de 9 e 10 anos. “Hoje eles entendem nossas profissões, mas quando eram pequenos perguntavam: ‘Por que o papai pede para prender e a mamãe pede para soltar?’”, diz Daniela.
Nesta semana, Cembranelli vai ficar distante do caso Isabella pela primeira vez em quase dois anos. Pretende viajar para o exterior com a mulher para descansar, tomar bons vinhos e relaxar. Fez questão de escolher um hotel com esteira – é maratonista, corre mais de 10 quilômetros todas as manhãs. Nos dois anos em que esteve à frente do caso Isabella, a rotina do casal mudou. O promotor, acostumado a estudar os processos em que vai atuar apenas na semana do júri, reservou uma sala da casa em que moram em Alphaville (subúrbio de luxo em São Paulo) para guardar tudo relacionado ao caso: são 28 volumes só do processo. Com tantas aparições na mídia, Cembranelli virou ídolo popular. Durante os passeios da família, em cinemas e shoppings, as pessoas param o promotor para cumprimentá-lo. Em uma missa realizada em memória de Isabella, na semana passada, Cembranelli foi ovacionado por quase 500 pessoas que estavam na igreja. Apesar do assédio, ele afirma que seu ego não se insuflou e nega pretensões políticas: “Passei a vida inteira sem isso. Não preciso da fama para trabalhar”.
Publicado em 01/04/2010
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