segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Hospitais confirmam rotina de agressões contra crianças


João e Pedro têm 8 anos. Vitor completou 7. Artur passou agora pelo 4º aniversário. As idades das meninas Rita, Júlia e Ana vêm em "escadinha": 9, 7 e 4. Parece a lista de chamada da pré-escola, mas revela a triste rotina da maior unidade de referência de atendimento de vítimas de violência sexual. Todas essas crianças passaram pela sala de emergência do Hospital Estadual Pérola Byington de São Paulo, no intervalo de 24 horas - entre quarta e quinta-feira.
Dos 12 pacientes atendidos em um dia por terem o corpo violentado, sete tinham menos de 11 anos. Confirmaram a tendência de que a infância é alvo principal dos agressores. A participação infantil entre os acolhidos no Pérola avançou nos últimos anos. Em 2000, os menores de 12 anos respondiam por 10,7%, porcentual que chegou a 34,6% em 2003 e 47,3% no ano passado. Este ano alcançou nível recorde, 50,5%. As crianças já são maioria na unidade ginecológica que foi criada para atender mulheres.
Para os médicos, entretanto, o dado não revela que a violência contra a infância cresceu. "Tenho convicção de que agora é menos velada", afirma Jefferson Drezett, coordenador do Serviço de Violência da unidade. O que estava "embaixo do tapete de casa" - já que a literatura mostra que em 90% dos casos o agressor é íntimo (pai, padrasto, tio) - agora começa a vir à tona. E a experiência com as vítimas adultas faz médicos olharem até de forma positiva para o atual perfil.
"Entendemos que o ciclo de violência está sendo rompido mais cedo", afirma Drezett. A maior parte das pessoas só procurava ajuda médica depois de cinco anos, em média, sofrendo a agressão em silêncio. Pode ter sido o caso das duas jovens de 17 anos, outra de 19 e uma quarta de 21 que foram atendidas naquela mesma quarta-feira no serviço de violência do Pérola.
O rompimento mais cedo do muro de silêncio em torno da vítima é apontado como uma das consequências positivas da divulgação do assunto feita pela CPI da Pedofilia, por exemplo. "As mães passaram a acreditar mais nos filhos e sabem onde procurar ajuda", afirma Daniela Pedroso, psicóloga responsável pelo atendimento do hospital. O que antes era escutado só como fantasia agora já é encarado como indício de que a criança pode estar sofrendo, completa ela.
Se as mães estão mais atentas aos pedidos de socorro, muitas vezes sutis, Daniela diz que ainda falta atenção de outros olhos e ouvidos. "É preciso que os profissionais de saúde, não só os ligados à área de violência, estejam mais atentos aos sinais, assim como professores", completa a especialista. Só a maior atenção das mães já implicou mudança de perfil dos atendimentos. Alteração que foi mais rápida do que a adaptação da estrutura física do Pérola Byington.
Um dos sinais disso é que as mesas para as consultas ainda são todas para adultos e não voltadas ao público infantil. Foi a equipe de profissionais do ambulatório de violência que, sensível aos pacientes cada vez menores, montou uma brinquedoteca na sala de espera, no mês passado. Na última quinta-feira, a música de ninar que saía de uma das bonecas era o som que destoava do silêncio de quem esperava consulta. Embalado pelo ritmo, um menino que parecia ter só 6 anos dizia para mãe que "era preciso voltar a ser feliz". (Fernanda Aranda - AE)

Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul

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