quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Descendentes de canibais pedem perdão a família de missionário devorado

Os herdeiros de um homem que foi devorado por canibais em uma pequena ilha do Pacífico há 170 anos voltaram pela primeira vez ao local da morte de seu ancestral para fazer parte de uma singular cerimônia de reconciliação.

O ritual se deu na pequena ilha de Erromango, uma das ilhas que compõem a nação de Vanuatu, onde em 1839 os indígenas mataram e devoraram o reverendo John Williams, um dos mais reconhecidos missionário de seu tempo, e seu colega James Harris.
Desde então os nativos crêem ser vítimas de uma "maldição", que querem desfazer agora que o catolicismo é cada vez mais forte na ilha.
"O povo de Erromango sempre teve sobre si o peso de ter matado um missionário. Eles acham que foram amaldiçoados e é por isso que essa reconciliação é tão importante", disse à BBC o presidente de Vanuatu, Iolo Johnson Abbil.
"Desde que passamos a nos considerar como um país cristão, era necessário que Erromango passasse por isso."

Canibalismo
Em 1816, aos 20 anos de idade, John Williams abraçou a vida de missionário dedicando-se à catequização de indígenas da Polinésia sob os auspícios da Sociedade Missionária de Londres.
Dedicou-se à atividade por mais de duas décadas. Em sua última viagem, ele aportou em 1839 a bordo do navio Camden na baía de Dillons, no arquipélago a mais de 1,5 mil quilômetros a leste da Austrália que ainda viria a se tornar Vanuatu.
Ali, dias antes, nativos de Erromango haviam sido mortos por comerciantes europeus de sândalo. Em meio à hostilidade, os dois foram mortos e canibalizados pelos nativos, assim que puseram os pés em terra. "Harris, que estava mais adiante, foi abatido a clavas e morto. John Williams se virou e tentou correr para o mar. Eles o alcançaram na costa. Ele também foi abatido, flechado e morreu nas águas rasas", contou um dos descendentes do missionário, Charles Milner-Williams, 65.
O antropólogo Ralph Regenvanu, membro do Parlamento de Vanuatu e um dos que propuseram a reconciliação, disse que os homens provavelmente foram mortos porque representavam a "incursão" do homem branco na terra indígena.
"O canibalismo era praticado de forma de ritual e considerada uma atividade sagrada. Muitas vezes era uma maneira de derrotar uma ameaça, de absorver o poder do inimigo", disse o antropólogo.
"John Williams pode ter sido morto e devorado porque representava essa ameaça, essa incursão da civilização europeia que estava chegando a Erromango naquela época."

Reconciliação
Na cerimônia de reconciliação, à qual compareceram 18 descendentes do missionário Williams, a morte dos dois homens foi reencenada. Dezenas de descendentes dos moradores de Erromango à época fizeram fila para pedir o perdão da família.
Como demonstração de afeto e respeito, a baía de Dillons, onde ocorreu o incidente, foi renomeada de baía de Williams.
"A reconciliação é parte da nossa cultura. Pedir perdão é uma parte do cerimonial, mas não a única”, disse Regenvanu. “A reconciliação requer algo de ambos os lados, há sempre o elemento da troca."
A família de Williams concordou em amparar a educação de uma garota de sete anos de idade, que foi ritualmente "entregue" à família como compensação pela perda do missionário.
Para o parente de Williams, Charles, o ritual foi emocionante.
“Vim sem saber o que esperar e saio, curiosamente, com minha fé restaurada e me sentindo renovado", afirmou Milner-Williams, que vive em Hampshire, no sul da Inglaterra.
"Pensei que após 170 anos eu não sentiria nenhuma emoção, mas a pureza dos sentimentos, o arrependimento genuíno e a tristeza, de partir o coração, foram bastante tocantes."

"O canibalismo era muitas vezes uma maneira de derrotar uma ameaça, de absorver o poder do inimigo. John Williams pode ter sido morte e devorado porque representava essa ameaça, essa incursão da civilização européia que estava chegando a Erromango naquela época."
Ralph Regenvanu, antropólogo

Briony Leyland


BBC Brasil

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