terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Pausa para respirar

ADEUS INSÔNIA, AZIA, RINITE
Cristiane Edelman aprendeu a controlar a respiração há cinco anos: a qualidade de vida melhorou com o fim do mal-estar
Estudos de importantes centros de pesquisa em todo o mundo
começam a medir o que já se sabia empiricamente: a prática
cotidiana de exercícios respiratórios tem impacto positivo na saúde
e no bem-estar, além de auxiliar no tratamento de diversas doenças

O cardiologista italiano Luciano Bernardi coordenou, há oito anos, um curioso estudo na Universidade de Pavia. O tema: a influência da ave-maria sobre o sistema cardiovascular. Pesquisas anteriores já haviam demonstrado que a oração em latim, lida em voz alta, tinha efeito calmante sobre os fiéis. O que Bernardi e seus pares constataram foi que isso não tinha relação com a fé, e sim com o ritmo da respiração exigido pela métrica da oração. Para dizer cada frase inteira e respeitar os intervalos, é preciso baixar o número de inspirações e expirações para seis por minuto, um terço do ritmo normal. Esse ritmo respiratório mais lento reduz a frequência cardíaca e baixa a pressão arterial. Daí a sensação de calma. Data também do início dos anos 2000 uma série de outros estudos que procuram explicar e medir o efeito do controle da respiração sobre a saúde. Essa relação é conhecida empiricamente há milênios pela medicina oriental, mas só recentemente começou a ganhar status de assunto sério nos principais centros de pesquisa do mundo. Os resultados são animadores. A respiração controlada, em diversas modalidades, revela-se coadjuvante eficiente no tratamento de transtornos de ansiedade, de hipertensão e até de dores crônicas, em alguns casos permitindo reduzir expressivamente as doses de remédio.
O grande mérito dos estudos recentes sobre respiração é dimensionar seu poder de interferir no funcionamento do sistema nervoso autônomo. Esse sistema é dividido em dois: o simpático e o parassimpático. O primeiro prepara o corpo para enfrentar situações de perigo. Ao receberem um sinal de alerta, motivado por situação real ou imaginária, diversas áreas do cérebro entram em ação, desencadeando reações destinadas a enfrentar essa ameaça. Substâncias que contraem os vasos sanguíneos (como a adrenalina) são liberadas, provocando aceleração dos batimentos cardíacos e elevação da pressão arterial. Quando a ameaça sai de cena, o sistema parassimpático conduz o corpo de volta a seu estado normal. A respiração pode interferir nesse processo porque é a única das funções regidas pelo sistema nervoso autônomo que se pode controlar. Não é possível baixar ou elevar voluntariamente a temperatura corporal ou alterar a velocidade da circulação do sangue. Mas é perfeitamente possível alterar o ritmo da respiração. O que os médicos constataram é que, quando se respira lenta e profundamente, se envia ao cérebro uma mensagem tranquilizadora que ajuda a desarmar os sistemas de defesa. A respiração mais eficaz para isso é a diafragmática, semelhante à respiração dos bebês, que expandem o abdômen ao inspirar. Estudos do Laboratório de Pânico e Respiração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostram que 70% dos pacientes que sofrem de distúrbios de ansiedade conseguem diminuir em até 60% a dose de antidepressivos e ansiolíticos depois de seis meses. "Para quem sofre de pânico, o treinamento da respiração diafragmática é o primeiro passo para a resolução do problema sem medicamentos", diz o psiquiatra Geraldo Possendoro, professor de medicina comportamental da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Na esteira dessas constatações, nasceram e se multiplicaram os cursos de respiração. Eles atraem principalmente a turma que sempre aderiu alegremente a qualquer novidade na área do bem-estar. Mas têm incorporado também gente que nunca levou muita fé em nada que cheirasse a terapia alternativa. Foi por pura curiosidade que o empresário Robson Gouvêa, de 51 anos, procurou a Fundação Arte de Viver, uma das primeiras a oferecer esse tipo de curso. Isso foi em 2007. Gouvêa, que comanda a rede de magazines Leader, do Rio de Janeiro, gostou do resultado. Diz que sua grande conquista foi aprender a respirar fundo antes de tomar decisões importantes. Ele trabalha cerca de dez horas por dia. Para administrar o stress, joga tênis e pratica corrida. "A respiração passou a fazer parte da minha rotina de bem-estar", diz. A atriz Juliana Paes aderiu no ano passado, quando estava se preparando para viver a Maya de Caminho das Índias. "Eu estava muito ansiosa. Ia começar a novela e sabia que a pressão seria enorme. Aprender a respirar foi fundamental para enfrentar a empreitada com mais tranquilidade", diz Juliana, que, assim como a atriz Priscila Fantin, vê na qualidade do sono o maior benefício obtido com a prática. Em geral, quem faz regularmente exercícios respiratórios relata ter conquistado um precioso aliado para enfrentar o stress e a correria do dia a dia. A medicina confirma. "Vejo o controle respiratório como parte de uma estratégia de vida saudável, ao lado da alimentação balanceada e da atividade física regular", diz Bernardi.
Executiva de recursos humanos, a carioca Cristiane Edelman, hoje com 45 anos, não tem dúvida dos ganhos que obteve desde que incorporou o condicionamento respiratório ao seu cotidiano. Submetida à puxada rotina das consultorias internacionais, ela vivia entre voos e reuniões Brasil afora. Passou a sofrer os reflexos do stress e da ansiedade no corpo. Por duas vezes, chegou a parar no pronto-socorro. "Tinha formigamentos no rosto, achava que estava infartando, vivia com insônia, azia, e tinha rinite alérgica", conta. Cristiane só conseguiu dar um basta nesse mal-estar quando procurou uma terapeuta, cinco anos atrás, que lhe ensinou técnicas de respiração. "Minha qualidade de vida teve uma sensível melhora", diz.
Outra vertente em que as pesquisas constatam bons resultados do condicionamento respiratório é o controle da pressão arterial. Em 2002, o Food and Drug Administration (FDA), a agência americana que regula a venda de medicamentos, liberou um dispositivo chamado Resperate, uma espécie de walkman criado por médicos israelenses com o propósito de ditar o ritmo das inspirações e expirações. A prática de quinze minutos diários mostrou efeito significativo em estudos que abrangeram 507 hipertensos, todos sob orientação médica (veja o quadro). Após oito semanas, a redução média de pressão foi de 15 por 9 para 14 por 8. Em 10% dos casos a hipertensão desapareceu. Mesmo sem o aparelhinho, a física paulistana Elisa Wolynec, 68 anos, conseguiu idêntico resultado. Ela sempre levou uma vida saudável. Há cinco anos, descobriu que sua pressão estava alta. Começou a tomar medicação, mas teve uma série de efeitos colaterais desagradáveis e, em outubro de 2008, sob orientação médica, decidiu apostar na prática de exercícios de respiração lenta e profunda. Desde então, dedica quinze minutos todos os dias a eles, com muita disciplina. Aos poucos, o médico reduziu a dose de medicação e, desde janeiro, Elisa não toma comprimidos. Sua pressão chegava a 17 por 9 e estabilizou-se em 12 por 7. "Depois de dois ou três meses de prática, observa-se em alguns casos redução semelhante à que se consegue com remédios", diz Décio Mion, chefe da unidade de hipertensão do Hospital das Clínicas da USP, que no ano passado conduziu um estudo sobre o assunto com 27 hipertensos em grau leve.
Na Universidade Stanford, os exercícios respiratórios são vistos como uma ferramenta para enfrentar a dor crônica com menor grau de desconforto. "Eles permitem encarar crises com menos medicação. A dor crônica tem um fator emocional, que ativa o sistema simpático e, consequentemente, aumenta a tensão muscular. O controle da respiração permite que o corpo fique mais relaxado", explica o anestesista Ravi Prasad, diretor assistente da divisão de gerenciamento da dor em Stanford. Essa é uma área em que ainda não há estatísticas que confirmem a relação entre os exercícios e a melhora do quadro dos doentes. Mas as evidências são muito fortes, e há muitos estudos em andamento que permitirão medir adequadamente esse efeito. Não deverá levar muito tempo. Essa é uma fronteira promissora para a medicina nos próximos anos. Diz o cientista americano David Anderson, dos National Health Institutes, o órgão responsável por pesquisas e políticas públicas de saúde nos Estados Unidos, que coordena o maior estudo já feito no país sobre a relação entre respiração e saúde: "Estou convencido de que os padrões de respiração têm grande impacto até sobre o sistema imunológico".


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